Alguns Segundos

É impressionante a força do vento a sessenta metros do chão. Mesmo alguém com o cerebelo de um gato não se sustentaria na borda por muito tempo. O horizonte era uma imensidão de concreto, com centenas e centenas de prédios como o que está sob mim espalhados desuniformemente. Alguns maiores, outros menores, luxuosos talvez, mas todos iguais em sua essência: antros de pessoas infelizes que suportam a rotina tediosa durante anos a fio.

Não era minha primeira vez naquele terraço. Na verdade, já havia estado lá diversas vezes, mas no ultimo ano se tornou meu local favorito. O desafio que aquela borda me proporcionava era instigante. “Terei coragem dessa vez?”, me perguntava sempre que ia lá. Mas dessa vez era diferente, a sensação era de euforia e um “sim” ecoava na minha cabeça.

Decidi que não me demoraria. A nefasta lentidão do mundo já contaminara minha vida o suficiente. Esse é o mal do mundo: a lentidão. Tudo na humanidade é vagaroso e arrastado. A mente é a única livre deles: pode trabalhar em uma velocidade alucinante, tornando tudo menos doloroso. O corpo não acompanha-la é uma piada da natureza. Nem mesmo a fala, a mais básica ferramenta para a comunicação, está livre de limites ridículos. Enquanto três palavras são faladas, dezenas já se projetaram na mente, e isso provoca um colapso na atividade. As sílabas começam a se repetir e as estupidas palavras não se formam.

Se realmente há um criador, é um ser altamente doentio.

Um calafrio percorreu meu corpo quando comecei a correr. Parei. Estava a menos de um metro do vão. Seria mesmo um “sim” que ecoava na minha cabeça? A palavra havia mudado. Agora era um “covarde”. “Vá à merda com seu julgamento”, pensei sabendo que assinava minha declaração de insanidade ao discutir comigo mesmo, e pulei.

Cada centímetro quadrado do meu corpo se arrepiou naquele primeiro segundo. Não sabia se era certo ou errado fazer aquilo. A vida é minha, oras, posso abrir mão dela. Ainda mais de uma vida medíocre como essa.

Nas janelas mais altas do edifício tão familiar e tão hostil pra mim, estavam pessoas com quem não convivia e não tinha contato, eram os sócios e pessoas com cargos altos. Talvez houvesse encontrado com alguns deles nos elevadores durante a última década, mas provavelmente nenhum deles sabe que eu existo.

As janelas passavam lentamente quando a dúvida sobre preservar uma vida mesquinha ou encerrar meu sofrimento voltou. Mas não adiantava, era irreversível. Não haviam heróis pra me salvar de mim mesmo enquanto meu corpo se aproximava do chão, e isso me fez perceber como aqueles quadrinhos amontoados às centenas na minha estante eram ridículos. Todos e cada um dele. Uma mera necessidade de fantasiar sobre mundos melhores, com alguém para defender a humanidade de si mesma.

Estava a meia altura entre o topo do prédio e o chão quando vi meus colegas de trabalho através dos vidros, e percebi que talvez fosse burrice ter saltado. Um atentado com armas ou bombas seria muito mais útil para as pessoas boas. “Pessoas boas”, um termo estranho. Uma definição sem sentido, já que não há exemplos para serem encaixados nela. Então não seria certo livrar um mundo doentio de pessoas cruéis. Eles se mereciam. No final das contas, percebi que não dava a mínima para o que seria bom ou não, a ideia de um atentado me ocorreu por que eu simplesmente me deleitava com a ideia de vê-los sofrer. Vis bastardos que se unem para humilhar aqueles que já sofrem por determinação da natureza.

O tempo deve ter sido acelerado, pois o chão já se encontrava a poucos metros de mim. Normalmente teria demorado mais. Mesmo com a proximidade, as pessoas que andavam na calçada não haviam notado minha presença. Estavam focados demais em si mesmos. Eureka! Como pude não perceber antes? Era aquilo que me separava de uma vida menos perturbada: nã.

O concreto encontra a carne.

Darth Dimmy
Enviado por Darth Dimmy em 20/10/2014
Reeditado em 20/10/2014
Código do texto: T5005107
Classificação de conteúdo: seguro