Primeiro contato

2 de novembro de 2001

Estava ansioso para meu aniversario. Já havia enchido varias bexigas azuis e brancas e as deixado guardadas dentro do quarto, para que não estourassem até o dia seguinte. Minha mãe preparava o bolo. Ela gosta de preparar tudo no dia anterior à festa.

Fui ao banheiro lavar as mãos, pois havia lambido a massa de bolo com os dedos. Fiquei na ponta dos pés para conseguir ver meu reflexo no espelho. Já era noite e todas as luzes da casa estavam acesas. A luz do banheiro apagou, mas eu estava longe do interruptor. Pulei de susto, mas não gritei. Nessa época eu ainda não tinha medo... Mas quando a luz acendeu novamente, instantes depois, eu compreendi pela primeira vez que nunca mais teria uma vida tranquila. Senti minha inocência evaporando e dormir sozinho nunca mais seria empolgante e aventureiro. Levantei os olhos para o espelho e vi o reflexo dele atrás de mim, alto e estranhamente humano, mas subitamente estava sozinho mais uma vez. Corri para a cozinha, as pernas pesadas como chumbo. Me lembro como se fosse ontem a sensação de desespero que senti. Não conseguia chorar e ou falar, estava em choque.

Minha mãe olhou para mim e vi seus olhos interrogativos. Ela não entendia o que havia acontecido, mas percebera que eu estava em tremendo pânico.

Foi ao meu encontro e perguntou o que havia acontecido.

Eu apenas olhava em seus olhos. Não consegui abraça-la e me confortar em seus braços sempre ternos.

Ela alisou meu braço esquerdo e senti um leve ardor. Estava com uma marca avermelhada logo abaixo do ombro, mas ela não notou. Ela perguntou novamente o que havia acontecido. Perguntou se eu havia caído, mas eu não havia me machucado. Eu havia sido marcado.

Ela me levou até meu quarto, repleto de bexigas coloridas e miniaturas de dinossauros, e aconselhou que eu descansasse. Disse que amanhã seria um dia feliz, que eu faria oito anos e meu pai viria me visitar e trazer um presente legal pra mim. Eu sabia que ele não viria. Ele nunca veio nos meus aniversários.

Deitei e finalmente comecei a chorar, mas mantive-me em silencio para que ela não percebesse.

Dormi tão rapidamente que não lembro de ter pensado no ocorrido. Definitivamente apaguei, cansado como se tivesse corrido uma maratona. Acordei com o travesseiro manchado de sangue nasal. Tentei reprisar a noite anterior, mas tudo parecia um sonho. Não me lembro exatamente o que aconteceu comigo naquele banheiro, ou quem era aquele que vi no reflexo do espelho, mas esse foi o primeiro contato que tive com eles e, depois desse dia, nunca mais fiquei sozinho.

Fernanda Oz
Enviado por Fernanda Oz em 24/08/2014
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