A Máquina no Céu

Quando o satélite caiu, e milhares de pessoas ficaram quase sem informação sobre a causa, milhões não se importaram com o que estava, de fato, acontecendo.

Suas vidas continuaram no mesmo ritmo de sempre. A única diferença? Agora eles paravam para ver TV ou escutar algum maluco falando sobre o que o satélite, ou melhor, a queda, podia representar. De fato, o que a queda de um satélite em uma região congelada na Europa poderia significar a uma população de sete bilhões de pessoas?

A resposta veio quase seis meses depois quando, ainda procurando por partes perdidas do "brinquedo" espacial, cientistas encontraram o que, segundo ufólogos no mundo inteiro, incluindo o Dr. Hammingbird, o principal teólogo da conspiração quando o assunto são aliens, era o primeiro corpo do que ficou conhecido como "Alfie", em homenagem a um personagem homônimo.

A partir daí, o mundo pipocou, principalmente fóruns na internet e na deep web, com histórias sobre "pequenas homens verdes do espaço, que mais pareciam os anões que minha tia tem no jardim da frente". Outros iam ainda mais longe, afirmando que esses "aliens" estavam fazendo trocas com humanos no mercado negro, mais preferivelmente o asiático. Alegavam que eles buscavam partes do corpo humano, como fígado e coração, além de ossos, cérebro e pele.

Quase um ano depois da queda, uma reunião entre a Organização das Nações Unidas e a Organização Mundial da Saúde aconteceu. Os jornais noticiaram, na época, que alguns presidentes estavam assustados com o que fora encontrado, ainda mais por não terem muitas informações sobre o que poderia ser.

Duas semanas após a cúpula, o presidente dos Estados Unidos, numa coletiva de imprensa diante da Casa Branca, disse que, tanto a CIA quanto o Pentágono, "estão trabalhando com o seu efetivo máximo para encontrar as respostas que o povo americano e seus vizinhos precisam para ficar em paz e voltar a dormir como antes". Quatro meses depois a Casa Branca foi bombardeada pelos próprios pilotos da Força Aérea Americana.

Um ano e meio depois da queda do satélite, metade do mundo estava mergulhado em trevas. Sangue manchava as ruas do Rio de Janeiro, no Brasil; o Reino Unido jazia num vazio de poder, quase sem alimento e sem armas. A Rússia estava a beira de uma nova revolução, enquanto na Alemanha se instalava um governo opressor chamado de Frente de Libertação do Povo.

Pela primeira vez em anos, apenas com o medo coletivo causado pelo satélite caído e pelas "informações" sobre os "inimigos" da humanidade, as Coréias juntaram-se com a China, o Japão e Cingapura, formando o Cinturão Asiático, a principal (e única) defesa da Ásia.

Da África pouco se sabia. Um blog local falava sobre uma praga que vinha do interior da Nigéria e logo pulou para Serra Leoa e para a Angola. Numa atualização seguinte, três dias depois, o relato mais assombroso - e também o último: uma enorme sombra pairava sobre a cidade, obscurecendo o céu como se fosse "um terrível prenuncio do apocalipse". Pessoas acabaram por se matar, uma guerra civil ainda pior que a brasileira se seguiu. E o blog não pôde mais ser acessado depois disso.

A guerra no Rio estava fazendo cada vez mais vítimas. A presidente do país, Maria, convocou todo o Exército Brasileiro para a capital, Brasília, e a partir de lá, uma operação seria montada para acabar com a guerra civil. Resultado: 12 horas antes do início da operação, Brasília foi varrida do mapa por uma série de "explosões que vieram do céu, como relâmpagos, como se fosse a vontade do Pai manifestada ali".

Não havia explicação lógica para o ataque, então, os esquerdistas foram considerados culpados pelo que aconteceu. Hordas de religiosos diziam que desde que a sombra caiu sobre a África, os "demônios" caminhavam como reis pela terra, tirando vidas, destruindo os poderes humanos, como Washington e Brasília.

Exatos um ano e sete meses desde o começo do "pânico", por falta de uma palavra melhor, a humanidade se mobilizava de uma forma melhor. Aviões de reconhecimento, drones, e qualquer coisa que pudesse usar câmeras e que pudesse voar foram enviados à Botsuana, na África. As imagens trazidas por essas câmeras assustou ainda mais o mundo já caótico.

Uma coisa de metal gigante estava sobre a pequena cidade de Ramotswa, projetando uma sombra aterradora. Pela primeira vez houve um medo real, pois agora viam um inimigo, não mais um ser que se escondia em cada sombra, no rosto de cada pessoa. Agora, os aliens realmente estavam entre nós...

Quatro anos depois da queda, Área Segura - Zona 002B

A noite chegara acompanhada do frio. O céu, claro durante todo o dia, agora estava acinzentado, num tom pesado de chumbo, parecendo preparado para derramar o mesmo dilúvio de Noé. As lojas estavam abertas, uma senhora de idade avançada e aparentemente chinesa estava reclamando - ou conversando - em seu idioma estranho e enrolado.

Um homem calvo, alto e de pele manchada com pequenas pintas estava devorando um cachorro quente. A mostarda estava escorrendo pelo seu queixo quadrado, caindo sobre seu sobretudo poeirento e manchado de branco. Ele mastigava enquanto olhava para as pessoas caminhando, talvez pensando no que lhe acontecera durante a Era do Grande Pânico, ou como sua vida era antes e como poderia estar diferente agora caso tudo isso não tivesse acontecido.

Do outro lado da rua, num parque mau cuidado e cheio de lixo entulhado, uma mulher segurava um cartaz, feito de papelão sujo e amassado, com "O fim será essa noite!". Ela falava com as pessoas que passavam diante dela, tocava em algumas, mas era empurrada, jogada ao chão, cuspida, xingada. Aquilo era justificado como "medo de doenças".

As luzes nos postes estavam bastante fortes, banhando a rua com um brilho incrível. Por incrível que pareça mesmo o mundo tendo entrado em caos, ainda havia energia elétrica, mas a internet não tivera a mesma sorte. Não se sabe explicar como isso aconteceu, a única coisa que sabiam era que tudo estava diferente.

Enquanto as multidões caminhavam de um lado ao outro, as luzes se apagaram. O silêncio imperou na Área Segura. O homem que comia o hot dog e pensava na sua vida antes o deixou cair quando o primeiro barulho rasgou o céu como uma espada que corta cebo. Os olhos das pessoas se voltaram para o alto quando uma sombra surgiu por sobre os arranha-céus, com enormes feixes de luz.

- Eles chegaram! - O homem ouviu o vendedor de cachorro quente dizer, num suspiro, como se esperasse que aquilo acontecesse há anos. - O que será de nós?

Então as luzes voltaram... e o pânico instaurou-se. Quando viram a enorme máquina de metal no céu, cobrindo toda a Zona 002B, tudo o que temiam estava acontecendo, todos os pesadelos de uma vida (meio exagerado?) estavam sendo consumados.

E houve a primeira explosão. Dois edifícios enormes estavam caindo, ao norte, mergulhados numa enorme explosão azulada, com destroços e gritos de medo, dor e desespero. O cara do hot dog ainda estava parado, sem reação alguma, apenas vendo o monólito de metal pairando sobre sua cabeça.

Na segunda explosão, quando mais prédios começaram a explodir e desaparecer da paisagem, foi que Tate começou a se movimentar. Correu seguindo a multidão para o lado contrário às explosões. A mulher que segurava o cartaz estava rindo histericamente. Louca, Tate a chamou.

Ele já havia passado por uma coisa parecida, diziam dentro da Força. Não havia sido contra os alienígenas e sim contra humanas na guerra, mas não havia muita diferença. No fim tanto os exterrestres quanto os humanos eram extremamente iguais: ambos eram gananciosos, movidos por uma ambição sem tamanho, prontos para acabar com o que estivesse no caminho. Sempre foi assim, e isso se perpetuaria enquanto a humanidade vivesse.

Uma multidão gritante, mergulhada no medo e no desespero, corria, procurando segurança, passando por cima uns dos outros para conseguir. Era um empurra-empurra, gritos de xingamento. Naquele momento o homem só estava sendo o homem. Um animal carnicento, preocupado apenas consigo mesmo, com o seu próprio nariz. Eles não compreendem que o melhor seria agirem em conjunto, como a "sociedade" que dizem ser?

Tate entrou num beco, vendo toda a gente correr. Sabia o que era o desespero, o medo da morte. Sabia o que era aquilo que estava acontecendo, o misto de sentimento que passavam por aquelas cabeças. Havia o medo, o ódio, a dor. Até o amor era um motivacional para que eles continuassem correndo. Mas, no fim, o medo era o real combustível humano.

Aquele medo que quase palpável no ar, mais poderoso do que o amor ou outro sentimento jamais foi. Um sentimento genuíno, poderoso, capaz de fazer montanhas serem varridas como areia, capaz de juntar e separar o homem. No fim, o meio que ainda mantém o homem como ser dominante na Terra.

Escondido no beco, com o coração palpitando e com a mente lhe metralhando com ideias sobre o medo e os sentimentos, Tate viu uma mulher cair na rua. As pessoas passavam ao redor, parecendo não vê-la, como se a pobre fosse invisível. Nem mesmo com os gritos que ela dava, implorando ajuda, eles olhavam para ela.

O chão embaixo dos seus pés tremeram violentamente. Viu no rosto da mulher um desespero palpável, um medo que ao mesmo tempo em que era encorajador era debilitante. Às vezes o segundo mais do que o primeiro. Ela tentou se levantar, mas foi jogada ao chão quando um segundo tremor aconteceu.

Olhando para a 'espaçonave' dos inimigos, o homem calvo viu explosões surgirem. O céu, antes cor de chumbo, agora estava com uma gigantesca máquina de metal manchada com o laranja das explosões, o negro da fumaça. Ela estava movendo-se pelo alto.

A Força agora estava nas ruas, com tanques blindados e enormes, com policiais fortemente armados. Os gritos do povo ainda davam para serem ouvidos, mesmo, aparentemente, estando longe dali.

Um helicóptero passou, barulhento, sobre a cabeça de Tate. Logo em seguida outros surgiram, cortando os gritos com o barulho de suas pás rodando. A mulher agora estava no medo debilitante, parada como uma estúpida, olhando para o que havia sobre si. Morte, talvez Tate diria para a mulher. É isso que essa coisa significa, diria.

Pensou em ir até ela, tirá-la de onde estava. O terceiro tremor foi tão arrebatador que lançou Tate ao chão. Enquanto levantava, o grito da mulher irrompeu o pouco silêncio da rua. Um tanque da Força passara por cima do braço esquerdo da mulher, transformando-o em farrapos, fiapos de pele sangrenta e ossos estilhaçados, parecendo algum tipo bizarro de culinária.

Ela gritava, sangue saindo do que sobrara do braço. Tentava levantar-se, mas a dor parecia ser tanta e tão aguda que o movimento parecia capaz de enfiar milhões de facas, agulhas, espadas, o que quer que se escolhesse para infligir a dor naquela pobre alma. Tate mal conseguia olhar para aquele rosto retorcido de dor, ouvir aqueles berros animalescos e profundamente salpicados com uma porção generosa de desespero.

Uma explosão tirou os olhos de Tate da mulher. O monólito de metal estava sendo forte e desesperadamente bombardeado pela Força. Tanques, homens - tanto no chão como no alto dos arranha-céus - e helicópteros soltavam tudo o que possuíam de explosivo naquela coisa. E às vezes parecia dar certo, outras...

Um helicóptero foi explodido no ar, feito uma bola de fogo vermelha, transformando a outrora arma de ataque num monte de metal fumegante e fumacento caído no meio da Rua Segunda na Zona 001B. Uma imagem que podia definir perfeitamente o mundo caótico ali existente. Toda aquela série de explosões e gritos poderia estar num filme de Michael Bay se tudo isso fosse um filme hollywoodiano.

Um carro surgiu na rua, banhando as paredes com um vermelho e azul penetrantes. A ambulância parou perto da mulher, dois homens saíram, a pegaram e colocaram numa maca. Colocaram-na no carro e sumiram.

Os tanques disparavam ferozmente no inimigo, enquanto metralhadoras e lança-granadas cuspiam metal quente. A espaçonave já estava começando a se destruir. Fumaça saía de alguns buracos no casco (se pode ser chamada assim).

Tate saiu do beco onde entrara. Olhando as explosões, o homem de queixo quadrado ficou bestificado. Eram lindas, uma mais do que a anterior. Talvez aquilo fossem devaneios de um homem à beira da morte, tendo ilusões sobre beleza. O medo faz isso, sempre pensou Tate.

Mais uma série de bombardeios, e o céu parecia ter arrancado o sol de sua toca e o feito começar a trabalhar mais cedo do que ele está acostumado. Tate continuava parado. Quando estava numa situação de perigo sempre parava de forma adrupta, sem conseguir se mexer ou pensar de forma clara o bastante.

Um prédio caiu no quarteirão atrás do homem parado na rua. A poeira das detritos do prédio veio em direção às costas de Tate. Pedaços de concreto estavam voando, entrando em outras casas através do vidros, das portas, ou mesmo pelas próprias paredes. Outro prédio, em seguida ainda outro. E mais um em outro lugar, e gritos, e gritos, e medo e desespero.

Quando um tanque explodiu e um pedaço fumegante de metal atingiu Tate na canela, quebrando-a, foi que o homem deu por si. Sentiu a terrível e aguda agonia que começava na sua perna, no osso quebrado e exposto, e subia por todo o seu corpo, deixando-o mudo, sem reação além de ficar caído.

Pedaços da coisa acima da cidade começaram a despencar do céu laranja. Chocavam-se contra prédios, contra os veículos e contra os tanques e homens. Um tanque explodiu quando um pedaço maior do que uma van o atingiu em cheio. Os homens pareciam comemorar aquele momento de vitória, afinal, o homem estava se mostrando melhor do que qualquer ser no Universo, mostrando que eles são soberanos, os conquistadores não os conquistados.

A enorme nave estava começando a despencar do céu. Tocando nos arranha-céus enquanto caia, a nave alien os derrubava como se fossem castelos de areia feitos numa praia, ou castelos de cartas. Os homens que estavam no topo dos prédios gritavam, dois deles saltaram do alto.

No chão, caído no meio da rua, Tate arrastou-se como um animal machucado. Estava amedrontado, mas ao mesmo tempo corajoso. Sua natureza o fazia ficar parado, enquanto o seu lado sobrevivente o queria de pé, fugindo, se escondendo da ameaça.

Um helicóptero caiu ali perto, derrubando um poste. Prédios caiam enquanto a monstruosa massa metálica extraterrestre deixava vago o seu lugar no céu. Diante de Tate aquela coisa vinha diretamente contra o seu corpo...

 

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Bruno Sheen
Enviado por Bruno Sheen em 12/10/2014
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