TEIMOSIA SEM LIMITES

Todos na residência dormiam, despreocupadamente. A única exceção era dona Coco, que tinha madrugado e estava, como de costume, mexendo nos afazeres da cozinha. Já tinha, então, preparado o café da manhã, varrido e passado um pano com detergente na cozinha, na sala e no terraço da casa e sem ter mais o que fazer, já se encontrava ansiosa procurando algo para passar o tempo. Foi ao amplo terraço da casa, sentou-se para tomar um café pequeno, com algumas torradas, e, de repente, veio a sua mente a execução de um plano que vinha martelando o seu juízo há muito tempo: queimar os galhos secos de mato do terreno baldio vizinho de sua casa de praia.

A mulher já tinha comentado com o seu esposo, o senhor Beto, sobre esta vontade de queimar tais matos, alegando que o terreno ficaria limpo e seria, portanto, mais fácil de controlar melhor as pragas e insetos que, normalmente, ficavam acomodados no matagal, fato que o seu esposo foi, radicalmente contra, explicando a mulher que estávamos na estação de verão e o sol encontrava-se, portanto, bastante forte, fato que qualquer faísca de fogo poderia ocasionar, de forma bastante rápida, um incêndio de proporção gigantesca e difícil, portanto, de ser contido.

Já havia, também, comentado tal intenção com as filhas, que, igualmente ao pai, se posicionaram contrárias às intenções da mulher. Foram, então, unânimes em responder aos intentos da mãe:

- Mamãe! ... O papai já falou sobre os perigos de uma queima desta natureza e nós achamos que ele tem toda a razão e a senhora não tem nada que mexer com isto. É uma coisa muito perigosa!

Contudo, dona Coco era por demais persistente e ninguém conseguia tirar de sua cabeça a ideia de queimar os galhos secos de mato do terreno vizinho. Tinha, na verdade, entranhada na sua personalidade uma teimosia sem limites, que havia, sem sombra de dúvidas, afirmavam alguns parentes, herdado de seu finado pai, que quando queria alguma coisa, agia nem que fosse debaixo de pau e pedra. Para realizar o seu sonho, a mulher bastava, então, encontrar o apoio de alguém, fato que nunca encontrara, pois ao falar com algumas vizinhas amigas, não obtivera, também, apoio para a realização do serviço.

Era o primeiro dia do ano de 1993 e quase todos os membros da família tinham exagerado um pouco nas festividades da passagem do ano, necessitando, portanto, de um bom repouso. As únicas exceções eram dona Coco, conforme já fora frisado, e um papagaio bastante falante, chamado Ziquinho, que eram os seres da família que estavam, energeticamente, acessos, àquelas horas da manhã, cerca de 6:00 horas.

Dona Coco, estava, então, numa grande ansiedade, procurando algo para fazer, para preencher o seu tempo, e o Ziquinho cantarolando partes de algumas músicas infantis que havia decorado com a sua dona, a filha mais velha da família, que, quando se encontrava em casa, passava a maioria do seu tempo brincando com o papagaio.

Assim, a mulher, após tomar o seu saboroso café, foi, mais uma vez, tentada a realizar a tarefa de seus sonhos. Pensou, então, em acordar o esposo para ajudá-la no serviço que pretendia realizar, mas, de repente, lembrou-se de que o mesmo tinha se posicionado contrário à referida queima e, além do mais, tinha a certeza de que o mesmo não iria ficar nada satisfeito em acordar àquelas horas do dia, pois se encontrava, sem sombra de dúvidas, curtindo uma significativa ressaca, advinda da exagerada quantidade de cervejas que tinha ingerido na noite anterior.

Sem outra opção, dona Coco decidiu, portanto, realizar sozinha a tarefa da queima do mato, uma vez que, na sua concepção, era melhor enfrentar o serviço, mesmo sem a ajuda de ninguém e arcar com qualquer consequência pelos seus atos, se alguma coisa desse errado, do que ficar sofrendo de ansiedade por conta da vontade de fazer o serviço e ficar impossibilitada de realizá-lo.

Na realidade, já há algum tempo, toda a vez que olhava para o mato do terreno vizinho, sentia àquela imensa vontade de colocar fogo e isto já estava lhe causando uma ansiedade tremenda, que mexia, intensamente, com os seus nervos. Estas reações eram do seu temperamento e, infelizmente, nada podia fazer contra isto. Na verdade, a teimosia de sua mente não tinha limites.

Assim, de forma apressada, pegou, na cozinha, uma caixa de fósforos e uma garrafa de querosene e partiu, bruscamente, para o terreno vizinho no intuito de concretizar a tão almejada queima. Arrumou, então, alguns galhos secos de mato, deixando-os bem encharcados de querosene, ateou fogo e, em poucos segundos, este já estava bastante forte e reluzente e, rapidamente, foi se alastrando pelo terreno afora.

A mulher, numa verdadeira empolgação, só veio notar que o fogaréu crescia, de forma significativa, queimando o que era seco e o que, também, estava verde, já ameaçando ultrapassar os limites do terreno e começando a por em risco as casas vizinhas, quando um homem, experiente pescador da cidade, que estava passando na rua, gritou:

- Senhora! Saia daí de perto deste fogo porque, do jeito que vai, ele vai queimar tudo. Nesta época, o fogo cresce rápido, gerando, sempre, grandes incêndios. Temos que pegar água para apagar e mais depressa possível.

Dona Coco, diante das palavras do pescador, caiu em si e notou, então, o que estava acontecendo. Logo começou a se desesperar:

- Ai!... Meu Deus! Por favor, me ajude, senhor!... Eu vou já acordar o pessoal da minha família para ajudar. Vamos pegar água, aqui na cacimba, e jogar no fogo. O senhor pode começar a fazer isto, enquanto eu vou acordar o meu marido e meus filhos para ajudarem, também – falou a mulher desesperada e partiu, numa disparada, para dentro da casa.

O homem, rapidamente, começou, com uma lata, a tirar água da cacimba e jogar no fogo já intenso, que, cada vez mais, se alastrava ao longo do terreno.

A mulher adentrou na casa e, numa tremenda aflição, começou a gritar para que todos acordassem:

- Mor! Acorda e vem me ajudar, que lá fora tudo está pegando fogo. Temos que correr, senão todas as casas vão ser incendiadas. Dayse, Keila!... Acordem, minhas filhas, para ajudar, também. Vamos... depressa!

Todos, ainda atordoados, pela forma brusca em que foram acordados, partiram em disparada para fora da casa a fim de se inteirarem do que estava acontecendo.

- O que moléstia foi isso, mulher? – interrogou o marido de dona Coco, de uma forma até certo ponto ríspida e, em seguida, continuou:

- Já entendi o que houve. Tá vendo o que dá pra quem é teimosa! Eu lhe avisei que não tinha futuro queimar mato nesta época. Temos agora é que correr, pois se não debelarmos este fogo, rapidamente, ele acabará com tudo. E nós vamos ficar arruinados, financeiramente, para indenizar as casas que forem queimadas de nossos vizinhos.

Assim, todos, imbuídos do propósito em apagar o fogo, foram enchendo, com água, as latas, os caldeirões, as bacias, as garrafas e qualquer recipiente que pudesse acumular algum líquido e despejando, ligeiramente, a maior quantidade de água possível no fogo.

Dona Coco, diante do medo do resultado que pudesse vir por conta da sua traquinagem, era a mais disposta, dado que pegava, simultaneamente, duas latas com capacidade de, aproximadamente, 5 litros, quase que, totalmente, cheia de água, para jogar no fogo, parecendo que estava, no entanto, carregando uma ínfima quantidade correspondente a 2 copos cheios de água.

Diante da iminência dos estragos que o fogo poderia trazer para todos, os membros da família, os vizinhos, as pessoas que iam passando na rua, se entregaram, de corpo e alma, na tarefa de apagar o fogo até que, depois de quase uma hora e meia de trabalho ininterrupto, conseguiram, para a alegria não só de Dona Coco, mas de todos, também, debelar, completamente, o fogo.

Assim, depois da certeza de que se tinha, definitivamente, apagado o fogo, todos os membros da família, completamente exaustos e numas fisionomias típicas de verdadeiros apagadores de fogo, sentaram-se nas cadeiras do terraço, juntamente, com alguns vizinhos, e passaram a se lamentar de já terem começado o ano com uma empreitada maldita daquela, por conta da teimosia ilimitada da mulher.

Dona Coco, por sua vez, abraçada, com o marido, era, na verdade, a mais arrasada, com a aludida situação, uma vez que, sem a sua impensada atitude, jamais tudo aquilo teria acontecido. Consciente, então, do erro que havia cometido, não parava de chorar, mas sempre prometendo ao marido e aos filhos que jamais acenderia, nem sequer, um palito de fósforo para tocar fogo em nada.

O marido, por sua vez, abraçado com ela, procurava consolá-la, apenas, dizendo:

- Meu amor! Tudo passou... fique tranquila, pois não houve nada de mais. Agora, você tem, daqui pra frente, que se controlar e não deixar se levar pela sua teimosia sem limites. Lembre-se de que várias cabeças pensam melhor do que uma só. Temos, então, que escutar sempre os conselhos que recebemos, principalmente, quando se trata do consenso por todos, uma vez que teimar, indo de encontro à opinião da maioria, poderá nos levar a tomar decisões fora da razão. Foi isto que aconteceu com você.

Roberto Vieira
Enviado por Roberto Vieira em 24/01/2017
Reeditado em 29/06/2020
Código do texto: T5891866
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