Julieta finalmente encontrou a fábrica de Papai Noel.
 
Não experimentou, todavia, emoção alguma.
A fábrica era um silencioso casebre abandonado.
Lá dentro prevalecia a bagunça e um cheiro horrível.
Julieta não viu brinquedos, não localizou os duendes do bom velhinho nem observou as rápidas hienas que aparecem nos filmes.
 
Deitado num sofá velho, ela enxergou um homem careca, pequeno, feio, segurando uma garrafa de pinga.
Com a chegada da garota, o maltrapilho despertou assustado.
_ Quem está aí?
_ Meu nome é Julieta. Viajei doze dias quase sem descanso, acabei com toda a comida a qual minha gentil tia preparou, estou morrendo de frio, enfrentei terríveis obstáculos, mas acredito que errei o endereço.
_ Você procura o Papai Noel?
_ Sim! Mas devo estar no lugar errado, não?
_ Eu sou o Noel. Não sou papai, pois nunca tive filho. Você está no lugar certo, essa é a verdadeira fábrica do Noel, que nunca foi papai.
_ Mas como pode?
_ Por que não pode, minha doce garota?
_ Não pode, no mês de novembro, tão perto da data natalina, não ter brinquedo, hiena, duende nem qualquer outro funcionário preparando a fantástica entrega que o senhor sempre faz, ou melhor, que o mundo acreditava que o senhor fazia.
_ Bobagem, menina!
_ Bobagem?
_ Claro! Você ainda não percebeu a realidade dos Natais.
_ Como assim?
_ Minha querida mocinha, todos os anos escutamos esse blá, blá, blá repetitivo, entretanto, na hora H, só quem ganha os presentes de Papai Noel são os ricos.
_ Oh! E os sonhos de Natal?
_ Os pobres costumam ter apenas pesadelos durante o ano. Às vezes pessoas caridosas, estimuladas pela forte falsidade da data, aparecem com doações que beneficiam orfanatos ou as instituições do gênero. Janeiro não vai tardar, porém, voltará tudo a ser o que sempre foi. Fome, privação, necessidade, exploração e a crueldade habitual aguardam os esquecidos da Terra.
_ Como não conseguia enxergar isso, amigo Noel?
_ A cegueira sempre acompanha as mentes ingênuas, minha querida. Gostaria de informar que o meu nome verdadeiro é Romeu.
 
Julieta, após o longo e desgastante retorno, no seu modesto quartinho, refletia sobre as tristes revelações obtidas.
Consumismo desenfreado, conversa fiada e bastante hipocrisia, eis as únicas verdades natalinas.
Pensando bem, depois que começaram a vender aves mais baratas e saborosas, no Natal nem sequer o peru é peru.
 
* Julieta adormeceu em busca de fantasias apenas possíveis sonhando, pois agora não fazia mais qualquer sentido nutrir as tolas ilusões da festa natalina.
O remédio era continuar a jornada sem os Natais, sem as bobagens da tradição e sem o Romeu pinguço que abriu os seus inocentes olhos.
 
No dia seguinte ela pretendia fechar a chaminé do humilde lar.
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 19/11/2014
Reeditado em 19/11/2014
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