A professora de literatura francesa - parte 1

Vez ou outra, extenuada, calmamente se sentava sobre a sua carteira, com suas formosas e vigorosas pernas, comumente cruzadas em um pedaço de tecido maleável e estreito, ajeitando a barra da saia com as pontas dos dedos. Suas coxas, cor de pêssego, davam a impressão a quem quer que as visse de serem tão macias quanto algodão doce; os pés, pequeninos, como hábeis equilibristas faziam movimentos regulares com sapatos de salto alto que, presos às suas pontas, pendiam no ar como trapezistas. De súbito detinha-se em alguma página do livro, absorta. Levantava-se e com o rosto voltado para a lousa, e as ancas nutridas e apertadas voltadas para nós, rabiscava com o giz.

Repetia em voz alta:

- Camus, Sartre, Simone de Beauvoir, Arthur Rimbaud, Charles Baudelaire, Paul Verlaini, Stéphane Mallarmé, Zola, Victor Hugo, Proust, Antoine de Saint-Exupéry...

Ela tinha uma paixão especial por Camus e sua devoção me enciumava profundamente. Carregava sempre, acolhidos entre os braços e sobre o peito, algum exemplar de O Estrangeiro ou A Peste. Quantas vezes, vagueando pelas suas curvas, desejei padecer da mesma morte que ele parecera!

Chamava-se Désirée, ou seja, "desejo". E eu desejava-a.

De praxe, eu me sentava no fundo da sala, silenciosíssimo, totalmente entregue à introversão, pelo menos nos primeiros dias, quando ainda não a conhecia. Permiti-me seduzir pela ideia de poder achegar-me ainda mais a ela durante as suas aulas, mas prontamente me apercebi de que disputar por alguma cadeira que ficasse próxima da senhorita Désirée não seria nada fácil. Aquelas cadeiras frias, feitas de ferro e madeira, dispersas na frente da sala, só não eram mais disputadas do que aquelas cadeiras professorais, humanas, lisas e feitas de carne.

- Ei, Lúcia! - chamei-a num sussurro. - Deixe-me sentar aí. Que tal trocarmos de lugar?

- Ora essa! Você é nojento, Alex Pereira... - retrucou ela, voltando-se para trás, indignada. - é como todos os outros garotos... Pensa que não sei por qual razão quer se sentar na frente?

- Por qual? - perguntei ofendido, mas certo de que ela não teria coragem de dizer o que achava em voz alta.

- Ainda pergunta! - soprou entre dentes.

Fora uma surpresa dar-me conta de que a professora nos ouvia? Dir-se-ia que não.

- Não há problema algum em querer se sentar aqui na frente - ela disse num tom conciliador. Toda a turma, arrebatada pela conversa, interrompeu o rabiscar frenético de cadernos e passou a observar-nos. As garotas, enciumadas, olhavam-me com censura e ódio mortal; os garotos, empáticos, pareciam sentir pena de mim, pois se julgavam não menos culpados nem menos depravados. Eu, por minha vez, desejoso por discrição, não sabia onde esconder o rosto. - Muito pelo contrário, isso demonstra que se está muito interessado na aula - conclui ela, fixando em mim pela primeira vez, desde o primeiro dia, os seus veneráveis olhos.

De repente ela examinou-me do seu canto, séria, muito aplicada, e, depois de ajeitar os óculos e arquear as sobrancelhas, falou:

- Já disseram que se parece com o Rimbaud? - admirada, aproximou-se do local em que eu me encontrava sentado e, com um gesto quase maternal, apertou levemente as minhas bochechas. - Carinha de bebê!

Nunca tivera eu a oportunidade de ver tão bela alma, assim tão de perto, com seu rosto lívido, sua franja negra, seus lábios estreitos, seus olhos meigos.

- Sim - balbuciei, ciente que havia ganhado o dia.

- Ele nem sabe quem foi Rimbaud; não presta atenção na aula - protestou Lúcia, que em momento algum desviara a sua atenção.

E Lúcia não estava enganada, embora não tivesse certeza disso nem pudesse provar a sua hipótese. Realmente eu não fazia a menor ideia de quem era o tal sujeito. A senhorita Désirée citava-o constantemente quando entre aquelas paredes cor creme, mas sua silhueta, tomando-me todo o tempo e todos os pensamentos, distraia-me, arrebatava-me.

De volta à minha casa, tratei de pesquisar sobre o poeta toda aquele resto de tarde, lendo versos e mais versos, artigos e mais artigos. No fim do dia eu me considerava, assim como ela, o seu maior admirador. Inclusive, recitei "o barco ébrio" em uma das aulas, poucas semanas depois. Foi um dia memorável! Mas isso foi bem depois...

Não percamos mais tempo. Voltemos agora mesmo para o relato do que se sucedeu naquela manhã, depois de sair da sala.

Ainda naquela manhã, na hora do intervalo, eu não quis comer; sumira, fui sentar-me sozinho na arquibancada da quadra de futsal, com um sorriso enorme e bobo no rosto, acariciando as bochechas agraciadas. Ela as tocara, sim, tocou-as! Com seus dedos, com sua linda mão, sua pele macia! Pude senti-la!

Encontrava-me em um estado de completo êxtase - nas mais altas e douradas nuvens do firmamento - quando ouvi:

- Olhe só para você... que decadente... é um sem-vergonha mesmo!

Levantei a cabeça e identifiquei os sapatos marrons nas meias brancas com desenhos de ursinho, todos muito bem conhecidos. Era Lúcia novamente (reconheci também a sua voz), batendo o pé, com as mãos na cintura e as sobrancelhas hostis pesando sobre os olhos castanhos.

- O que que eu fiz?

- Não é o que você fez - resmungou ela, e de fato parecia bem ameaçadora apontando com aquele indicador. - Você só não fez porque não pode. É o que passa aí nessa sua cabecinha burra e pervertida o que me incomoda.

- Você pensa que é quem? - provoquei, reunindo coragem e encarando-a. - Deus? Pare de tentar ler meus pensamentos. Ainda mais que a senhorita Désirée não concorda com você...

- Não concorda comigo? Então você sabe do que eu estou falando, seu cínico. Por que pergunta então, com esta cara estúpida, "o que que eu fiz?"?

- E o que você tem a ver com isso? - disse-lhe eu, seriamente ofendido. Sim, ofendido, pois eu me ofendia com muita facilidade.

Tive vontade de engolir minhas palavras quando percebi o efeito que tiveram sobre ela. Suas pestanas tremiam, os dentes mordiam os lábios inquietos. Os olhos saltavam.

- Eu não sei, ué! - prossegui dissimulando, virando o rosto para o outro lado. - Você não me fala o que é... Mas se fosse algo tão errado quanto você diz, ela já teria me repreendido. Colocar-me-ia de castigo imediatamente.

- Ela só não percebe porque é burra! - bufou ela, enrubescendo-se toda e fechando com força os punhos.

- Não, não, não... - repreendi-a, fechando os olhos e balançando a cabeça. - Agora vejo que você está louca. A senhorita Désirée não é nem um pouco burra. Ela lê Rambó.

- É Rimbaud, imbecil! - berrou ela.

- Que seja.

Lúcia olhou para o céu e assobiou com força. Quando mais calma, tentou começar novamente:

- Tudo bem, exagerei. Ela não é burra. Desculpe-me. É que este seu cinismo todo me irritou.

- Que cinismo? Não faço a menor ideia do que você está falando... Juro por Deus!

Faltou pouco para que eu levasse um tabefe seu bem no meio da fuça. Mas para minha sorte a sirene, que anunciava o fim do intervalo, deu-me um pretexto para sair correndo sem parecer um covarde e, desembaraçando-me dos outros alunos, imediatamente fui organizar-me na fila.

- Qual é o problema da Lúcia? - perguntei ao menino que se encontrava na minha frente, em posição de soldado. Chamava-se João Paulo. Era um mexicano troncudo, de cabelo grande e despenteado, olhar dissimulado, e de baixa estatura. Tinha as narinas largas e uma pequena cicatriz na testa grande, alta e retangular.

- Ela é mulher, cara. As mulheres são assim - respondeu ele, fazendo-se de adulto.

- A senhorita Désirée não é assim - resmunguei.

- A senhorita Désirée não é uma mulher... - disse ele e, virando o rosto, piscou-me um dos olhos. - ... é um anjo!

Vi-me obrigado a concordar com o garoto-filósofo.

Este mesmo garoto-filósofo era um garoto-problema e me colocaria em apuros mais tarde, durante mais uma daquelas famosas e adoráveis aulas da senhorita Désirée...

Perguntei-lhe em dado momento:

- O que é isso?

- Eu e a professora fazendo amor.

"O Carlos está fazendo desenhos sujos, professora!", iria gritar Jéssica, depois de arregalar os olhos, com expressão de nojo, quando João Paulo, o garoto-filósofo, levantou-se num sobressalto e cobriu-lhe a boca com as palmas das mãos. Impedida por ele, ela simplesmente conseguira dizer: "o Carlos está fazendo desenhos su..."

- Silêncio, crianças - exigiu a professora, levantando a cabeça, pois encontrava-se sentada.

- Mas professora...

- Por favor, Jéssica.

- O João Paulo... ele...

Por fim, a seriedade de pedra da professora fê-la calar-se. Apesar de mostrar-se cansada, Désirée não fora ríspida nem abrira mão da elegância costumeira.

- Tudo bem, desculpe - disse Jéssica, suspirou e sentou-se novamente em sua cadeira, com ar desanimado, sem argumentar.

Mais tarde, inclinei-me e sussurrei no ouvido de João Paulo:

- Poderia desenhar-me fazendo amor com a professora também?

- Melhor do que o Leonardo da Vinci! - exclamou ele, levantando a cabeça.

- Sério?

- Cinco Reais, uma pechincha!

Rapidamente abri a bolsa e retirei o dinheiro. Entreguei-o com prazer, presa de grande euforia. Ouvi então o som de uma folha que ele rasgara do caderno e surpreendi-me, pois esperava eu ouvir também os seus rabiscos enquanto ele desenhava e não os ouvi nem nada parecido.

- Está pronto! - exclamou, passando a folha da mão dele para a minha.

Ao receber a folha, olhei-a de um lado, do outro.

- Aqui não há desenho algum!

Ele, que havia me dado as costas, voltou-se irritado.

- Está me chamando de mentiroso?

- Estou! Olhe aqui!

A professora novamente levantou a cabeça e exigiu silêncio.

- Até tu, Alex?

Corei com a reprimenda, mas assim que ela voltou a sua atenção para o livro que lia, tornei a queixar-me a João Paulo, mas agora o fazia em voz mais baixa.

- Aqui, safado! Mentiroso! Olhe. Cadê o desenho? Cadê?

Ele olhou-me com ar soberbo, levantou a cabeça, apontou para a folha e disse:

- Aqui!

- Isso não é um desenho, é um pontinho - protestei, confuso. - Eu não lhe pedi isso, quero o meu dinheiro de volta.

- É só uma questão de semântica - disse. - Já leu Wittgenstein?

Irritado, estendi o braço e agarrei-o pelo colarinho.

- Explique-se, explique-se - eu exigia.

Sem abrir mão do ar soberbo que gostava de ostentar, ele pegou o lápis e apontou para o pontinho desenhado na folha.

- Vejo bem claramente - disse. - Aqui está você, e aqui - apontou novamente com o lápis. - , a professora. Estão fazendo amor. Só parecem pequenos porque estão longe. As pessoas parecem pontinhos quando são observadas de grande distância. Já andou de avião? Duvido muito. Pois bem, são minúsculas, parecem formigas. Mostre a ela o seu desenho e ela dirá "que desenho maravilhoso!". As professoras sempre dizem isso, são como as mães, só que, no caso da professora de literatura francesa, sexualmente atraentes.

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