Oceano Gasoso - parte 1

A enorme roda da estação espacial descrevia uma órbita geosíncrona. Geosíncrona, na verdade, era apenas força de expressão. Nem era a Terra o planeta que ela orbitava, e muito menos o período orbital correspondia à rotação do planeta. Na Terra o fato de um corpo a orbitar a cada 24 horas, coincidindo com sua rotação, fazia com que ele estivesse sempre acima do mesmo ponto sobre a superfície. Da mesma forma, para quem ficava na superfície parecia que a estação estava estática, sempre no mesmo lugar do céu. No planeta em questão, geosíncrona ela apenas um abuso de linguagem significando que o período orbital do corpo era de 24 horas terrestres, nada mais. Além disso era agradável a seus moradores permanentes que o período claro-escuro correspondesse àquele ao qual estavam acostumados no planeta de origem, a Terra. A força centrífuga daquela roda girando em torno do próprio eixo também fornecia aos seus habitantes uma falsa gravidade igualmente familiar.

Porém, além dos poucos moradores permanentes, existia uma troca incansável de ocupantes temporários. Era um posto intermediário entre o espaço exterior e o planeta lá embaixo. Parece que nunca perderemos este costume antigo de denominar "lá embaixo" a direção do centro de gravidade do corpo mais maciço das proximidades, não é? Enfim, sendo um posto intermediário, sempre havia um trafego intenso de gente indo e vindo. As naves interplanetárias de fato nunca pousavam nos planetas. Eram inclusive construídas em órbita. Sempre existiam estes postos intermediários orbitando os planetas ou satélites naturais de origem e destino.

O centro da estação, com forca centrífuga mínima, era o local mais indicado para atracarem as naves interplanetárias. Seria possível tentar atracar nas bordas da roda, principalmente se o capitão da nau fosse bastante experiente. Mas o risco de errar era grande, não valia a pela corrê-lo. Os polos norte e sul da roda eram os locais preferidos mesmo. E daquela vez não foi diferente.

Os passageiros começaram a desocupar a nave tão logo a pressão interna dos túneis de acesso foram estabilizadas. Próximos demais do centro de rotação da estação, ainda precisariam usar botas magnéticas para se manterem presos ao chão metálico. A falsa gravidade aumentaria à medida em que eles "desciam" a estação... Olha a palavra aí de novo, usada agora para descrever um sentido totalmente diferente daquele usado antes! Naquele referencial, dentro da estação, descer significava se afastar do eixo de rotação. Que vida boa deveriam levar os moradores permanentes, não é? Poderiam escolher a gravidade que quisessem, bastando para isso se dirigir ao nível adequado dentro daquela roda, com a distância do centro lhes permitindo decidir sob qual intensidade de força centrífuga gostariam de ser submetidos. Muitos brincavam nessas estações que para emagrecer você só precisava, literalmente, subir alguns degraus. Ninguém nunca havia feito um estudo mais acurado sobre isto, mas parecia claro na prática que, quanto mais "gordinho" eram os habitantes permanentes das estações espaciais circulares, maior era sua preferência em morar nos níveis superiores, mais próximos do eixo de rotação e, consequentemente, com menor gravidade artificial.

Alguns poucos vieram para ficar na estação mesmo. Estes se separavam do grupo principal e tomavam os elevadores secundários, menores, levando cada qual a seus níveis concêntricos dentro da estação. Mas a maioria tomou um dos elevadores principais, que "desciam" sem paradas em direção às bordas, onde seriam submetidos à familiar gravidade 1G. Era nestas bordas que ficavam as cápsulas de descida ao planeta, que se aproveitavam do movimento giratório para se afastarem com pouca perda de energia de seus foguetes. Esta energia seria valiosa demais na descida para ser desperdiçada!

As cápsulas eram pequenas, cada qual abrigava no máximo 10 pessoas (contando com o piloto, obviamente!). Marinheiros de primeira viagem estranhavam e se assustavam ao verem as cápsulas pela primeira vez. Havia algo muito errado com aqueles corpos esféricos, mas... o que seria? Demoravam um pouco para descobrir, até finalmente perceberem: cadê o trem de pouso? Ou uma estrutura de pernas qualquer equivalente sobre a qual a cápsula se apoiaria ao tocar o solo do planeta? Totalmente esférico, ela não rolaria ao atingir o chão? Eles não sabiam naquele momento, mas o fato puro e simples era este: a cápsula não iria realmente pousar, o que tornava tais estruturas inúteis. Bom, já chegamos lá! Cada coisa na sua vez.

Haviam incontáveis destas cápsulas de descida ao longo de toda a borda da estação. Um trem de superfície levava os passageiros destinados às cápsulas mais distantes, apesar de já tentarem fazer antes esta distribuição ao direcioná-los corretamente aos vários elevadores radiais. Mas sempre havia uma ou outra falha, um passageiro perdido no extremo oposto da estação que não ficaria contente em precisar fazer aquele percurso a pé. Para tais locações incorretas é que serviam os trens de superfície percorrendo sem parar, em ambos os sentidos, a circunferência máxima daquela estação espacial.

Vamos escolher, ao acaso, a cápsula de número 42. Tanto faz, a viagem será exatamente a mesma em qualquer outra. Não partirão simultâneas, lógico, por questões de segurança. Mas partirão com poucos minutos de diferença. Vamos acompanhar uma ruiva assustada da cápsula 42, provavelmente marinheira de primeira viagem. O rapaz ao seu lado tentava tranquilizar, além de obviamente não perder a chance de fazer um galanteio:

- Pode ficar tranquila, moça linda! Estas cápsulas de descida são o meio de transporte mais seguro do universo!

Na verdade, ele tremia tando de medo quanto ela. Também era a primeira vez que descia naquele planeta! Mas ele não poderia fazer feio, precisava mostrar coragem!

Abaixo da cápsula se abre um enorme buraco pouco maior que seu diâmetro. Certamente a passagem para uma câmara de descompressão. A cápsula começa a descer até este espaço isolado hermeticamente. Lá chegando, a passagem, agora acima, se fecha. A câmara começa a ser despressurizada. Jogavam ar para fora, para o espaço sideral? Não, meus caros! Devem saber que no espaço o ar é um elemento bem precioso! Com a câmara fechada, a cápsula começa a sugar o ar do compartimento, guardando-o pressurizado em seus tanques internos. Veremos mais à frente como este ar se tornará importante na descida.

O silêncio mortal que vai aumentando aos poucos mostra que a cápsula progressivamente ia sendo rodeada de vácuo. Antes eram claros os sons do interior da estação, atravessando as paredes de metal, se propagando pelo ar da câmara até atingir de novo o metal da cápsula e reverberar no ar de seu interior. Agora, todo som que se ouvia era aquele produzido dentro da própria cápsula. Mais nenhum ruído do exterior, rodeados de vácuo como agora estavam. O frágil túnel conectando a passagem fechada acima era insuficiente. Foi quando se abriu outra passagem, abaixo da cápsula, agora revelando o espaço exterior. Por que usaram material transparente no chão da cápsula? A visão do breu absoluto do vácuo era angustiante! Uma leve aura do horizonte do planeta abaixo deles (vejam os referenciais mudando de novo!) não ajudava muito para sanar a confusão de orientação.

- 57 segundos para nossa janela orbital, passageiros! - anunciou o capitão - Vamos nos desprender da estação em breve!

Segundos parecem horas quando estamos apreensivos. A moça ruiva não recusou a mão que o rapaz recém conhecido ofereceu para que ela segurasse, muito embora, naquela ocasião, quem mais precisava desta segurança era ele mesmo! Mas ele não poderia demonstrar isso, se é que vocês entendem.

- Dez! Nove! Oito! - a contagem regressiva era um costume antigo difícil mesmo de se abandonar, e foi por este motivo que o capitão a iniciou no momento exato - Cinco! Quatro! Três! Dois! Um! Soltar!!!!

A cápsula se desprendeu da estação, com a qual estava presa acima. E começou a cair em direção ao planeta laranja.

* continua *