O tio babão

Vi quando ele tirou as notas da carteira e com um sorriso malando entregou para ela.

A moça, na faixa dos 22 anos pegou o dinheiro retribuindo o sorriso e entregou um guardanapo para ele. Minutos depois deixamos o restaurante. Família reunida. Ele, meu tio, primos e é claro, minha tia, a esposa alheia a tudo.

Na época, eu com 19 anos, quis ouvir dele. Perguntei o motivo, a frequência.

Respondeu que sempre havia sido assim e agora quando ele já passava dos quarenta a única coisa que havia mudado é que precisava gastar um pouco mais. Sabia que mulheres jovens jamais olhariam para um "velho" como ele. Assim, dava a elas o que queriam e elas a ele. Uma troca cômoda.

E a minha tia?

Ele demonstrou uma espécie de desconforto com a pergunta, mas quando respondeu foi com ar debochado que disse que "ela não sabe ou finge não saber".

Pensei muito à época. Um homem de meia idade, casado há mais de duas décadas, filhos crescidos, com os poucos cabelos completamente grisalhos, fora de forma, prestes a se tornar avô e distribuindo notas para qualquer uma que ele julgasse atraente. Por quê?

Senti pena dele. Senti repulsa.

Primeiro porque eu era pouco mais jovem que a mulher do restaurante. Segundo, porque eu tinha pai. Terceiro, porque um dia teria um marido e pensar em algo assim dava um nó no meu estômago. Não era só pelo fato da traição física, mas pelo fato de me colocar na posição dele.

O que queria? Um pouco de reconhecimento? De poder? Se sentir atraente de alguma forma? Por já não ser jovem e nem bonito precisava de algum tipo de aprovação? Ou realmente acreditava que aquelas mulheres pudessem sentir algo por ele?

Era incômodo, ridículo e desnecessário. Um "velho babão" tentando se afirmar de uma forma decadente e tola.

Ao longo dos anos vi a repetição da situação. O cenário mudava, os personagens também, mas a peça encenada era sempre a mesma.

Barriga para dentro, peito estufado, olhadelas furtivas, mal disfarçadas, negações do flagrante, observações de que não eram importantes, nada demais, apenas uma olhadinha... Negação.

Homens e mulheres neste jogo de vaidade, luxúria e desconstrução.

Aos dezenove eu tinha uma visão mais romântica sobre relacionamentos. Não queria acreditar que em qualquer momento da vida teria que lidar com o constrangimento de ver minha cara metade com olhares (ainda que jurados serem sem qualquer importância) para qualquer outra mulher que não fosse eu.

Da mesma forma, não imaginava que, uma vez encontrado aquele que seria meu companheiro para o resto da vida, eu tivesse um olhar sequer para quem quer que seja, mesmo que fosse o homem mais atraente do planeta.

Era simples assim. Não fazia sentido a vida daquele que deixou de ser meu tio anos depois. O dinheiro gasto e as mulheres se tornaram onerosas em vários sentidos para a esposa e um dia ela resolveu partir com um cara quinze anos mais jovem que ela. Alguma coisa ela havia aprendido no casamento, afinal.

Quase dez anos depois, ele tornou a se casar. Desta vez com ex-miss de alguma cidade desconhecida do interior. Uma mulher plena de vaidade, vazia de cérebro e ávida por dinheiro. O gênio de uma megera, a bagagem de quem queria muito se dar bem na vida. De quebra, tinha vinte anos a menos que ele.

Estão juntos até hoje. Ele deixou de abrir a carteira para outras mulheres, perdeu o restante dos cabelos e ganhou mais um tanto de rugas. Ela se montou no glamour dourado de pintas de onça e unhas coloridas. Roda pela cidade com os carrões que ele a presenteia e flerta com todos, mas prefere, obviamente, os mais jovens e ricos. Não necessariamente nesta ordem.

Quanto a mim, nada mudou, ainda que tenha passado por situações onde o relacionamento simplesmente foi para o ralo por olhadelas furtivas e "inocentes", similares às do tio babão.

Não aprendi. Não aceitei que é "coisa que todo homem faz, que toda mulher pratica ou que é apenas uma besteira"...

Homens e mulheres como o tal tio, são figuras no mínimo hilárias e não há que se negar que são maioria no mundo e talvez nunca compreendam que a paixão e o amor diminuem um pouco a cada olhar "inocente" em direção contrária aos olhos de quem também vê.

Um dia acaba. Primeiro o respeito, depois o interesse e por fim, o amor. Se é que um dia existiu, porque vamos combinar... Amar alguém assim é, na verdade, uma punição.

Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 26/07/2017
Código do texto: T6065396
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