um estranho funcionario.

em algum lugar que não sei bem dizer, Tento me expressar... um emaranhando de questões que procuro desvendar, mas isso parece levar tempo. embora tempo eu não tenha. Desconforto é o que sinto, parece ser uma pedra no sapato, mas só no meu. Me falaram para correr... não posso ficar para trás... Estou correndo, embora esteja descalço. Essa corrida ao menos alivia a dor. Ocupo meu tempo. Pensar não e bom, aumenta o desespero. As folgas ao domingo está bom, não sou pago para pensar. Sinto falta do ninho... Tudo me é estranho, mas familiar porque eu vejo. Eu vejo as cores, sinto os sabores. Parece que escolho muito, e as escolhas que faço não são muito boas. Uns dizem que é perturbação da juventude tudo o que faço... Uma certa estranheza, um avido vazio me diz que não sou daqui. Preciso voltar... mas voltar para onde? Talvez expandindo minha consciência, minha mente me apresente as respostas que eu preciso, mas ela parece mentir, e mentir todos parecem fazer também. O ninho de onde venho parece que não é para muitos. Esse lugar é esquisito. As vezes é preciso calar, não posso falar muito pela complexidade de ser quem eu sou. Pessoas de ninhos diferentes não vão entender. Não se preocupe se nada parecer muito claro agora, irei me esforçar para esclarecer no final, caro leitor. Nada é fácil quando se é estranho, entretanto um pouco de paciência é o que peço. mas tenho cumprido minha penitencia com a pouca fé que me resta, e a esperança do retorno me serve de combustível.

Sigo a minha vida no auge dos vinte e dois. Mesmo triste e sozinho, me contento em uma portaria. Aquilo faz sentido para todos, o emprego. Sou morador de uma comunidadezinha, rica em dignidade. Minha graça é miguel. Me candidatei duas vezes a vereador, com a intenção de mudar o percurso daquele cenário de esgotos a céu aberto e vidas não tão abertas assim... Conduções lotadas me levam para aquele mesmo lugar que o batente começa as sete e termina as dezenove. a única graça é silvania, uma trabalhadora do prédio, com a cara de moribunda, mas tão gente boa que a chamamos de “sangue bom”, e toda as vezes que ela era tratada assim soltava duas gaitadas, não mais que isso para não ser espreitada por um olhar de repressão por um morador do prédio a beira mar. Juízes, desembargadores e empresário compunha a lista de moradores daquele beira mar a trezentos metros da praia. Eu não era notado e também não fazia questão que fosse, porque se fosse, era despedido, porque só conseguia ser notado quando havia demora na abertura dos portões. E todas as vezes que havia reunião na empresa eles diziam, só que com outras palavras que não era para ser notado. “vocês só são parte dos muros e das grades daquele condomínio, que constituem o nosso lucro. Se forem notados, têm mais de dez mil na rua do desemprego que fazem o mesmo serviço sem ser,” dizia a gerente da terceirizada. Eu não gostava muito dali. “O cheiro do dinheiro é que faz as pessoas respirar. o trabalho, quase sempre, faz pirar,” pensava eu. Minha mãe foi funcionária do mesmo lugar que eu e sonhava que eu fosse um doutor. Foi despedida cinco anos antes por ter sido notada, enquanto comia fora do horário de almoço. Ela vivia me dizendo os exemplos que tinha visto na tv de catadores de latinha que estudando conseguiram. Incrível é que com o mesmo salário que o meu ela só conseguia comer. Mas, eu Também queria ser para fazer ela feliz, por isso me matriculei em uma faculdade de direito. Já havia quatro anos e meio que eu estava nessa... nos primeiros dias fiquei fascinado com os carrões que os professores encostavam na porta. Um império que era construído no sangue de boa parte de pessoas como eu: assalariadas e sonhadoras. Seguia todos os dias para a faculdade. As coisas começavam a fazer algum sentido... “estudando vou ser doutor, defender as causas dos que foram notados”, pensava eu. Ano passado a empresa despediu mil funcionário que foram notados. Era um esconde, esconde remunerado. Enquanto isso os dias se sucediam sem parar em meio a uma notação e outra... passaram se quatro anos e meio e as coisas estavam ocorrendo, mesmo monótona e cheia de dificuldade, como deveriam seguir. O despertador tocava as cinco e meia e por ser pontual recebia uma marretada da minha mão que parecia protestar contra aquela rotina. mas agora eu não podia parar... estava tão perto em ser igual aos professores das faculdades nos seus carrões importados. o trabalho já estava tão perto de realizar meu sonho, não só o meu mas como o da mamãe também. Mal podia esperar pela colação de grau. Minha mãe que vivia apertada ,quando trabalhava, entre os custos da minha educação e da nossa alimentação agora ia poder respirar melhor. Seguia motivado para o ônibus do seu carlos que parecia dormir engomado para estar impecavelmente passado as cinco e meia da manha. Ele levava a gente e a si mesmo pelo mesmo destino. A duas quadras, tropecei e cai de cara nos meus livros que de tão grosso, lembrava o tijolo daquele prédio. A porrada foi grande. A dor parecia ter sido de um soco de um pugilista dos pesos pesados. Um senhor que ia passando no local e viu tudo, se compadeceu pelo meu nariz que ficou tão achatado como um fucinho de cachorro. A dor era forte, mas a ideia de perder o dia de trabalho incomodava bem mais pela falta do dinheiro que seria descontado no final do mês. O senhor que se compadeceu prestou os primeiros socorros ao meu nariz, que eu nem sabia se ainda aquilo era o meu nariz por completo ou só parte dele.

- você esta bem garoto?

-sim, senhor, não foi nada. – respondi para encurtar a conversa e para tentar enganar minha cabeça que a todo tempo recebia mensagem de dor do pau da minha venta. Corri o mais rápido que pude para o trabalho, com a mão esquerda segura no nariz, que largava as vezes para descansar o ombro que doía por estar suspenso um bom tempo. Bati nos portões desesperado... mas algo estava estranho... mas estranho que o meu nariz. Olhei novamente para o meu relógio e vi que agora já eram vinte e três minutos de atraso. Bati no portão e o Eduardo não demorou para abrir, pois já tinha passado doze horas e vinte e três minutos. Estava mais ansioso para me ver do que uma gestante anseia ver o filho nascer. “porra, irmão, que merda foi essa no teu nariz?”, saiu de maneira involuntária, movido pelo espanto. "cai ali, edu, mas ta tranquilo. Pode passar o serviço." Assumi o serviço e edu partiu espantando com o que viu. Todos me olhava com uma certa estranheza durante todo aquele dia. Eu parecia ser um novato que é recepcionado com olhares temerosos e desconfiados. Quase todo o dia foi daquela maneira: muita dor, nariz torto e olhares desconfiados. Mas, quando faltava, três horas para largar um carro estranho da empresa parou na porta. Um fiat uno azul, esculhambado pelo dia a dia. Temi. Era o fiscal. Não tinha como esconder aquele nariz. Ele desceu com outro rapaz, um jovem magro que trazia consigo uma nécessaire. Não demorou muito para que ele tocasse a campainha do portão. Tratei de fechar os vidros fumês da guarita para adiar até o ultimo minuto o nosso encontro: eu, o fiscal e o meu nariz. Quando ele subia os dois últimos degraus, decidi correr e me trancar no banheiro, ficar calado até que ele decidisse ir embora era o plano. Um som que eu conhecia bem, dos portões do pedestre se arrastando por cima dos trilhos, me avisou que alguém tinha saído e que alguém tinha desempenhado minha função de abrir e fechar portões. pensei ser a silvania, zeladora, que sempre me cobria. Brechei por um buraco na porta para ver quem era. Parecia ser o jovem magro que ele tinha trazido no carro. Quando sai do banheiro, o jovem magro, estava com a cara de poucos amigos para mim e, estranhamente, parecia não ter visto meu nariz. Ele estava cego pelo meu posto de trabalho. “o fiscal deixou isso para você, Miguel. Ele disse que assim que encontrasse você era pra te entregar." Tratava-se de um envelope de cor azul com a logomarca da empresa no canto superior direito do envelope... gelei. Quando abri, mesmo trêmulo pelo medo de não saber qual era a natureza do envelope, vi que estava escrito em negrito :”Miguel, infelizmente o sindico pediu o seu desligamento da nossa empresa devido a uma deformidade no seu rosto. Como o porteiro é o cartão de visita do prédio, você não poderá trabalhar mais conosco, pois você com essa aparência foge do padrão. boa sorte!

eraldo junior
Enviado por eraldo junior em 27/06/2017
Reeditado em 27/06/2017
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