Gestação de dezoito meses.

Muitos fatos históricos que se reportam a construção da maior hidrelétrica do mundo estão acima de quaisquer suspeitas e historicamente corretos. Entretanto há ainda as histórias que não foram contadas. Elas foram protagonizadas por cerca de quarenta mil trabalhadores brasileiros e paraguaios que ajudaram a edificar aquela obra gigantesca nos anos de 1975 a 1982.

Esta é a história do peão de obra nordestino chamado de Francisco Santos da Silva (O Chico Santo) como ficou conhecido por causa do seu sobrenome e também porque ele era natural da microrregião sul do Estado do Ceará chamada de Cariri - O Cariri cearense costuma ser visto como um tipo de oásis no Sertão, tanto do ponto de vista ecológico quanto climático e hidrográfico. Mas também por critérios culturais ele geralmente é classificado como uma região especial, diferente do ambiente cultural sertanejo. Até há regionalistas apaixonados que veem nele o maior reduto da cultura popular nordestina do interior ou do Nordeste em geral, sem achar isto exagerado. Fala-se muito das peculiaridades culturais da região, enquanto se constrói, ao mesmo tempo, uma imagem da sociedade caririense que pouco difere do quadro de outras partes do Nordeste, como se as estruturas sociais do meio urbano e, em particular, do meio rural fossem as mesmas em todas as regiões: uma sociedade "comum" do interior nordestino, mas com patrimônio cultural e histórico especial, particularmente no folclore. – O Chico desempenhava as profissões de bombeiro e eletricista. Ele era casado com a também caririense Josefa Arcanjo da Luz Divina, a ‘Zefinha’ como era carinhosamente apelidada.

A Zefinha era uma mulher exigente e vaidosa e o Chico Santo trabalhava muito para garantir o sustendo da família e para atender os caprichos da Zefinha. Ela era uma cabocla de pouco estudo, de prendas domésticas, mas tinha o rosto bonito e um corpo bem talhado. Mesmo sendo mãe de quatro filhos ainda era uma mulher desejada e constantemente assediada.

O serviço foi escasseando na cidade e Chico Santo desesperado pela falta de dinheiro e também pelas cobranças de sua mulher resolveu encarar o desafio de trabalhar fora daquela região por um bom dinheiro que resolvesse os seus problemas financeiros. Foi assim que chegou ao canteiro de obras de Itaipu, limítrofe entre Brasil e Paraguai. Trabalhou duro durante vários meses e assim ganhou bastante dinheiro. Como era um homem sem vícios mandava o suficiente para as despesas da família e ainda guardava um pouco. Antes de completar dois anos de serviço Chico Santo cheio de saudade da bonita Zefinha e dos filhos resolveu voltar para a sua casa. A viagem foi longa e lhe deu tempo suficiente decidir o rumo da sua vida. Iria colocar um pequeno comércio para a mulher tomar de conta e ele continuaria na sua função de bombeiro e eletricista para complementar a renda da família. Assim, cheio de planos, de saudade e de sonhos ele chega a sua cidade natal uma semana depois de ter iniciado a longa viagem. Ao chegar a sua casa ele ficou sabendo que a sua mulher, a Zefinha, encontrava-se na maternidade do município para se submeter a um trabalho de parto. Chico Santo ficou sem entender muito bem aquela história estranha. E ele matutava:

- Como é que isso era possível? Perguntava-se. Quase dois anos afastado de casa e ao chegar encontra a mulher de resguardo... Será possível que a Zefinha havia corneado ele? A resposta que ele encontrava para essa pergunta era a mesma: - Isso era quase uma certeza.

Ainda duvidoso do ocorrido ele foi percorrendo os botecos e aqui e acolá encontrava um velho conhecido que lhe fazia pilhéria da sua condição de marido traído. Vez em quando inquiriam para ele:

- E aí Chico Santo conta para nós como é essa vida de corno?

Isso era uma humilhação! Ele precisava ir ao hospital rapidamente tirar satisfação com a desavergonhada da sua mulher. Ela teria de explicar para ele quem era o pai desse menino. Enquanto o ciúme lhe devorava Chico Santo ia tomando uma bicada de aguardente para criar coragem e encarar a dura realidade. Depois de consumir algumas doses da amaldiçoada da cachaça ele se deu por satisfeito e foi visitar a mulher no hospital. Cerca de meia hora depois ele finalmente está na cabeceira do leito do hospital onde a sua mulher está se recuperando do parto. Enquanto o recém-nascido é amamentado os dois trocam algumas palavras.

Mas cadê a coragem do Chico Santo para inquirir a sua mulher sobre a criança?

Depois que a criança é amamentada Zefinha fica na posição de sentada, no próprio colchão do leito hospital. De repente ela vira o rosto da criança para que Chico Santo a veja melhor e lhe diz sorrindo:

- Olha Chico, não é a cara do pai!

Chico Santo olha algum tempo para a criança e deduz que a semelhança que ela tem com ele, na hipótese dele ser o pai, é a mesma de uma vaca ter parido uma cabra.

Resoluto ele afasta a criança com uma das mãos enquanto diz para a sua mulher:

- Zefinha! Eu já vi jumento nascer de 12 meses, agora menino nascer de dezoito meses nem vendo eu acredito.

Antes que a sua mulher pudesse responder alguma coisa a respeito do assunto Chico Santo se afasta rapidamente decepcionado, envergonhado e triste. Já na calçada do hospital ele vê todos os seus sonhos se desvanecerem e pensa assim:

- Ser corno é uma fatalidade. Agora continuar sendo corno é burrice.

Ele decide que viverá a sua vida sem guardar mágoa da sua bonita mulher. Guardará apenas as boas lembranças do tempo que conviveu com ela. Apenas isso. E ele mesmo passa a contar a história da sua desdita de boteco em boteco, em troca de algumas doses de cachaça, até a sua morte três anos depois vitimada por uma cirrose adquirida pela ingestão exagerada de bebida destilada.

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Rroberto Matos
Enviado por Rroberto Matos em 31/10/2014
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