Pra Não Dizer Que Ela Não Falou Das Rosas

A Ana adorava ir pra escola e quando alguém lhe perguntava sobre o Jardim de Infância os olhinhos da menina brilhavam que nem duas esmeraldas brilhantes. Sua escola era tudo de bom na sua modesta opinião de criança de cinco anos. Ana adorava estudar tanto que pra ela nem tinha que ter fim de semana pra descansar. Bom seria ir á aula os sete dias da semana e nos feriados também. 

Quanta coisa ela aprendeu e conquistou até aqui nesse ano todo cheio de novidades. Amigos, brincadeiras, cantigas, lanches, hábitos ... tudo novo e com gostinho de quero mais. Sempre mais!

Na sexta-feira, antes do Dia das Mães, a Professora Cláudia avisou que a turma desenharia um belo cartão para a mamãe. Que bom! Todo mundo ficou animado com o tal cartão pra mamãe!

A Professora desenhou uma flor no quadro branco. Uma flor. Uma margarida.



 

 

A Ana achou uma florzinha muito pouco. Foi logo fazendo um vaso pra sua mãe. Um vaso cheio de margaridas coloridas que surpreendeu a professora.


 

O rosto da sua mestra ficou todo enrugado e seus lábios que antes eram iguais à uma cereja virarem um bico. Tomou o desenho da Ana, entregou uma folha nova toda em branca e foi logo pedindo:
- Ana, você tem que desenhar a mesma florzinha que está na lousa, ok? Apenas uma. Ouviu? Só uma! U-ma!

 
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Ao perceber que todos os olhos da sala estavam sobre ela, a pequena Ana encolheu. Ficou tão sem graça que o novo desenho saiu nada bonito como o primeiro. Uma única flor e ainda por cima tão sem graça igualzinho como a Ana ficou.
Um ano se passou e o Ensino Fundamental recebia a Ana e seus coleguinhas para mais uma nova etapa em suas vidas.
Mais responsabilidades, matérias, novos colegas, uma nova professora ... E a pequena Ana imaginava as mais belas surpresas e novidades que aprenderia na Primeira Série. 

Mais uma vez, o 'Dia das Mães' estava chegando e todos confeccionariam um cartão para a mamãe. Ana não havia esquecido o constrangimento do ano anterior mas, estava pronta pra fazer um cartão bem mais bonito. Afinal, tinha mais jeito para colorir, desenhava mais tipos de flores, aprendeu a misturar e inventar cores com suas primas mais velhas quando brincavam de escolinha na casa da Vó Joana.

Mas, qual na foi a sua surpresa quando a Professora Chris desenhou uma margarida igualzinha à flor do ano passado naquela lousa imensa. Uma única florzinha e a frase a ser copiada por todos:

 

 
 
Você é a flor do meu jardim, Mamãe!
 

Ana ficou entre a cruz e a espada. Ponderou por uns cinco minutos entre desenhar aquela florzinha ou uma rosa.

Sim! Aquela linda rosa que sua prima Thaís lhe ensinou a desenhar! Tão fácinho mas tão fácinho que Ana se empolgou toda e logo aquela folha toda branca ficou carregada de rosas! Vermelhas não! Papai havia lhe dito que rosas vermelhas só namorado ou marido pode dar. Não tinha problema. Sua caixa de giz de cera tinha outras cores. "Vamos deixar o vermelho pro Papai, né.", pensou a Ana.

A Professora Chris estava dando sua voltinha costumeira pela sala para ver se todos estavam desenhando a margarida e escrevendo a frase. Mas, qual não foi a surpresa da professora quando viu o desenho da sua aluna.
- Ana! O quê você tá fazendo menina? Não vê que você tem que desenhar uma margaridinha? E afinal, o que é isso aí?
- São rosas professora! Mamãe adora rosas! Por isso desenhei rosas bem coloridas!


 
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- Não! Não! Não! A atividade é a mesma para todos então a senhora tem que desenhar uma margarida. Apenas uma, viu?
- Mas professora, já fiz um cartão com uma margarida no Jardim! Assim vou repetir e não quero!

De repente, outra voz se manifestou. A de um menino. Ana virou pra ver quem era. Era o Zeca, colega seu desde o prézinho. Ele se mostrou muito corajoso queixando-se da atividade: 

- Também desenhei uma margarida no ano passado. Não quero repetir o desenho! Não pode fazer diferente Professora? 

Antes que mais um se manifestasse ...

- Vamos parar por aqui e agora! A atividade está na lousa. Quem não fizer daquele jeitinho vou dar um ZERO! Preciso repetir? Preciso? Francamente ... Ufa!

Antes que a Ana conseguisse guardar seu desenho das lindas rosas multicoloridas, a Professora Chris tomou a folha e a rasgou bem ao meio e disse:
- Vamos Ana. Jogue essa folha fora no lixo e volte logo pro seu lugar pra terminar sua tarefa.


 

O tempo não pára e a Ana já está na 2a. Série. Sua escola e colegas são nota dez. A Professora Janaína é legal, mas ela também não deixa a Ana desenhar o que quer. Sendo criança e ingênua, a menina acaba questionando:
- Professora?
- Sim, Ana?
- Sei desenhar outras flores além de margaridas. Posso fazer um buquê de rosas no meu cartão?
-É que maioria dos seus colegas não sabe fazer outras flores, sendo assim, todo mundo vai fazer margaridas. Assim os desenhos ficam todos iguais. OK?
- Hummmm ...Tá bom. Mas ... não posso fazer nenhuma  rosinha pra minha mãe? Sabe, ela A-DO-RA rosas, professora!
- Teimosinha você, hein Ana! Quer ir pra diretoria? Está atrapalhando a nossa aula. Não é mesmo turma?

No Dia das Mães a Ana entrega o seu cartão e sua mãe lhe pergunta:
- Aninha, porque você não desenhou aquelas belas rosas que a Tata lhe ensinou?
- Ah mãe! É só um cartão. Nem gosto mais de desenhar. Nem margaridas. Muito menos rosas. Desenhar é pra bebê, pra criancinha. Sou grandinha né!



OBS: Uma manhã, ao assistir o programa, 'Mais Você' da Ana Maria Braga, um menino, João Montanaro, que desenha e escreve charges pra Folha de São Paulo, fez uma declaração depois que a apresentadora lamentava o fato de ela não saber desenhar nada. Nadinha. O menino explicou que ele não era tão bom assim em desenhar. Apenas nunca parou de desenhar. Dando continuidade, ele apenas foi aperfeiçoando e adquirindo técnicas e mais habilidade.

Disse que a criança pára de desenhar quando ela perde o gosto em rabiscar suas ideias. Isso geralmente ocorre nos primeiros anos do Ensino Fundamental, ou logo no Jardim de Infância quando o aluno percebe que a criatividade dele está sendo 'podada' e terá que fazer cópias ou reproduções que sua professora determinar.

Se lembra da última vez que VOCÊ desenhou?  


 
Texto: SÃO PAULO, SP, BRASIL, 21-12-2009, 16h00: O João Pedro Montanaro Barbosa, 13, posa para fotografia em sua casa, em São Paulo (SP). Desde de janeiro de 2010, ele é o mais novo quadrinista da Folhinha, com suas tiras do personagem Doubli. (Foto: Leticia Moreira/ FOLHINHA) --------------
O jovem cartunista da Folha, João Montanaro, lançou seu primeiro livro: "Cócegas no Raciocínio" que reúne tiras, esquetes e rascunhos. Lançado pela Garimpo Editorial.
João Montanaro, 14, estreou na Folha em maio/2010, assinando charges políticas.
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Calada Eu
Enviado por Calada Eu em 24/01/2014
Reeditado em 10/04/2017
Código do texto: T4663519
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