Mundos espirituais

Carolina sonhava. Sonhava um sonho bom de alegria e felicidade. Coisas estranhas e bizarras faziam parte do seu sonho, mas a moça não as sentia assim. Eram simplesmente naturais. Por exemplo, no seu sonho todos os cachorros falavam. E eles se expressavam muito bem! Ela conversava com Pitty, a cadelinha que os pais haviam comprado para ela. E tinha aprendido com a filhote que nós humanos somos muito engraçados, na perspectiva dos cachorros. Trabalhamos uma semana inteira de segunda à sexta para ter um final de semana com a família e, às vezes, até trabalhamos aos sábados e domingos, para ter umas férias que só duram um mês. E durante esse tempo fazemos tudo que nos dá prazer. O resto do tempo é dedicado ao trabalho.

Os cães, ao contrário, fazem tudo que lhes dá prazer na maior parte do tempo. Proteger e guardar o dono é uma dessas coisas, claro. Mas brincar e rolar de alegria também fazem parte disso. É por essa razão que eles, cachorros, estavam sempre com disposição e felizes, ao passo que nós humanos éramos pesados e sem vida.

Havia unicórnios também no sonho de Carolina. Esses seres mitológicos que tem aspecto de cavalos e possuem um chifre na testa. Os unicórnios de Carolina podiam transpor mundos. Os mundos materiais nós conhecemos, mas os mundos espirituais nós ignoramos, como se não fizessem parte da vida, tanto quanto o mundo físico. Mas fazem e muito! A terra das fadas, dos gnomos, das ondinas, dos silfos, das salamandras, elementais que tanto circulavam pela imaginação das pessoas há muito tempo atrás e que hoje são vistos como uma infantilidade ou, no máximo, uma excentricidade.

Tais seres sobrenaturais mostravam à Carolina como se portar nas dimensões que a moça viajava. Estavam abrindo portais para Camelot, onde o rei Arthur reinava soberano desde a Idade Média até hoje. E era um rei bondoso e magnânimo no qual todos tinham um exemplo de nobreza e honradez. É verdade que sua ex-esposa, a rainha Guinevere não era muito fiel, mas isso são águas passadas. O rei vive só, mas feliz, porque tem muitos súditos bons e fiéis. E até o mago Merlin recuperou a feiticeira Morgana e vivem juntos, fazendo o bem com suas magias. Agora tudo é belo e harmonioso no Reino.

Carolina fora levada para um desses mundos espirituais, por um dos unicórnios que se afeiçoara à garota. Lá numa grande campina, onde pastavam muitos carneiros, encontrou-se com Thuliel, um elfo da Ordem dos Guardiões das Pradarias Celestiais. Sua cor azul acizentada e suas orelhas pontudas não deixavam dúvida à moça que estava falando com um ser da raça dos elfos e isso a deixava particularmente encantada com aquela criatura que se portava com fidalguia.

-- Onde nós estamos? – perguntou aturdida Carolina.

-- A leste de lugar nenhum, a oeste de algum lugar. Ao norte de nunca estive lá e ao sul de não existe.

-- Nossa Senhora! Como vim parar aqui?

-- O unicórnio te trouxe. Você não se lembra, garota?

-- Como posso voltar para casa?

-- Tantas perguntas... Aproveite a estadia aqui. É o melhor que você pode fazer no momento. - Carolina calou-se com aquela última resposta do elfo e abaixou-se na grama para sentir o cheiro do orvalho.

-- Mais adiante temos flores. Você vai gostar de ver. – disse Thuliel. Até aquele momento a moça não sabia como sabia o nome dele, mas sabia que sabia, isso ela sabia.

Uma variedade imensa de margaridas, violetas e rosas de todas as cores, formas e tamanhos descortinou-se à sua frente quando deu alguns passos no campo. Aquilo era mágico e muito real ao mesmo tempo e a garota ficou boquiaberta com a grande quantidade de sensações proporcionadas pela natureza à sua volta.

De repente uma luz muito brilhante ofuscou tanto Carolina quanto Thuliel. Uma luz que parecia chamar a moça para perto. O elfo balançou as orelhas e percebeu o que a garota sentia.

-- Quer ver o que tem do outro lado? – perguntou o ser azul-acizentado.

-- Não. Acho que não. – balançou a cabeça Carolina.

No quarto de hospital onde Carolina estava sendo mantida por aparelhos, a moça teve um leve estremecimento. Poderia passar desapercebido por muitas enfermeiras mas que foi notado pela mãe dela que logo avisou aos médicos.

-- Infelizmente, Dona Paula, isso é uma mera reação involuntária do corpo. Carolina continua em coma.

-- Mas ela se mexeu...

-- Estaremos atentos à qualquer coisa de diferente que ocorra. Não se preocupe.

No reino encantado Carolina tinha se afastado da luz e brincava com as flores, fazendo arranjos. Thuliel apenas observava em silêncio. Bonito era ver que todas aquelas flores falavam. Falavam de um modo especial com a jovem. Diziam:

-- Que bom que você nos aprecia. Tenha um feliz dia.

-- Obrigada. Para vocês também. Um lindo dia.

-- Sabe por que se dá flores nos funerais?

-- Não, não sei.

-- O mais provável é que o aroma das flores que amenizava o odor do corpo do falecido fosse a razão disso no começo dessa tradição...

-- Por que está me dizendo isso?

-- Porque talvez logo você receba flores.

-- Eu?!?

-- Sim, Carolina. Você está lutando, entre a vida e a morte. Mas tememos que essa batalha você irá perder. Olhe para a luz e a siga.

-- Não, não, não!!! – gritou Carolina, correndo pelo campo para longe das flores, para longe de Thuliel, para longe da luz, para longe de tudo.

Carolina correu tanto que aproximou-se de uma sala muito escura quase sem iluminação nenhuma. Ali chorou muito e percebeu que suas lágrimas tinham formado um rio que passava ao largo da sala mal iluminada. O rio ia desaguar num abismo ainda mais escuro até onde a garota podia ver. Não sabia precisar quanto tempo passara naquele lugar. Poderiam ser dias, mas davam a impressão de meses e até anos.

-- Você parece cansada. Está cansada? – disse um estranho que logo Carolina reconheceu como uma versão piorada do Thuliel, com orelhas muito mais pontudas, um vermelho gritante na pele e um rabo que não parava de balançar.

-- Eu estou cansada sim. – respondeu a moça parando de chorar ao ver o elfo remodelado.

-- Basta nadar no rio e você irá descansar.

-- Não. Eu não quero ir prá lá. Quero ir para a luz.

Imediatamente a realidade à sua volta mudou e a jovem estava de novo no campo. Despediu-se da cadelinha Pitty, dos unicórnios, de Thuliel -- de novo em versão elfo “normal” – e das flores. Depois disso foi direto para a luz ofuscante e desmaterializou-se em profunda paz e alegria.

No hospital, onde Carolina estava, mudanças muito significativas também aconteceram. Seus pais decidiram desligar os aparelhos que a mantinham viva por já passar de dois anos que a moça estava em estado de coma. E ninguém saberia dizer o que causou o quê: a vontade da jovem de partir para a luz sendo o alavancar dos últimos acontecimentos da sua vida no nosso plano. Ou o contrário: os acontecimentos na nossa terra material sendo o estopim para o que ocorreu nos mundos espirituais.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)
Enviado por Mauricio Duarte (Divyam Anuragi) em 31/08/2015
Código do texto: T5366250
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