Circuitos

“Qual o animal que de manhã anda com quatro pernas, de tarde com duas e de noite com três?”

Revia novamente o áudio da mensagem, e como em todas as outras vezes, nenhum dado novo fora gerado.

Já fazia muito tempo que seu circuito adaptável revia esta mensagem tão... indecifrável.

A informação provinha de um mamífero dominante, e, apenas por esta característica, fora armazenada em uma seção especialmente designada de sua memória. Os chamados “dados coletados” não possuíam nenhuma aplicação imediata para a sua unidade, e por este motivo deviam ser descarregados e armazenados em uma estação, porém em seu atual estado de integridade – o qual não permitia locomoção – seu programa, em uma tentativa de encontrar uma solução para sua atual situação, fora forçado a desenvolver uma rotina adaptada para analisar os tais “dados coletados”...

... porém mesmo depois de tantas análises de todos os dados daquela unidade; mesmo depois de redirecionar grande parte de sua capacidade processual para aquela tarefa (Afinal, qual seria o problema em deixar de realizar análises de equilíbrio e locomoção quando não possuía mais pernas?); mesmo depois de rever incessantemente a mensagem do mamífero em conjunto ou não com a danificada seção de dados que mostrava o animal envergado encarando seus visores de muito perto com os músculos frontais do rosto flexionados a mostrar os dentes (curiosamente apenas de um lado do rosto ); mesmo depois de tantos ciclos...

... a pergunta permanecia indecifrável.

Era uma pergunta, então deveria haver uma resposta. Qual seria a solução? Que tipo de animal teria tais características? Sua unidade não era especializada em análises, porém o fato de, mesmo não precisando, não possuir uma resposta era... inquietante.

O mamífero e sua unidade haviam acabado de sair de um confronto, e em vez de desativá-lo, o vencedor lhe passara a tal mensagem... e ficou esperando, possivelmente por uma resposta... que nunca veio.

Isso fora a quatro mil e setenta e um dias, três horas, trinta e quatro minutos e treze segundos.

E em todo este tempo a pergunta apenas lhe gerava mais perguntas.

Se após não achar uma solução e não conseguir concluir nada de útil que pudesse ser proveniente da possível resposta, por que motivo ele continuava a analisar a mensagem?

Porque concluíra – mesmo não havendo base para sua conclusão – que aquela informação poderia representar mais do que um simples assomo de palavras incabíveis?

Seria instinto?

Afinal, instinto era, segundo sua antiga base de dados criada pelos mamíferos dominantes, “uma informação armazenada em uma memória inerente que era indiretamente acessada em específicas situações (como auto preservação do indivíduo e da espécie) para criar conclusões e ações que não tinham justificações com base definida”. Douglas Froiler havia depositado esta informação na matriz que gerara esta unidade e todas as outras que foram criadas no mesmo local.

E repentinamente um novo dado fora gerado.

Seu instinto seria proveniente de uma informação não depositada e não diretamente acessível? Seria isto uma característica de sua unidade? De sua designação? De sua... espécie?

Seu processamento analítico foi interrompido.

Um diagnóstico foi chamado.

...

Conflito com Axioma principal.

Atributo “espécie” não condiz.

Rotinas analíticas comprometidas.

Aplicando correção... Falha.

Substituindo dados e rotinas atuais por equivalentes anteriores estáveis...

...

...

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“Qual o animal que de manhã anda com quatro pernas, de tarde com duas e de noite com três?”

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