Virtual?

Eles se conheceram pela Internet: ele no Japão, ela no Brasil; ele com 36 anos, divorciado, com um filho de 11 anos a quem só via de dois em dois anos, quando vinha visitá-lo em São Paulo; ela com 40 anos, solteira, sofrida por um noivo que a deixara anos antes, indo trabalhar sabem onde? No Japão! Foi amor verdadeiro, um encontro de almas desde as primeiras "tecladas" e confirmado quando, primeiro, ela o viu pela Webcam, depois quando ele a viu. Já estavam planejando quando se encontrariam e ele já estava preocupado, pensando em como fariam com ele lá e ela aqui, já que lá ele possuía uma carreira firmada e aqui ele não teria emprego. Tudo era bonito, sonhos...Ela dormia e acordava pensando nele e quando se viam, ela viajava no sorriso que transformava os olhos do amado em "risquinhos", o que ela tanto adorava. Mas nada é perfeito, nada é para sempre neste mundo de inveja, ciúme e orgulho. A coisa começou a dar errado quando começaram a inventar histórias de traição da parte dela para ele e ele, ciumento não confesso, acreditou. Havia um amigo dela, nada íntimo, mas se achava, que andava enviando mensagens desafiadoras para o namorado dito "virtual". O pior é que esse homem, que ela conhecia pessoalmente, mentira para ela, dizendo-lhe nome e endereço falsos. O nome era pior; endereço, para quê? Ela jamais iria visitá-lo mesmo! E nunca foi. Ela nunca trocou seu amor tão distante por nenhum outro, mas ele, seu homem nipo-brasileiro, preferiu crer nas mentiras de uma outra mulher, que no fundo estava interessada no primeiro homem, naquele que dizia amar loucamente a brasileirinha louca pelos olhos nipônicos e pelo sorriso daquele homem que fazia seus dias de chuva parecerem iluminados pelo sol morno do outono, que ela tanto adorava. E esse homem tão amado a excluiu de sua vida...Antes, no entanto, de brincadeira, logo que eles começaram a fazer planos, ela fez a ele um pedido: se o romance não desse certo, eles se encontrariam dez anos depois, em uma livraria, no Centro do Rio de Janeiro, a qual ele gostava muito de freqüentar, se esta ainda existisse. Sorrindo, com aquele jeitinho que ela venerava, ele aceitou.

Dez anos de sofrimento, derrotas, algumas felicidades, mas a verdade veio à tona trazendo ao orgulhoso "japonês" um arrependimento terrível, que lhe machucava o coração e lhe doía a alma. Ele perdera um grande amor por mentiras. E fora dele a culpa! Por mais que ele quisesse culpar a Internet por sua tolice, dizendo a si mesmo que aquilo era apenas um amor virtual, sua mente já tomara consciência que, mesmo escondido por trás de uma tela de computador, o ser humano é quem toma as decisões. E ele lembrou do encontro marcado. A data estava próxima e nada havia que o impedisse de ir, a não ser sua mente que ainda teimava em querer se enganar. Mas ele foi. Viajou do Japão até o Brasil, chegou ao Rio de Janeiro um dia antes da data prevista e aproveitou para fazer um reconhecimento. Logo descobriu onde ficava a livraria, que ainda existia. No dia e hora marcados lá estava ele, bem arrumado, bonito, sem tantas marcas do tempo. Entrou na livraria, meio sem jeito e logo um vendedor veio auxiliá-lo. Ele sorriu e disse, só para disfarçar, que gostaria de ver algumas novidades de autores brasileiros e logo estava sentado em um confortável sofá analisando obras diversas que o vendedor lhe trouxera. Uma, duas, três horas se passaram e ele, desanimado, pensou como havia sido tolo. É claro que ela, depois de como ela a havia tratado, não iria. Levantou-se, pegou dois livros e foi até o caixa para pagá-los, porque gostara. Depois de pagar e sorrir gentilmente para a senhora que recebera o pagamento, virou-se para sair, mas esta o chamou de volta:

- Desculpe, senhor, vi que ficou bastante tempo analisando os livros, mas também me perguntei se não esperava alguém. Um tanto quanto envergonhado, ele contou àquela senhora sua história. Sorrindo tristemente, ela abriu uma gaveta e de lá tirou um envelope amarelado e muito bem lacrado e entregou a ele, dizendo:

- Havia uma cliente, muito simpática e sorridente, que um dia me pediu um favor singular: Eu deveria entregar este envelope a um homem, com suas características, que viesse aqui a sua procura se ela não vivesse mais.

O rosto do homem contraiu-se.

- Ela não está viva?

- Não senhor. Ela morreu há oito anos. Leucemia, sabe? Dizem que desistiu da vida, mas não acredito nem um pouco nisso! Ela não desistia fácil. Mas notei que a alegria sumiu de seu olhar de repente. Continuava uma leitora de primeira, mas seu sorriso se tornou triste.

Tremendo, com o envelope nas mãos, ele agradeceu. Perguntou se poderia sentar-se para ler a carta e a senhora assentiu. Então, ele voltou para o sofá e abriu o envelope. A única folha manuscrita ainda mantinha um perfume de erva-doce, o perfume que ela usava. Sentindo o desespero lhe carcomer a alma, ele leu:

"Querido,

Se você está lendo esta carta agora é porque não estou mais neste mundo. Uma pena porque se a está lendo é porque veio ao nosso encontro marcado.

Ah, meu amor, como sonhei estar com você todos estes anos! Como sonhei poder te mostrar o quanto o amo! Sabe, meu anjo, nunca o traí e, pode estar certo, jamais terei outro em minha vida. Mas não se culpe! A lembrança de seu sorriso mora em meu coração e ainda tenho sua foto na memória de meu computador, em meu diário pessoal, em minha própria memória. Não me arrependo um minuto sequer de tê-lo amado um dia e de amá-lo como amo até hoje. Sei que não vou viver muito e penso agora que às vezes o que queremos é errado. Se estivéssemos juntos você sofreria ao me ver tão doente. Eu não o perdi, meu querido, dei a você a liberdade de viver uma vida plena. Nada sacrifiquei, apenas te dei o aprendizado, passei a você tudo o que pude naquele curto período em que pensávamos que viveríamos juntos nesta existência. Pois bem, meu amado, uma existência seria pouco para o amor que sinto. Então, sei que o verei de novo um dia. Fique em paz, koneko. E lembre-se: a palavra 'sempre' é verdadeira. Não pense que não o perdoei. Jamais o culpei. Fique bem, cuide de você, farei o melhor que posso daqui onde estou.

Com todo o meu amor e fidelidade,

Konezumi-chan (Lembra? Você me chamava assim.) "

Lágrimas amargas desciam pelo rosto daquele homem. Como fora tolo e egoísta! Aquela era realmente a mulher de sua vida e ele, agora sabia, a perdera. Na realidade, nunca a merecera. Cheio de dor e saudade, dobrou a carta, recolocou-a no envelope e o guardou no bolso do casaco. Saiu cabisbaixo da livraria, sob o olhar penalizado da senhora do caixa. Lá fora caía uma garoa fria, mas esta não afetava aquele homem, cheio de remorso, que seguiu para seu hotel, tentando manter seu passo normal. Ele sabia que era culpado. Virtual? Não, ele havia jogado na lata de lixo o amor mais real de toda a sua vida.