Pena suspensa
Estava de pé, no meio de uma imensa planície vazia: terra seca, marrom, rachada. Sobre sua cabeça, o céu estava negro; uma única estrela, imensamente brilhante, luzia bem alto no firmamento. E então o vento começou. Não, não era somente um vento. Era um tufão! Em desespero, olhou ao seu redor, mas não havia onde pudesse se esconder. Sentiu que seus pés deixavam o solo, o vestido drapejando ao redor do seu corpo como uma bandeira. Para o alto, em meio a nuvens de poeira que a sufocavam. Tentou gritar por socorro, mas o pó entrou em sua boca, fazendo com que se calasse. Para o alto, rodopiando como uma boneca de trapos!
E então parou, muito acima da terra, girando como um pião de pé, ao redor de si mesma. E então veio a voz, terrível, vinda de todas as direções em cascatas sobre ela:
- Você falhou! Você será destruída!
A voz era puro ódio. Sentiu que a qualquer momento seu corpo seria arremessado com toda a força contra o chão lá embaixo. O fim. Que fosse rápido, pensou.
Foi então que ouviu a Outra Voz. Era um homem, e falava num tom tranquilo, mas que parecia não admitir réplica.
- O que espera conseguir com isso? Não vê que ela está aterrorizada?
- Ela falhou! - Urrou o Tufão. - E será destruída!
- Engula esse ódio - retrucou a Outra Voz. - Precisaremos dela. Ainda há outro.
- Outro?! - O ódio na cascata sonora que era o Tufão foi substituído por surpresa.
- Sim, ainda temos uma última esperança. - Disse a Outra Voz. - Você me ouve, Amanda?
- Eu... eu ouço... - gaguejou ela, sem parar de girar como um pião. O ar ao seu redor pelo menos estava isento de pó e até conseguia respirar melhor. Só não se atrevia a abrir os olhos, temia ver o quão alto estava.
- Vamos lhe dar uma última chance - disse a Outra Voz. E para o Tufão:
- Coloque-a de volta no chão... devagar.
- Quem é você? - Conseguiu murmurar Amanda.
- Num certo sentido, eu sou seu pai - retrucou a Outra Voz.
* * *
A operadora do turno do dia arregalou os olhos ao entrar na sala de Amanda.
- Nossa! Você está com uma aparência horrível!
Amanda ergueu os olhos cansados de um relatório impresso em suas mãos.
- Passei uma base para disfarçar as olheiras, mas ainda dá pra notar, não é mesmo?
- Sim, você está com cara de quem chorou a noite inteira!
- Quase isso - disse Amanda, pousando o relatório ao lado do teclado do computador. - Tive um pesadelo medonho, parecia que não ia conseguir acordar nunca mais...
- Desculpe, Amanda, mas não esqueceu da programação para hoje, não é? - A técnica parecia embaraçada.
Amanda lançou um olhar vago para a agenda fechada sobre a escrivaninha.
- Não, não lembro... nem abri a agenda.
- Você ia entrevistar o estagiário, lembra?
Amanda levou as mãos ao rosto.
- Deusas! Eu não quero ver ninguém!
Tarde demais. Ouviram-se duas batidas na porta e em seguida um rapazola magro colocou meio corpo para dentro da sala.
- Estou atrasado? - Perguntou timidamente.
[15-07-2014]