Kingur - Parte 3 - Gallard

Os dois seguiram juntos como duas criancinhas brincando em uma floresta encantada. Andaram tanto que os pezinhos de Sophie começavam a doer, transformou-se em um sabiá do peito amarelo e voou a frente de Karnel, que vendo a iniciativa de Sophie, transformou-se também e ambos voaram juntos até uma árvore enorme que parecia separar e guardar Kingur de algum mal.

- Onde estamos?

- Estamos na divisa de Kingur, do outro lado da Grande árvore está o reino de Gallard, lá tudo é sombrio, sem cor, sem imaginação e sem amor. Olhe, vês a escuridão e os tons de cinza?

- Vejo sim, é muito feio e triste. O que fazemos aqui?

- Temos que salvar Kingur de se tornar como Gallard.

- Mas como? Kingur parece bem, nunca será como Gallard.

- Kingur era toda a dimensão beta, quando Gallard se instalou e foi tomando pouco a pouco o território. Hoje ele já tomou mais da metade da nossa dimensão.

- Que horror, mas como podemos detê-los?

- Foi por isso que te raptei da dimensão alfa, preciso de você, só você pode nos ajudar a salvar Kingur.

- Mas como? Aqui sou tão pequena e indefesa.

- És pequena porque queres. Mas isso não importa. Só preciso de uma lágrima sua.

- Deixe disso, não quero me meter nisso, estou farta de tantas coisas, de cisnes que falam, de um tiziu que se torna em menino, veja meu cabelo?! Sai glitter dele? Veja! Estou farta, quero voltar pra casa, e fazer as coisas como a menina que era. Já pensou quanto tempo estou aqui? Nessa pintura? Nesse quadro? Sei lá o que quer dizer isso tudo.

As nuvens negras como o ébano, tão densas que parecia a escuridão da noite, se precipitaram ao olhar de Sophie e o menino, estavam inertes sobre uma névoa, ambos sentados, e os olhos deles brilhavam como safiras, ela fechou os olhos, cruzou os bracinhos e franziu os lábios, a tristeza e a trevas se aproximavam e o frio os beijou com intensidade.

Algumas gralhas negras voaram sobre os dois, um circulo macabro delas, grasnavam no ar, e riam-se, não tinha claridade, e a rara luz que vinha da lua os deixava prateados com o brilho mórbido do ser de luz.

- Sophie! Não faca isso, por favor!

- Que estou a fazer? Karnel deixe me em paz.

- Sophie, lhe peço, lhe peço, sua mente esta criando a atmosfera medonha e noturna, pense nos lírios.

- Não sou eu, estou enfurecida, não têm o direito de colocarem-me aqui, como uma mera criança, pequeninha, veja eu não aguento sequer comer um grão inteiro de arroz.

- Sophie, você esta escurecendo Kingur.

- Não! Não sou eu, o clima aqui mudou, não tenho culpa de nada.

- Se não pensares nas flores, em Rafael, na beleza das tintas, ou nas frutas, Kingur será negro como o reino de Gallard, parece que não vês? Estou aqui o tempo todo te mostrando.

- Não seja petulante Karnel, não estou fazendo nada, meus pensamentos estão apenas tristes. Deixe-me em paz.

- Pode ser que nada mais brilhe aqui.

Levantaram, o menino colocou a pequena Sophie nos ombros e ela sentiu que estava nos ombros de um gigante, o chão estava longe e o frio estava intenso. Pensou consigo mesma sem que falasse com Karnel enquanto ele andava rumo ao encontro de Rafael.

– Não vejo mais lírios, os animais sumiram, essa nevoa e a escuridão estão crescendo cada vez mais, estou no ombro de um gigante, que mais se parece um robô, ele não tem traços normais, nem sequer pisca os olhos, e para onde estamos indo? Oh! Onde estou? Quero sair imediatamente daqui.

- Chegamos, aqui esta o lago.

- Estas maluco, o lago não é negro, era anil, onde esta Rafael?

- Estás ali.

- Não, ele é um cisne branco e de luz, não um negro maltrapilho, com olhos cansados e o pescoço baixo devido sua idade. Vou até lá questionar aquele velho cisne negro.

- Não menina, o lago pode ter animais agora, e ele esta triste, não poderá conversar contigo. Não vês?

- Que tipo de animais. – Perguntou com medo.

- Serpentes, peixes carnívoros, vermes. Não sei ao certo.

- Por que ele não é atingido pelo mal em baixo das águas?

- Ele é um cisne, e é respeitado entre os demais, mesmo nessas condições.

Colocou suas mãozinhas sobre os cabelos e viu que estavam secos, não saia nada mais deles, não tinha sequer uma partícula cintilante, Sophie tinha agora os cabelos negros, toda a vida e a beleza ruiva deles, fora tonalizada pela atmosfera lúgubre. As flores do lago estavam murchas, e o menino transformara em tiziu novamente, sua real forma, as frutas não existiam mais e a solidão se instaurou no bosque de Kingur, o reino que cintilava luz e tintas, estava seco e melancólico.

Sophie não acreditava que Kingur estava sem cor e sem vida, fora em apenas alguns instantes, tudo se transformara em lúgubre falta de cor, falta de leveza, de beleza, de alegria. O tiziu olhava para ela implorando por uma mudança, mas Sophie desconhecia o real motivo da transformação horrenda que se operava a sua volta. Sentou na beira do lago outrora límpido e cristalino e agora, imundo e fétido, cruzou suas perninhas e com a mão sobre o rosto chorou.

Suas lágrimas escorriam como uma cascata e isso piorava ainda mais o ambiente, nuvens rubras se avolumavam sobre suas cabeças, relâmpagos e trovões estouravam no ar, o cheiro químico dos relâmpagos impregnava Sophie de mais tristeza e melancolia. Queria estar em casa.

Karnel, o tiziu, implorava para Sophie se controlar senão destruiria toda a dimensão beta. Começou a chover, inundando os dois e congelando-os, Sophie chorava ainda mais, por ver como tudo estava piorando. Karnel disse:

- Sophie, olhe para mim.

Ela levantou sua cabeça o olhou em seus olhos.

- O que mais gostavas em Kingur?

- Não sei, gostava quando não estava chovendo.

- Então confies em mim e pare de chorar.

A menina parou de chorar lentamente, aos poucos se acalmando, notou que a chuva ia cessando a medida que suas lágrimas secavam.

- A chuva está parando por que parei de chorar?

- Eu tinha te avisado que podias fazer qualquer coisa em Kingur, lembras?

- Sim, mas não achei que era tão sério.

- Pois é sério sim. Queres salvar Kingur agora ou ainda estás zangada comigo?

- Ainda posso salva-lo?

- Podes se realmente quiseres.

- Quero.

- Então vamos, teremos que volta até Gallard.

- Não quero voltar lá, olha o que aconteceu na ultima vez que estivemos lá.

- Não temos outra escolha. Se você controlar suas emoções estaremos bem.

Continua...

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Priscila Pereira e Folheto Nanquim
Enviado por Priscila Pereira em 13/06/2013
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