Dando uma mãozinha pro azar...

Luiza tinha doze anos quando foi violentamente tirada de casa pelos traficantes.

_Uma desgraça! Levaram a pobre... A mãe está desconsolada. Disse a mulher no portão da casa que ficava em frente à da família invadida pelos bandidos.

_Por que levaram a menina? Alguém já sabe? Perguntou a velha que havia sido abordada pela fofoqueira quando voltava das compras no supermercado da esquina.

¬_São tantas as suposições, seqüestro, comércio de órgãos, escrava branca...

_Seqüestro não foi, com certeza. Disse a velha depois de apontar para a casa mal acabada. _Eles certamente não possuem posses.

_Espero que não matem a pobre criança. Se bem que em alguns casos é preferível que morra.

_Ora, não diga bobagens. Desculpe, tenho que ir. Se souber de algo me conte. A velha não gostava desse assunto, a todo lado que ia a violência sempre imperava. Era mesmo o final dos tempos.

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Lá no morro os marginais foram recebidos com aplausos.

Levaram a garota até um barraco recém pintado de verde, com vasos de flores na janela e uma faixa escrita “Bem Vinda ao Lar”. Dentro, tudo do bom e do melhor: Móveis novos, TV a cabo, Computador de última geração, Frigobar e um quarto decorado com motivos da Barbie, com roupas de cama cor de rosa.

_Então... Gostou? Fica a vontade. Dona Mara vai cozinhar pra você, pode pedir o que der na telha. É uma cozinheira de mão cheia. Disse o rapaz que a havia roubado, como se fosse a coisa mais natural do mundo sua presença ali.

_Eu quero a minha mãe. Disse a menina em prantos.

_Não se preocupe. Em poucos dias nem vai lembrar que ela existiu. Terá uma vida de princesa. Muitas aqui na favela queriam estar no seu lugar.

_Eu quero a minha mãe moço...

_Ora, ora...Venha. Eu fiz uns brigadeiros para comemorar sua chegada. Disse uma senhora gorda vindo da cozinha. Deixe-a comigo e vá avisar o patrão.

Tinha sido escolhida para ser a nova mulher do “Capitão”, 40 anos, nascido e criado no morro, era o traficante que comandava tudo por ali. Era o cara mais perigoso do pedaço, só comparado com seu inimigo o “Coronha”, conhecido justiceiro, que vivia de serviços aqui e ali, encomendados pelos próprios traficantes ou pela polícia. Só não cobrava quando era causa contra o Capitão, tinham uma rixa antiga e sentia o maior orgulho de provocá-lo.

Capitão, num dia de tráfego intenso, passava pela Escola Olímpio Dutra e viu a menina pela primeira vez. De uniforme escolar, mochila da Barbie e fitas cor de rosa nos cabelos encaracolados. Era uma visão. Ele sempre teve uma quedinha por garotinhas. Não teve dúvidas. Ordenou que seus homens estudassem seus hábitos para que num momento oportuno fizesse o rapto. Não queria dar mole para o azar. Vai que um marmanjo resolve chegar junto, ele a queria para si.

Comprou tudo novo, queria conquistar a confiança da garota, afinal ia ser sua companheira.

Os dias foram passando e a menina sempre chorosa. Não se alimentava direito e naquela manhã veio a febre.

_Ela está muito quente patrão. Mara estava muito preocupada.

_Mas que merda! Seus incompetentes! Não conseguem acalmar uma criança?

¬_Mas chefe... Não sabemos mais o que fazer. Ela definha a cada dia. Reclama da falta da família, principalmente da mãe.

Capitão andava de um lado para o outro, até que surgiu uma idéia:

_Voltem a casa dela. Tragam seu irmão mais novo. O fedelho tem uns cinco anos. Vai ser a companhia que ela precisa. Depois que juntarmos os trapos a gente ensina o ofício para o garoto. Garanto que vai ser bem mais eficiente que essa corja que me serve.

_Mas chefe. O lugar não é seguro. E se os de farda estiverem por lá?

_É uma ordem porra! Vão logo antes que eu fure vocês de bala, seus incompetentes.

Os homens saíram correndo até o barraco do quartel general para combinar um plano. Tinham que pensar com calma.

Mais a noite, o Capitão inconformado com a demora, decide ir ao quartel general conferir com o sentinela a hora que tinham saído. Mal chegou e já sentiu que algo acontecia. Um sexto sentido dizia que não entrasse. Como sempre, não levou em consideração a suspeita e entrou de arma em punho no barraco.

Lá dentro seus homens estavam sentados, lado a lado no sofá da sala, com as cabeças decepadas. O sangue se misturava e já não se via as cores dos móveis, era uma chacina como nunca tinha visto.

_Maldição!

Saiu em disparada até o barraco onde estava a garota e lá dentro, constatou que a tinham levado.

Em cima da mesa da copa... Quatro cabeças enfileiradas.

No espelho da sala um contorno de mão feito com corretivo com o dedo médio levantado, num conhecido recado desaforado...

_Filha da puta...Ele de novo.

O justiceiro atacara. Provavelmente devolvera a garota à família. Adorava bancar o mocinho para deixá-lo com raiva.

Ainda tentou voltar ao endereço da menina, mas tinham se mudado.

_Merda! Eu te pego desgraçada! Maldita!

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Cinco anos depois...

_Patrão! Patrão!

_O que foi? Não sabe que não gosto que interrompam meu jogo?

O jogo de truco acontecia toda quinta-feira na favela.

_A televisão. Liga a televisão patrão.

_Mas ta no horário eleitoral porra. Uma ladainha só. Mesmo assim entrou na sala e ligou a TV. Viu um homem de terno preto fazendo um discurso sobre o valor da família.

Deu um pulo! Era Coronha.

_Safado! Ordinário!

Ao seu lado uma mulher com duas crianças, uma no chão aparentando uns três anos de idade e um bebe nos braços. Era a menina, Luiza, a esposa do candidato que fazia a campanha...