Acordou, e assim que abriu os olhos fez a primeira  pergunta que  sempre se fazia: que dia é hoje? Terça-feira. Repassou mentalmente a rotina das terças. Só depois de fazer aquilo podia se levantar, coisa de gente metódica, apegada à ordem. E na ordem das terças seguiu o ritual: tomou o remédio, esperou um tempo, engoliu um café rápido, foi caminhar. Voltou pra casa, regou o jardim, lavou a roupa, limpou os vidros. Preparou o almoço obedecendo ao cardápio do dia:  arroz com espinafre, picadinho de carne, feijão estrelado, salada de cenouras com tomate. Sobremesa de  banana com canela...

Após o almoço, organizou a cozinha, se aprontou para ir ao centro da cidade. Todas as terças ia às flores, comprava um vasinho de crisântemos amarelos para o túmulo do marido, combinado que tinham feito antes de ele partir, vítima de uma leucemia que o levara ainda bastante jovem, cinco anos atrás.

Na volta do cemitério, passou pelo Lar dos Velhinhos, onde prestava trabalhos voluntários. Conversou, leu orações, deixou uns trocados para os biscoitos e saiu. Foi à Casa da Pamonha, na Rua Marechal Gondin, onde às terças comia pamonha quente com queijo, embrulhada na palha, merecimento e prazer aos quais também era fiel há anos.

Entrou no supermercado, levou o macarrão do jantar.  À noite, o  namorado vinha visitá-la.   Edmar, plantonista noturno na casa funerária, com folgas às terças,  sempre  chegava  às oito para  a massa e o vinho. Apressou-se nos afazeres.  Não flertava com atrasos. Qualquer quebra de horário era sinônimo de atropelo. Só funcionava com uma coisa encarreirada à outra, senão se atrapalhava todinha.

Entrou em casa, tomou um banho, lavou e secou os cabelos, retirou o esmalte. As terças eram também dia de renovar o vermelho-pimenta do pé e mão. Edmar gostava, ela atendia aos gostos dele. A roupa da noite pairava no cabide. Já deixava tudo assim, separadinho, para facilitar na hora de se vestir. Tudo era mais fácil quando se tinha já uma ordem pré-estabelecida.

Às oito, o jantar na mesa. Olhou o relógio e se aborreceu. Edmar estava atrasado. Ia ter que chamar a atenção do rapaz. Ele sabia como ela gostava de tudo no lugar, na hora certa. Esperou por dez minutos e nada do namorado. Pegou o telefone e assim que ouviu o "Oi, amor" do outro lado,  ela disparou com visível irritação na voz: “Cê tá atrasado! Onde é que cê tá?”. A resposta veio calma, serena. “Na funerária, meu bem! Hoje é segunda...”.

Contam que depois desse episódio, ela nunca mais foi a mesma... Passava o dia inteiro, conferindo sem parar o calendário, especialmente as terças-feiras, razão de seu imperdoável vacilo.