Começo do fim

Senti meu corpo no chão, sem conseguir executar nenhum movimento, escorria da minha boca um liquido concentrado, de cor forte e gosto ainda indefinido. Minha mente deu um giro de 360 graus e como em uma peça teatral apresentada para um só admirador da arte, pude-me ver a aproximadamente um ano atrás na casa da minha mãe comemorando meu aniversario de 30 anos. Todos animados de sorrisos largos e amarelos.

Pude ver o rosto de todos ali presentes, pessoas queridas, amadas, outras que nem me lembrava do nome, sem contar daqueles que nunca me disseram uma só palavra, mas estavam ali reunidos por um único motivo.

Repentinamente fui me sentindo mais jovem, e ao olhar ao meu lado pude ver um belo rapaz, que me observava atentamente e eu com o coração em pedaços descobri o que realmente as pessoas diziam sobre o amor. Era um rapaz simples, sem família, sem nada na vida a não ser seu trabalho e uma pequena casa no subúrbio, exatamente tudo aquilo que sempre reneguei tudo aquilo que sempre julguei foi o homem que me entreguei em matrimonio. Uma nova família que passou a existir, frutos que foram crescendo e com o passar do tempo enraizando no mundo e conquistando seu espaço.

Senti uma forte dor na cabeça, fiquei um pouco zonza e quando essa sensação passou pude perceber que logo mais a frente estava meu primeiro namorado, eu com mais ou menos 19 anos, ainda franzina, com ar de superioridade, um olhar destruidor e ambicioso. Carlos, garoto bonito, com um sorriso encantador, de boa aparência, de frases certas e bem ditas, vindo de uma família de tradições e boa condição financeira, era tudo que sonhara para minha vida, estar com alguém dessa classe, ter estabilidade financeira ainda jovem, conhecer o mundo, ter todos os benefícios que o dinheiro pudesse proporcionar. Foi um namoro rápido, sem limites e sem pudor, posso dizer que foi uma aventura cheia de riscos. Porém nem tudo são flores e o sonho tornou-se um pesadelo que se estendeu por anos.

Com Carlos pude descobrir que dinheiro não é tudo embora o mundo mostre o contrario, e principalmente que o respeito ao próximo deve ser levado a serio.

Apos um longo gemido de dor, me sentia fraca e com a boca amarga. Olhei fixamente para frente e Fui capaz de perceber a escola onde estudei, eu ali, com aproximadamente 15 anos, ainda com o rosto jovial, mas sem a ingenuidade que havia nessa época, na verdade acho que sempre fui uma pessoa alem do meu tempo, com pensamentos sempre à frente. Lembro-me perfeitamente que ainda nessa idade, ou com um ano a menos ou um ano a mais, minha mãe me batia quase que diariamente, isso porque minha língua nunca conseguiu ficar totalmente escondida dentro da boca, nas horas mais incertas ela aparecia e parecia mais uma

bela e afiada navalha do que uma língua descrita nos livros de biologia.

Enfim, o que quero realmente dizer é que eu não respeitava ninguém que não fosse eu mesma e meu olhar tinha uma única direção: Conseguir vencer na vida, independente do que eu precisasse fazer.

O gosto do liquido escuro e espesso foi ficando mais forte, e a dor que atingia parte considerável do meu corpo foi se alastrando. Com muito esforço pude ver uma criança correndo, cabelos negros e longos, pernas curtas e corpo cumprido, de sorriso engraçado, faltando nele um ou dois dentes, não me lembro bem da quantidade exata, mas seu sorriso era realmente muito engraçado, mas eu não tinha forças para rir daquela pequena criança. Havia nela uma inocência vista a olhos nus, talvez a única fase da minha vida que não fazia as coisas com segundas intenções. Idade boa, onde me recordo de poucas coisas, mas costumo dizer que temos mais capacidade para lembrarmos-nos de coisas ruins do que das boas. E com esse pensamento e olhos escorrendo lagrimas, a visão já embaçada, me vi pela ultima vez, ali estendida em um lugar sujo e desconhecido.

Uma ultima apresentação de um espetáculo triste, uma trama trágica para uma personagem medíocre, que fez coisas medíocres em uma vida medíocre. As cortinas se fecham e não ha aplausos, não ha criticas nem sorrisos, apenas o fim de um espetáculo criado e apresentado para um só admirador da arte.

Poliana Cristina
Enviado por Poliana Cristina em 18/05/2017
Código do texto: T6002573
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