A Quadratura do Círculo- Cap. XXII

Parece que estou me desviando do propósito original desses meus escritos; o capítulo anterior teve toques de romantismo; não o descarto, pois tinha algumas dessas manias românticas nessa época; hoje estou curado e adapto-me à realidade sem ser realista; ironizo todos esses rótulos e hoje vou vivendo o dia a dia sem ilusões.

Pouco depois retornei à casa do professor Apolônio, mesmo não tendo esse nome; cheguei à cabana dele e entrei; ele me olhou surpreso e ao mesmo tempo contente:

-Ah, voltou!

-Sim; apesar de não diferir dos outros, penso que suas ideias são interessantes e, com você consigo dialogar. O ser humano é assim mesmo-dei uma pausa- mas o que eu estou falando? Será que eu sou diferente dos outros? O que eu fiz de tão heroico e desprendido para me vangloriar de minha honestidade e bons princípios? Seria você diferente do outros?

-Você tem um conceito pouco favorável do gênero humano... Eu já vivi um pouco mais...desculpe o chavão, mas é isso mesmo; vejo alguém espumando de raiva em suas convicções e, mais tarde, cordialmente o cumprimenta, passeia com o cachorro, ajuda a velhinha a atravessar a rua. Mas, é isso mesmo; a inconstância é a principal característica humana; eu as vejo como são, inclusive com meus defeitos...-baixou os olhos.

Senti-me mal; sou exigente com os indivíduos e quero deles talvez o que nem eu mesmo possa dar. Acho que já disse antes que elas são assim mesmo e não podemos exigir demais, ou de menos. Com alguns dá até para dialogar; quer dizer, quando não se tem o monólogo, daqueles pavões que querem falar, falar, de si, e, você será o mártir que irá ouvir suas lamúrias. Mas eu me presto a isso mesmo.

Estava me dando bem com a Rafaela; sim , até no nome era banal; a mais comum das mulheres e, talvez esse fosse seu encanto infantil; com ela não precisava pensar, não precisava me esforçar para agradar, embora Paloma não fosse sofisticada e nem intelectual.

Rafaela, comum até no nome: aquelas famílias das mais banais que se reproduzem às centenas, aos milhões. Mas...são gente boa, como se diz; mas o que eu queria? Esses meus dotes que aprendi a reconhecer na escola, no mundo real não são tão notáveis assim; acostumaram-me mal a receber elogios; queria-os talvez , para ratificar minha singulariadade. Mostrava um poema a Rafaela; acho que ela mal entendia o que dizia, mas falava:

-Que lindo! Adorei!

Pelo menos sua família não me atormentava, dizendo se eu tinha estudado isso ou aquilo ou se o primo tal ganha tanto ou quanto. Essas coisas o aporrinham! Mas às vezes era difícil até com a Rafaela, ou Rafa, como suas amigas a chamavam:

-Que droga de música é essa?- Eu, com meus gostos musicais sofisticados que ela não entendia.

-Ah, eu adoro,há,há,há, há!- e cantarolava um trecho, que eu abominava!

Às vezes tentava me acompanhar; fazia um verdadeiro esforço; era uma pessoa gentil e prestativa. Todos, sem exceção, têm qualidades; parece um chavão, mas algumas qualidades são convenientes a alguns, especialmente a mim. Dizem que as relações têm que ter conflitos, senão desandam; discordo totalmente; acho que devem ser entre pessoas opostas; quando há uma discrepância enorme, como entre eu e a Rafa, uma coisa compensa a outra; ela tem a paciência e eu, talvez, a sapiência...