Petit comité

O marechal Aksakov terminou de ler o relatório, ajeitou os óculos no nariz, e disparou:

- Isso é catastrófico!

Os outros cinco membros presentes do comitê, sentados ao redor de uma mesa redonda, assentiram com maior ou menor ênfase ao comentário do velho marechal.

- E pensar que demos um passo nessa direção, quando aprovamos a inclusão da função calculadora nos novos radiotelefones! Professor Matsushita?

Matsushita, um japonês de meia idade, ergueu ambos os sobrolhos, como que incomodado por ter sido posto na berlinda.

- Marechal, compreendo a sua indignação, - defendeu-se Matsushita. - mas a função citada foi um desenvolvimento lógico da capacidade instalada nos equipamentos atuais; tratou-se apenas de uma atualização incremental. O cenário traçado pelo presente relatório refere-se à uma alteração exponencial na forma como lidamos com aparelhos portáteis como radiotelefones. Esta... mudança de paradigma... poderia resultar no cenário perturbador ora exposto.

- Concordo com o professor Matsushita - acedeu Mark Bergson, representante sênior do Conselho Mundial. - A inclusão da função calculadora foi aprovada após dez anos de exaustivas simulações utilizando a melhor tecnologia existente.

- Tecnologia tagoriana - grunhiu o marechal.

- É a melhor existente no campo da predição tecnológica - disse Bergson, sem se alterar.

- E foi declarada absolutamente inofensiva - finalizou Matsushita.

- E os senhores, o que têm a dizer? - Indagou Aksakov, voltando-se para os outros três membros da reunião, até então silenciosos. Um deles, Enrique Riveros, do Comitê de Contatos, olhou para Matsushita antes de responder:

- Em linhas gerais, concordo com o professor Matsushita. Estamos indo na direção certa, com toda a cautela necessária. Dito isto, é fato que algo precisa ser feito. E quando digo "algo", quero dizer "o de sempre".

Aksakov balançou a cabeça, em concordância. Ao lado de Riveros, Harry Mitchell, um sociólogo negro norte-americano, manifestou-se:

- Estou de acordo com o que disseram os demais sobre o impacto da função calculadora. Mas discordo do doutor Riveros sobre "o de sempre". Nesse caso, "o de sempre" não é o mais adequado.

- E poderia declinar o porquê? - Indagou Riveros.

- Ouso dizer que nenhum de vocês conhece a realidade dos velhos Estados Unidos da América - disse calmamente Mitchell. - Há todo tipo de gente excêntrica lá, inclusive as que defendem a "livre empresa" e acreditam que o "mercado" deve definir as necessidades das pessoas, inclusive aquelas necessidades que elas ainda não sabem que têm.

- Baboseiras capitalistas - resmungou ao seu lado o progressor Yablonsky.

- Certamente - acedeu Mitchell. - Mas tem o seu apelo para certa parte da América Profunda. Eles ainda acreditam que viveriam melhor se a velha potência imperialista ainda existisse.

- Eu fico me perguntando porque temos que nos preocupar com o que pensa ou sente a "América Profunda" - ironizou Riveros.

- Serve o fato de que não somos como eles? - Atalhou secamente Bergson.

- Enfim, - prosseguiu tranquilamente Mitchell - sempre podemos isolar e deportar os líderes "mudancistas" para planetas tão distantes que terão que reinventar o voo espacial para voltar à Terra. A solução "de sempre". Ou...

- Ou? - Incentivou-o Aksakov.

- Ou lhes damos o que querem. O conteúdo do relatório... - disse Mitchell.

- Você enlouqueceu? - Riveros parecia atônito.

- Sob forma de ficção - atalhou Mitchell. - Talvez numa série de TV, onde seja mostrado o mundo tal e qual previsto no relatório.

Os demais presentes entreolharam-se.

- Um mundo regido pela "livre empresa", por princípios estritamente capitalistas? - Indagou Yablonsky.

- Que tal lhes parece? - Perguntou o marechal.

- Interessante - animou-se Bergson. - Acho que tenho até um título para a tal série: "Admirável Mundo Novo".

- Houve um livro com esse título no século XX... Huxley, creio - disse Mitchell.

Bergson sorriu:

- Ah, mas ESSE "Mundo Novo" do relatório é muito melhor do que o original!

[16-08-2014]