Mais um dia na repartição.

Era o zênite do sol branco, mesmo assim estava quente, pois o amarelo despontava à oeste. Eu estava cansado demais, depois de mais um dia de reuniões e treinamento dos novatos, tudo o que eu mais queria era um trago e assistir ao jogos da Confederação. E, é claro, minha aposentadoria. Caminhei o mais rápido que o traje permitia e avistando o bar, estranhei a placa nova que dizia apenas - sob nova direção.

Eu ainda esperava encontrar o Micchel, ao menos para explicar a história. Por mais mal-humorado que fosse, ele era leal, já havia passado informações importantes e acima disso sabia preparar um drink como os da Velha Terra.

Abri a porta e quase tudo estava do mesmo jeito, mas Micchel não estava lá. Em seu lugar estava uma mestiça, contudo ela possuía fortes traços humanos, apesar de sua pele alviceleste não negar sua descendência cliforniana.

- Onde está o Micchel? Perguntei em direção a ela, enquanto me ajeitava na cadeira próxima ao balcão.

- Não sei quem é esse,fui contratada para assumir o lugar e se eu fosse você não fazia perguntas demais. O que vai querer? Disse ela, enquanto apertava o pescoço com dois de seus três longos dedos, talvez para que som parecesse mais natural.

- Moon rock, sem cristal. Disse, tentando decifrar se aquilo era um aviso ou apenas um sinal de que ela não estava para conversa.

Mas o instinto já estava aguçado, apesar dos reflexos estarem um pouco lentos. Olhando em volta, vi algumas caras desconhecidas, chequei a tela de pulso, tentando parecer distraído, afinal o que eu menos queria era a atenção de todos os ilegais daquele lugar.

Porém Micchel não saía do meu pensamento, seria queima de arquivo? Teria ele fugido de algum ilegal? Onde estaria sua família? Os anos de investigação me ensinaram que por mais que histórias pareçam profundas, suas causas, muitas vezes, estão na superfícies. Então, tentei buscar ali alguma pista, para aquele desaparecimento sem qualquer indicação ou mensagem.

Na mesa do canto esquerdo, três Wollers me encaravam, nem sequer disfarçavam que estavam ali mas não era para beber, já que em sua mesa não havia sequer um copo e seu olhar era de raiva.

Voltei a olhar para frente e fiquei na minha, contudo a mão direita deslizou sobre a coxa e ficou ao lado do coldre. Pensei que Micchel já estava fazendo falta, a essa altura ele já teria me avisado se eu deveria me preocupar com os Wollers.

Enfim meu drink chegou, a mestiça colocou o copo na minha frente e esboçou um sorriso enigmático.

-Aproveite enquanto durar, ela disse.

Por um lapso de tempo, enquanto pensava no sorriso dela e no que ela queria dizer com a sua frase, não me deu conta que dois Wollers vinham em minha direção. Eles já estavam atrás de mim, antes mesmo que eu pudesse encostar em minha arma.

-Já faz treze quartz que esperamos nosso drink. Disse com o sotaque arrastado da sua voz gutural em direção à mestiça. - Enquanto ele acabou de chegar e já está bebendo.

-Desculpe, sou nova aqui, já vou levar sua bebida. A mestiça falou de maneira esgarçada, esqueceu de colocar os dedos no pescoço, e abaixando a cabeça fez uma reverência.

Os Wollers resmungaram qualquer coisa entre eles e voltaram para a mesa. Foi então que lembrei de respirar. E antes de levar as bebidas para a mesa deles, ela virou-se para mim e perguntou:

-Qual o seu nome?

-Dantes, respondi.

Então isso é para você. Era um cartão-postal do cruzeiro solar vitalício: "Enfim, aposentei! Não nos veremos mais. Aprenda a viver e tenha um boa vida" Micchel.

Esdra Souza
Enviado por Esdra Souza em 22/10/2014
Reeditado em 04/11/2014
Código do texto: T5008193
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