Vocaloid Generation

Base da Zero-G Corporation, Inglaterra. 21 de julho de 2035.

A sala estava fria, como de costume, mas especialmente úmida naquela noite de verão. A estagiária Jane coçava o nariz a cada 10 segundos por causa daquela sua maldita rinite. Não entendia porque aquele laboratório tinha que estar sempre tão frio! Será que a mão de alguém ia cair se eles aumentassem a temperatura para 20ºC? Ela tinha certeza que não. Mas, provavelmente, a raça de cientistas daquele lugar era só teimosa como mulas mesmo!

- Jane, passe os relatórios. – pediu o autoritário Dr. O’Neil com aquele seu charmoso sotaque irlandês, tirando Jane de seus pensamentos fúteis.

- Sim. – disse ela, quase suspirando.

Jane não podia evitar se sentir atraída pelo chefe do Departamento de Tecnologia nem que quisesse. Aqueles olhos azuis e severos a encantavam, e aquelas mechas grisalhas certamente o deixavam muito sexy. Perguntava-se o que ele acharia dela. Será que a achava boba ou nova demais? Sabia que ele não tinha esposa ou filhos, pois sempre fora muito dedicado ao trabalho. Mas, mesmo assim... Será que ele teria algum interesse no amor?

- Jane, os relatórios. – os olhos azuis a encaravam.

Só então ela percebeu que tinha se perdido em pensamentos de novo.

- Ah, perdão. – desculpou-se, finalmente entregando a pasta que tinha em mãos e desviando o olhar logo em seguida, ajeitando os óculos para disfarçar um leve rubor.

O’Neill revirou os olhos, examinou os relatórios e checou os dados. Parecia que tudo estava em ordem com o Projeto Vocaloid.

Aquele Projeto tinha lhe tomado muito tempo e esforço, mas ele estava satisfeito. Tinha certeza de ter criado o melhor programa androide de todos os tempos. E ele tinha muito orgulho daquele trabalho. Pensar que há alguns anos os Vocaloids eram apenas softwares de síntese de voz e que agora eram quase pessoas reais lhe dava uma euforia inexplicável. Ele mal podia esperar para ver o sucesso que suas novas criações trariam de volta ao nome ‘Vocaloid’.

A Zero-G e a Crypton Future Media do Japão estavam trabalhando juntas há muito tempo para realizar o projeto. O’Neill lembrava-se que os primeiros programas de voz ganharam no Japão uma popularidade imensa, no início da segunda década do século XXI. A Crypton chegou até a criar personagens de estilo anime para incorporar as vozes e fazer shows com hologramas. Mas, como a tecnologia avançava rápido, logo os Singers in Box, como eram conhecidos, ficaram obsoletos. Agora era a hora de eles renascerem.

O homem caminhou até uma grande mesa, onde estavam postas enormes contêineres de aço abertos. Em cada um deles, havia uma pessoa dormindo. Atrás da mesa, códigos e programas enchiam os vários visores de computador na parede e um emaranhado de fios os ligavam às “pessoas”.

Claro, não eram humanos, e O’Neill sabia disso. Mas eram robôs tão perfeitamente construídos e de arte tão complexa que realmente pareciam ser.

O doutor sorriu com o canto dos lábios.

- Aproxime-se, Jane. O que acha deles?

Jane saiu de mais um transe em que se encontrava e se aproximou lentamente, um pouco receosa. Ela não podia dizer que não sentia certo medo das criaturas. Elas eram tão reais que parecia que a qualquer momento iriam acordar e pegá-la de surpresa. E a estagiária bobinha e atrapalhada não gostava nada, nada de sustos.

- São... Bem bonitos, senhor. – Jane engoliu em seco, tentando não olhar muito para os robôs.

- E...? – O’Neill fez um gesto para que ela continuasse.

- E assustadores.

O homem não conseguiu conter uma gargalhada.

- Ora vamos, Jane! O que eles têm de assustadores?

A estagiária tentou descontrair-se e deu uma risadinha nervosa. Ela não podia responder para o chefe aquela pergunta, ou acabaria revelando saber o segredo do Projeto Vocaloid...

Há alguns meses, Jane perguntara-se porque ninguém mais na Terra sabia do projeto desenvolvido pelas duas maiores companhias de entretenimento do mundo, a inglesa Zero-G e a japonesa Crypton. Ela achava que a popularidade e consequentemente o lucro da ideia só aumentariam para as duas se as informações do projeto fossem compartilhadas com o público. Quando perguntou sobre isso a Jesse, um rapaz que trabalhava no departamento, na área de nanotecnologia, ele respondeu que, se fosse aberto ao público, o projeto poderia ser investigado por agências de segurança secreta e que a burocracia seria maior em torno da tecnologia desenvolvida ali. Assim, com o projeto sendo mantido secretamente, os cientistas tinham mais liberdade para trabalhar.

Mas Jane, apesar de distraída, desastrada e, por muitas vezes, ingênua, não era nem um pouco burra. Se as companhias não queriam a polícia secreta internacional investigando o projeto, alguma coisa tinha de estar muito errada.

Então ela começou a notar coisas suspeitas. O Centro de Pesquisa era localizado numa ilha isolada da Grã-Bretanha, onde também atuava uma base naval britânica, ou seja, tinha ampla segurança militar. O local era monitorado 24 horas por câmeras e até o acesso a internet era restrito e monitorado. A equipe fora cuidadosamente escolhida e alertada de que não seria possível sair da ilha antes que o projeto estivesse terminado. Havia muitas áreas de acesso restrito, apenas para “pessoal autorizado” e Jane notara que essas áreas eram frequentadas apenas à noite e em sigilo quase absoluto.

Foi aí que ela decidiu se infiltrar no meio de uma dessas reuniões noturnas... E, por Deus, como ela desejava que nunca o tivesse feito.

As áreas restritas eram laboratórios muito mais especializados e que pareciam guardar outro tipo de tecnologia, muito mais avançada e complexa. As salas comportavam tubos enormes com líquidos borbulhantes e cabos acoplados a eles. Havia estudos e experimentos espalhados por todos os lados abordando células, material genético, funcionamento fisiológico e (estranhamente) comportamento humano. Todo mundo parecia muito ocupado examinando quadros, planilhas, tubos de amostras, códigos de sistemas e... Combinações cromossômicas.

Jane tentou imaginar porque aqueles estudos seriam importantes para um projeto que trabalhava com robótica, mecânica e absolutamente nada a ver com a biologia humana, mas não chegou à resposta plausível. Na verdade, sua imaginação estava começando a assustá-la, à medida que ela se dava conta do que provavelmente estava acontecendo ali.

O Projeto Vocaloid não estava criando apenas robôs de aparência humana que podiam dançar e cantar. Ele estava fabricando seres humanos de verdade.

- Bom, não há mais nada pra fazer aqui. Eles estão finalmente prontos. – O’Neill largou a pasta em cima da mesa e olhou cada um dos seus androides como se fossem seus próprios filhos. – Acho que podemos começar a desligar os cabos e fechar os contêineres.

Havia, ao todo, seis caixas de aço, cada uma com um androide dentro, deitado confortavelmente em tecido aveludado. O chefe do departamento se dirigiu à frente da primeira caixa e digitou comandos no visor digital conectado a ela. A cada bipe que a máquina fazia ao toque do homem, Jane estremecia, esperando que alguma coisa ruim acontecesse.

O primeiro vocaloid tinha a aparência de um homem de vinte e poucos anos. Ele era bonito, alto e tinha um corpo definido. Seus cabelos eram longos e de um tom de roxo que não parecia natural, de tão vivo e brilhante. Quando O’Neill terminou de digitar no visor ligado a ele, a máquina anunciou:

- Vocaloid Gakupo, desconectado.

O segundo era um rapaz de prováveis 17 anos, porte esbelto e cabelos azuis escuros; o terceiro e o quarto eram extremamente parecidos, porém um era masculino e outro, feminino. Tinham corpos de proporções um pouco infantis, visto que os dois deviam parecer ter 15 anos, no máximo, e seus traços eram delicados. Os dois tinham cabelos loiros reluzentes como raios de sol, os da menina, até os ombros e os do garoto, um pouco mais curtos. A quinta e a sexta vocaloids eram garotas belíssimas, ambas com porte de 16 anos de idade e cabelos longos que escorriam até passarem um pouco da altura do quadril. O da primeira era cor de rosa claro e o da segunda, de um intenso azul-piscina. Todos eram imaculadamente belos. De aparência humana perfeita.

À medida que O’Neill passava por eles, digitando códigos nos visores, a grande máquina atrás de si anunciava, respectivamente.

- Vocaloid Kaito, desconectado.

- Vocaloid Kagamine Len, desconectado.

- Vocaloid Kagamine Rin...

- Vocaloid Megurine Luka...

Então ele demorou-se mais um pouco no último contêiner, o que continha a menina de cabelo azul. Jane notou que os olhos do chefe brilhavam e pensou ter visto neles uma lágrima. Mas o irlandês logo se recompôs e terminou de digitar.

- Vocaloid Hatsune Miku, desconectado.

E a máquina inteira simplesmente apagou. Tudo na sala ficou levemente mais escuro, e com certeza mais sinistro.

Jane grunhiu. Não conseguia se decidir se era hora de entrar em pânico ou não. Ver aquele computador gigante - composto de vários monitores, ocupando quase a sala inteira - se apagar de repente era, de fato, aterrorizante para ela, que trabalhara somente com ele desde que chegara ali e nunca o tinha visto desligado. Era quase como ver o trabalho de uma vida inteira sumir numa tela preta.

Mas O’Neill não parecia nem um pouco preocupado, ele sabia que aquilo já estava programado para acontecer. “Destrua os dados”, ouviu uma voz sibilante na sua cabeça, “não deixe pistas, esconda os rastros. Sem provas, não há crime. Sem crime, sem culpados.”. Ele olhou para Jane e revirou os olhos diante da sua cara apavorada.

- Venha, Jane. Ajude-me a fechar os contêineres.

A estagiária aproximou-se contrariada e cautelosa. Juntos, eles levantaram as seis tampas de aço, uma por uma, fechando cada contêiner com uma tranca eletrônica. No último, ela também se demorou olhando para o rosto da garota de cabelo azul. Nesse instante, O’Neill já se dirigia para a porta da sala. Então, ele não notou quando os belos olhos castanhos de Jane se arregalaram por trás dos seus óculos de aro.

Ela percebeu, pela primeira vez, que a garota-robô respirava.

n/a: Esse conto é o prólogo de uma história maior, que está em fase de teste. Se você gostou, por favor deixe um comentário, é muito importante para mim saber a sua opinião.

Os Vocaloids realmente existem! Gostaria de saber mais? http://pt.wikipedia.org/wiki/Vocaloid

Ingrid Flores
Enviado por Ingrid Flores em 04/07/2014
Reeditado em 16/07/2014
Código do texto: T4869815
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