OS REBELDES

21 de março de 2015.

A neve caía silenciosa cobrindo ruas, edifícios e veículos estacionados na frente da Estação Central. Aldo, Zhara e Gamal entraram pelo enorme portão de entrada no meio da multidão que entrava apressada, carregando malas e pacotes.

–Quando retornará?

–Logo. Tenho que organizar meu pessoal antes de voltar. Não se preocupe.

–Já estou com saudades.

–Tome – disse ele entregando um molho de chaves.

–Chaves? Para quê?

–As chaves da minha casa. Se não for incômodo gostaria que de tanto em tanto, desse uma olhada por lá para ver se está tudo em ordem. Fará isso?

A resposta de Zhara foi interrompida pelo alto-falante da estação:

–...Passageiros para Ersgok e estações intermediárias, tenham a bondade de embarcar no setor sete...

–Devo partir – disse ele, pegando as malas.

–Lembra quando chegamos?

–Sim.

–Amo você – disse ela, beijando-o na boca.

Aldo não disse nada.

Ela girou nos calcanhares e dirigiu-se à saída. Aldo e Gamal, em silêncio, embarcaram no vagão de passageiros.

*******.

Os Rebeldes Yord.

–Já que vamos viajar juntos, permitam-me que me apresente; meu nome é Suer Dut. Vou para Ersgok – disse o homem jovem; aparentando uns 35 anos, de cabelos escuros e pequena estatura, com um ventre volumoso que indicava ser apreciador da boa mesa; ao entrar no compartimento minutos antes do trem partir.

–Sou Al-Do e este é Gamal. Também vamos para Ersgok.

–Ótimo, teremos tempo farto para conversar – disse Suer Dut, sentando-se pesadamente no banco forrado de couro de Wok – O quê vão fazer naquele canto perdido, esquecido pelos deuses?

–Moramos lá. E você? – disse Gamal.

–Sou comerciante. Dois vagões deste trem pertencem-me.

–O quê vende? – perguntou Gamal.

–Mercadoria de todo tipo. Panos, vestidos e enfeites para as mulheres, facas, botas e capas para os homens, guloseimas para as crianças, produtos para tratar peles, produtos de higiene...

–Para os comércios de Ersgok? – aventurou Aldo.

–Sim, e também para as fronteiras das Terras Frias. Alguém precisa manter aquela pobre gente em dia...! Oh desculpem! – disse ele avermelhando o rosto.

–Não há problema – riu Gamal – temos consciência de nosso provincianismo!

*******.

Tal como Aldo e Gamal adivinharam, antes de acabar o segundo dia de viagem já estavam fartos da tagarelice do homenzinho.

Os campos nevados sucediam-se após a metrópole ficar para trás. As cidades, cada vez menores, passavam velozmente, não assim as cidades importantes, onde as paradas eram de até vinte minutos, com o que os viajantes distraiam-se, vendo as pessoas embarcar e desembarcar.

Quanto mais afastados, mais aumentava a velocidade do trem, com o correspondente gemido da turbina de vapor, adentrando-se na tundra gelada.

Com precisão matemática, os postes do telefone passavam para trás a toda velocidade, e os fios pareciam subir e descer num barulho estridente.

As pontes passavam surpreendendo os viajantes, com a mudança de som, quebrando abruptamente a monotonia. Às vezes um inesperado túnel inundava-os de escuridão por alguns minutos, retornando depois a monotonia dos campos e montanhas brancas.

No quarto dia, após carregar água e combustível na última cidade grande, o trem atravessava uma região de desfiladeiros e precipícios, diminuindo a velocidade numa curva entre montanhas, para entrar num túnel muito longo que demoraram mais de quinze minutos para atravessar, saindo depois num vale rodeado de montanhas escarpadas.

Foi nesse vale; antes de entrar num desfiladeiro; que aconteceu.

Ouviu-se uma explosão, abafada pela distância, e o grito da turbina pareceu baixar de tom, enquanto o trem perdia velocidade, até ir parando aos poucos.

–O quê aconteceu? – perguntou Aldo acordando de sua sonolência.

–Nem faço idéia – disse Gamal.

Suer Dut nada disse, limitando-se a observar os acontecimentos.

Antes que a locomotiva parasse, entrou correndo o chefe do trem, gritando:

–Alerta! Os rebeldes Yord obstruíram os trilhos à frente! Vão nos assaltar!

Ouviram-se tiros. Aldo apalpou discretamente a pistola marciana que

carregava por baixo da túnica. Houve uma correria e um bando de rebeldes mal encarados invadiu os vagões de passageiros antes, mesmo que o trem fosse obrigado a parar, pelo monte de rochas caído à frente, no desfiladeiro.

Um homem armado entrou no compartimento onde Aldo estava com seus companheiros de viagem.

–Para fora! Rápido! Estão presos!

Os três viajantes juntaram-se a um grupo de passageiros vigiado por dezenas de bandidos armados, a tempo de ver o fuzilamento dos legionários de escolta e do pessoal de serviço. O chefe do trem estava caído no chão gelado com a cabeça ensanguentada. Alguns passageiros bem vestidos foram separados do grupo. Um dos criminosos, o mais mal-encarado, e que parecia estar no comando, gritou:

–Esses também! São aristocratas da capital!

As armas dispararam e caíram os corpos; ceifados perante a indignação de Aldo, que, contido pela superioridade numérica dos inimigos, esperava um momento de agir. Em seguida, o suposto chefe criminoso, dirigiu-se ao trio e disse:

–O quê temos? Um caçador e dois prósperos comerciantes! Você, caçador!

–Eu? – Gamal sentiu que chegara sua hora.

–Sim! Vem aqui, infeliz! Deixar-te-ei vivo se te unes a nós!

–Aceita! – sussurrou Aldo estudando o jeito de sacar a pistola sem ser notado.

–De acordo! – gritou Gamal.

–Sábia escolha – disse o bandido – passa para cá, que esse lado vai arder.

–Ao chão, Gamal! – gritou Aldo, sacando e atirando.

Não tiveram tempo de reagir.

Os bandidos caíram fumegantes. O raio explodiu nos assassinos despedaçando-os. O cheiro de carne queimada invadiu o ambiente, apesar do frio. A morte tomou-os de surpresa, um a um. Alguns atinaram a fugir para esconder-se atrás das rochas. Com seu chefe morto, os que sobraram, reagiram disparando das rochas e montes de neve, mas já os disparos do terrestre, que rolava no chão, atirando e protegendo-se atrás das rochas, derretiam o gelo e pulverizavam as rochas no rosto dos bandidos. Aos poucos pararam de atirar, protegidos atrás de uma rocha, com as costas protegidas pelo desfiladeiro. Aldo comprovou a carga da arma, ainda tinha dois tiros. Disparou alto, na rocha, que caiu, esmagando os bandidos.

–Tem mais dois ali, Al-Do! – disse Gamal indicando à direita.

–Já os atendo! – disse Aldo abaixando-se para tirar outro pente da bota.

Não chegou a pegá-lo. Uma pedra caiu na sua cabeça e tudo se escureceu.

–Não atenderá mais ninguém, senhor Al-Do! – Suer Dut sorria perante os olhos assustados de Gamal.

–Saiam daí seus idiotas! – gritou Suer Dut aos os dois últimos rebeldes Yord.

Sem alternativa, Gamal levantou as mãos, enquanto Aldo jazia como morto.

–Levem-nos ao veículo! Rápido idiotas! – ordenou Suer Dut, o rebelde Yord.

*******.

Asder Hutt, o chefe do trem, recuperava-se da batida na cabeça, quando dois helicópteros pousaram nas proximidades. Recuperou-se graças à sua fortaleza física.

Salvara sua vida fingindo-se de morto e presenciou tudo antes de desmaiar. Atendido pelos legionários, relatou os fatos ao coronel Narom, da patrulha fronteiriça. Pela disposição dos corpos, Narom deduziu corretamente que houve uma matança seguida de um combate no qual morreram grande quantidade de criminosos.

–Um só homem matou mais de quarenta?

–Sim, coronel – disse Asder Hutt, já medicado, com a cabeça enfaixada – com uma pistola terrível. Um passageiro era traidor e bateu na cabeça dele com uma pedra.

–Onde está o corpo?

–Os bandidos o levaram junto com um caçador vurians que lhe acompanhava.

–Os rebeldes estão agora de pose da arma? Viu para onde foram?

–Para os Montes Negros, num veículo de neve.

–Coronel, os rebeldes tinham armas novas. Os números de série são das que foram roubadas do arsenal na noite do bombardeio – disse o centurião.

–Isso explica. Os rebeldes são ajudados pelos xawareks.

–Já imaginava isso. Vamos atrás deles?

–Sim. Desobstruam os trilhos. Temos que tirar o trem daqui. Recolham os corpos e coloquem-nos a bordo.

–Sim, senhor.

–Conserte o fio do telefone, peça reforços e passe o relatório ao alto comando.

*******.

Zhara soube do acontecido pela TV:

"–...Embora os cruéis rebeldes Yord não conseguissem apoderar-se da valiosa carga, mataram quase todos os passageiros e tripulantes do trem. O informe diz que um heróico passageiro taoniano massacrou quarenta e seis criminosos com uma arma desconhecida da qual não temos dados. O comando geral da Legião negou-se a fornecer mais informações. Uma fonte extra-oficial adiantou-nos, porém, que pode tratar-se de uma arma secreta da Legião em teste, o que significa, portanto, que o mencionado passageiro poderia ser um funcionário do Governo Imperial. Sua Suprema Inteligência ainda não se manifestou ao respeito..."

Zhara arrumou-se e saiu à rua coberta de neve com os olhos cheios de

lágrimas. Em seguida parou um veículo de aluguel.

–Para o Palácio Imperial!

*******.

A meio caminho entre Ersgok e o local do assalto, os Montes Negros são escarpados desfiladeiros quase inacessíveis por terra, e invisíveis do ar. No pé de um precipício, uma caverna leva a uma série de túneis no seio de uma montanha, onde confortáveis e aquecidos, os rebeldes Yord têm seu quartel geral.

Os Yord não eram típicos espécimes do Gopak Uio.

Parece que a natureza, vez por outra desaprende sua função criadora. Ao contrário dos vurians, raça homogênea e honrada; os Yord eram mistura de tudo o que não prestava.

Sujos, mal vestidos, desajeitados, movidos pela inveja; não tinham a altiva nobreza rústica dos vurians, nem o charme e a classe dos taonianos urbanos.

Os Yord eram baixos, inexpressivos, sem classe nem honra.

Um apanhado de seres revoltados, incapazes de progredir, trabalhar, criar e construir. Seu objetivo era a destruição da propriedade que nunca poderiam ter e por isso a invejavam.

Dentro de uma das salas de rocha, um grupo destes seres infames está reunido.

–Ele é um agente de Tao! – disse Suer Dut, que, como já ficou evidente, era o líder dos rebeldes.

–Foi o que disse a rádio, chefe – confirmou um dos criminosos.

–O vurians deve ser outro. Chegou a enganar-me com seu disfarce.

–Matamos os dois?

–Sim. Podem fuzilar.

*******.

O Palácio Imperial.

A ante-sala era enorme, com paredes decoradas em baixos-relevos de pedra polida e piso de mármore cinza. As poltronas forradas em pele de wok trabalhada eram aconchegantes, mas a jovem médica não estava apreciando a decoração, consumida pela impaciência.

–O general vai recebê-la, doutora Zhara – disse o secretário – entre, por favor.

Zhara entrou no gabinete; tão majestoso e bonito como a ante-sala do general Amir Byzar, chefe da Guarda Pessoal do Imperador Tao.

–Sempre tão bonita querida – disse o general, um homem enxuto, aparentando 52 anos, com o cabelo cortado à escovinha, logo de abraçar e beijar a jovem médica.

–São seus olhos, tio.

–Meus olhos estão ótimos. Como estão teus pais, lá na fronteira?

–Estão bem, tio. Obrigada.

–Senta. Queres vinho?

–Hoje não. Minha visita não é de cortesia.

–Houve algum problema no hospital?

–Não, tio. Tenho uma informação vital para a segurança do império.

Byzar pegou um copo, encheu-o e sentou-se.

–Fala – disse ele muito sério, levando o copo à boca.

–É ao respeito do assalto e massacre do trem de Ersgok.

O general engasgou-se com a bebida.

*******.

–É tudo o que sei. Ao saber da morte de Al-Do resolvi vir e lhe contar tudo.

–Por que não me trouxeste esse homem aqui quando ainda era tempo?

–Pensava fazer isso. Ele tinha concordado em pegar sua nave espacial para combater os xawareks, já que ninguém acreditaria em mim sem provas.

–Querida, sabes que eu acreditaria.

–Sei disso, mas não podia prever esta desgraça – disse a jovem em prantos.

Byzar ficou em silêncio por um momento até Zhara se acalmar. Por fim esvaziou seu copo de um gole.

–O corpo do teu amigo não apareceu. Pode ser que não tenha morrido.

–Mas a TV disse...

–A TV disse o que nós queremos, minha querida.

Uma luz de esperança surgiu no coração da jovem médica.

–Então...

–Se os rebeldes querem essa arma, precisarão do teu amigo para aprender seu manejo ou fabricar outras. E também suponho que quererão saber se há outras e onde. Por isso não acho que ele esteja morto.

–Entendo. Mas isso não me tranquiliza.

–Zhara, eu estou velho, mas não tanto. Vejo que gostas do sujeito do espaço. Farei o possível para encontrá-lo.

*******.

No covil das hienas.

–Mandei-o trazer à minha presença por um motivo – disse Suer Dut.

–Imagino qual seja – disse Aldo, amarrado com correntes nas mãos e pés.

–A verdade é que tinha mandado fuzilá-lo, mas... Felizmente para você, a pistola não funcionou e não consegui descobrir por quê.

–Não funcionará nunca – disse o prisioneiro.

–Por quê?

–Terminou a energia – mentiu Aldo – servem para uma vez. E não tenho outra.

–Não acredito. Você deverá dizer o motivo da falha.

–Não há falha. A carga está esgotada, eu já disse.

–Então dirá onde há outras. Fale, estou esperando. Onde vocês as fabricam? Dê-me o endereço! É no arsenal de Taônia?

–Não tenho nada a dizer.

–Não quer falar. Muito bem. Vamos usar o método difícil. Se sobrar algo de você, será jogado às feras do gelo. E seu amigo também será interrogado.

–Gamal não sabe nada.

–Veremos.

*******.

Ao inferno com o nosso anonimato!

Nas Terras Frias, a vida seguia seu curso normal, Alvin ou Al-Vin, como os nativos o chamavam, crescia feliz sem saber que seu pai estava em apuros.

Regina ocupava-se de pesquisar nos livros e ouvir o rádio que Aldo enviara com Lian-Ee para estudar os sotaques e saber notícias da capital, quando à noite, escutou o noticiário.

–Boris! Chama o doutor Valerión!

Valerión foi taxativo:

–Temos que resgatá-lo. Ao inferno com o nosso anonimato!

–Concordo – disse Boris.

–Manda os rapazes tirar as naves do gelo e preparar as patrulheiras; avisa Inge e os outros. Irei pessoalmente numa patrulheira.

–Tem uma idéia de onde possa estar? – perguntou Boris.

Valerión ficou pasmo. Regina interveio:

–Parece que estão num local chamado Montes Negros, ou algo parecido.

–Cadê os mapas que Aldo mandou?

–Aqui, doutor – disse Boris abrindo um armário.

Estenderam os mapas sobre a mesa e encontraram o local.

–Deve ser aqui, entre Ersgok e a penúltima estação – disse Valerión.

–Vou preparar as naves – disse Boris – vamos ficar de prontidão.

Essa noite, a parte terrestre e troiana da aldeia vurians foi um rebuliço. Os homens correram aos esconderijos das naves enterradas na neve, e outro grupo preparou-se para ir ao lago com intuito de preparar as naves. Contaram com a ajuda de um grande grupo de nativos que já estavam afeiçoados aos visitantes e carregaram vários trenós com mantimentos e a bagagem dos tripulantes.

*******.

A chicotada bateu no rosto de Aldo, arrancando-lhe sangue.

Ele e Gamal estavam nus da cintura para cima; com os braços acorrentados em argolas presas num poste de pedra embutido no chão gelado da caverna.

Aldo fervia de raiva apesar do frio. Não se conformava; como era possível que estes indivíduos desprezíveis o tivessem capturado?

O bandido deu-lhe outra chicotada no rosto; para beneplácito do seu chefe, o falso comerciante Suer Dut.

–Por quê não me enfrenta, Suer Dut? – disse Aldo, indignado – não há honra em mandar um capanga me açoitar.

–Tem razão – disse o homenzinho, fazendo um sinal ao seu comparsa – eu mesmo deveria açoitar você.

Suer Dut pegou o chicote e bateu com todas suas forças no peito e no rosto ensangüentado do antártico, que ainda teve ânimo para dizer:

–Muito corajoso, bater em alguém amarrado!

–Então, solte-se daí e venha me enfrentar – disse o criminoso, dando umas risadas ridículas e batendo-lhe de novo com força.

–(Solte-se daí e venha... solte-se e...?) Aldo lembrou de uma coisa importante; tão importante que, procurou ignorar a dor e fez um esforço para rir na cara do seu algoz:

–É isso que você quer? Que eu me solte?

–Isso mesmo! – disse o criminoso dando outra das suas risadas.

–Cuidado com o que você deseja...!

–Boa piada! – disse Suer Dut entre uma risada e outra.

Sua risada transformou-se em pavor ao ver os músculos do terrestre inchar-se e arrebentar as correntes como se fossem de papel.

Aldo arrancou o poste de pedra e o atirou encima dos dois capangas, que morreram esmagados.

Suer Dut não era tão estúpido como para ficar e ver o que aconteceria a seguir. Largou o chicote e saiu do recinto, correndo em desespero pelo corredor iluminado com lâmpadas elétricas.

Aldo destroçou as correntes que prendiam Gamal com suas mãos nuas.

–Vamos embora!

–Al-Do! Como é possível...?

–Depois explico. Vamos sair daqui, rápido!

Passaram ao corredor e entraram na sala de Suer Dut; onde Aldo sabia que estava sua pistola. Suer Dut desaparecera, mas a pistola marciana estava sobre a mesa, no meio de garrafas de vinho vazias.

–Não disse que não funciona?

–Agora vai funcionar – disse Aldo enfiando a mão no bolso interno da bota e puxando um carregador – são preguiçosos, não me revistaram como deveriam.

Com a arma engatilhada na mão, Aldo correu até a saída daquele labirinto de corredores, seguido por Gamal.

O alarme já tinha sido dado e começavam aparecer bandidos armados, que eram prontamente eliminados pelo terrestre. Chegaram à porta principal da fortaleza subterrânea ao tempo em que esta se fechava.

–E agora? – disse Gamal, pegando um fuzil de balas de um bandido morto.

–Agora abrimos – disse Aldo, apertando o gatilho.

A pesada porta de metal se desfez como papel, deixando entrar uma golfada de ar frio de vinte graus negativos.

–Logo reunirão um grupo e virão atrás de nós – disse Aldo – temos que nos esconder num local coberto.

–Estamos num círculo de montanhas e só há uma saída. Deve haver sentinelas.

–Então devemos escalar.

–Vão nos ver ao saírem, Al-Do, não demoram em recuperar-se do choque.

–Devemos subir. Se não dominarmos o terreno, não conseguirei atirar neles.

–Entendi. Siga-me. Daquela saliência podemos dominar a saída.

Escalaram as pedras até uma cobertura natural onde se entrincheiraram.

–Não conseguirá matá-los todos, Al-Do. São muitos e têm mísseis e bombas.

–Temos a surpresa. Estão assustados e não nos viram subir aqui.

–Quantos disparos ainda têm?

Aldo puxou fora o carregador.

–Vinte e oito na pistola e oitenta nas botas.

–Vamos escapar por cima. Não conseguiremos detê-los por muito tempo.

–Mas para onde ir? Sabe onde estamos?

–Daqui pode-se chegar à ferrovia. Estudei o caminho quando nos trouxeram.

–Precisamos roupa quente – disse Aldo, já começando a tremer.

–Só se tirarmos deles.

–Isso mesmo – disse Aldo, tentando não tremer – aí saem!

Regulou o feixe da arma para cinco metros de dispersão e atirou.

Não tinha a mesma força que concentrado; ainda mais que estavam a menos de cinqüenta metros, mas ainda assim calcinou muitas cabeças. Escapou um com vida e entrou de novo na caverna. Em seguida saiu um carro de neve cheio de bandidos e equipado com lançador de foguetes. Aldo regulou o feixe à máxima concentração e atirou. O hidrogênio combustível explodiu, transformando a entrada da caverna num inferno.

–Assim não conseguiremos roupas, Gamal. Vamos morrer de frio em pouco tempo.

–Na entrada do desfiladeiro deve haver sentinelas bem equipadas.

–Vá em frente. Não há mais perigo; estão em pânico. A não ser que haja outra saída, vão sofrer lá dentro até o fogo se apagar.

–Siga-me.

Tremendo de frio, escalaram a rocha e por cima chegaram à entrada do desfiladeiro onde estavam as sentinelas.

Os bandidos estavam armados com fuzis metralhadores e pistolas. Gamal foi por trás e Aldo por cima; pulando nas rochas como um felino, para admiração de Gamal, que não compreendia que Aldo vinha de um planeta pesado e tinha força superior.

Por gestos combinaram a ação a seguir. Caíram sobre os bandidos, entrando em luta corporal. Aldo quebrou o pescoço de um e ajudou Gamal com o outro, que desabou em seguida, morto.

–Já temos roupas – disse Gamal – De onde você tirou tanta força?

*******.

Por simples dedução, o general Byzar supôs corretamente que o local onde deveria estar a base de operações do alienígena deveria ser a região das Terras Frias, talvez uma das inúmeras aldeias de caçadores vurians.

Destacou uma centúria da Legião para lá em transporte aéreo e ordenou à guarnição local que prestasse assistência e apoio. Depois enviou uma esquadrilha de caça em apoio do coronel Narom, que já se aproximava dos Montes Negros com um grupo de apoio recém desembarcado. Desligou o comunicador e encarou sua sobrinha:

–Pronto, querida. Já está todo encaminhado. Agora quero saber uma coisa... Se tudo sair como espero; o terrestre nos ajudará contra os xawareks?

–Ele prometeu ajudar. Se descobrisse quem tem razão; nós, os Yord ou os xawareks; tomaria uma decisão.

–Como ele pode saber quem tem razão?

–Ele é honrado. Ele saberá.

–Querida, ele é um alienígena. Seus valores podem ser diferentes dos nossos.

–O sangue terrestre é raniano. Deverá reconhecer quem é seu Imperador.

–Aqui há gente que odeia Tao, Zhara. Mas a maioria do povo o ama e daria sua vida por ele.

–Eu acho que ele já se decidiu, tio. Viu o mal feito pelos xawareks em Taônia e no trem deve ter sentido na pele o que os Yord fazem. Além do mais ele simpatiza com Taônia, tio. Eu sei!

–Mas simpatizará com Tao?

*******.

Jacques e Valerión partiram numa patrulheira AR-1 com sensores ativados para localizar Aldo nos Montes Negros. Adolphe e Lobsang foram ao local do assalto.

Regert resolveu tirar a Wodan do lago gelado e para lá foi com seus tripulantes armados com lasers para cortar o gelo. Boris mandou tirar os caças e a patrulheira do lago. Ingeborg, transformada em Líder dos terrestres em ausência do marido, superou a dor e a incerteza e mandou recolher tudo e ficar de prontidão para quando chegasse o momento de ativar a Hércules. Ruddah, a bruxa, entrou na cabana de Inge.

–Não é para preocupar-se, Rainha. Seu marido está lutando, mas está vivo.

–Como sabe? – disse Inge, incrédula.

–Olhe! – disse a bruxa, sacando de suas roupas um pedaço de cristal preto, muito gasto pelo manuseio – este cristal mágico é uma herança dos primeiros xonecs, quando eu morrer, passará para quem souber usá-lo – olhe bem, Rainha.

Uma das caras do cristal era lisa como um espelho. As mulheres sentaram ao redor da mesa. Ruddah entrou em transe e de repente, a cara lisa mostrou-se branca e apareceram imagens difusas, como hologramas.

–Incrível! – murmurou Ingeborg.

–Seu marido está matando os inimigos – disse Ruddah com estranha voz.

Apareciam Aldo e Gamal, armados, agasalhados com as grossas roupas de abrigo dos bandidos mortos, atacando um carro de neve.

Aldo, com um fuzil na mão esquerda e a pistola na direita, atirava e corria, esquivando balas e granadas, dando saltos à grande distância e altura. Gamal atirava nos inimigos, que caiam e morriam como moscas. De pronto, algo pareceu distraí-los. Aldo olhava à distância, mas não aparecia o que ele estava vendo.

–A imagem desapareceu! – disse Inge.

–Não tenho mais força para segurá-la – disse a bruxa ofegante, saindo do transe – foi demais para mim.

–Nem acredito no que eu vi, Ruddah.

–Não se preocupe, Rainha. Farei um feitiço poderoso para os heróis.

Em seguida, Ruddah levantou-se e saiu, trêmula, deixando Inge sozinha sem compreender direito o que tinha acontecido.

*******.

A maioria dos tripulantes da Hércules estava mergulhada, soltando a Wodan com maçaricos de plasma. Alguns troianos estavam a bordo e outros na superfície, puxando cabos com ajuda de fortes asgoths, dirigidos por vurians experientes.

Em menos de una hora a nave flutuou livremente. Os motores funcionaram e elevou-se; pousando na beira do lago.

Um dos caças e uma patrulheira saíram por seus próprios meios, pousando ao lado. A limpeza e exame de rotina ocuparam parte da manhã, enquanto o buraco no gelo voltava a fechar-se. Alguns homens foram à aldeia para recolher pertences. Na volta, Lian-Ee acompanhou-os para ver as naves.

–São impressionantes – disse – parece mentira que chegaram de outro mundo.

–A Wodan é nosso lar – disse Regert.

–Tem tudo? Digo, camas, comida, água, cozinha...

–Temos até dois aviões de caça. Tínhamos quatro, mas um deles foi perdido em batalha e nosso anterior líder destruiu outro numa luta com Al-Do.

–E o que aconteceu com ele?

–Morreu com honra.

–Ah! Al-Do derrotou o chefe anterior!...

Lian-Ee ficou em silêncio por um momento e afinal disse:

–Gostaria de conhecer a nave por dentro.

–Por que não? – disse Regert de bom humor – Venha comigo!

Chegaram à escadinha, quando uma voz ouviu-se no meio dos pinheiros:

–Nós também gostaríamos de conhecê-la por dentro!

Regert virou-se e viu legionários montados em asgoths, empunhando armas automáticas. O troiano levou a mão à pistola, mas um gesto de Lian-Ee o conteve.

–Se tentamos resistir nos matam, capitão Re-Gert. Às vezes é sábio perder uma batalha para não perder a guerra.

–Sábia decisão, honorável Lian-Ee – disse o chefe dos legionários – mas não viemos para guerrear. Viemos para conversar.

Lian-Ee não ocultou sua desconfiança.

–O quê a legião quer conversar com os vurians e seus honrados hóspedes?

–Meu nome é Karis Khord, honorável Lian-Ee e desconhecido visitante. Sou como podem ver, centurião da Legião. Fui comissionado pelo general Byzar da Guarda Imperial para convidar seus hóspedes a visitar Taônia.

–Convide-os, centurião Karis, se pode honrá-los como nós os honramos.

Regert adiantou-se para evitar problemas aos vurians e disse:

–Sou Regert, capitão da Wodan. Aceito o convite.

–Estamos honrados, capitão Regert. Partiremos já. Deixarei uma guarda aqui. Vocês abordarão os helicópteros que se não me engano estarão aqui em instantes...

–Preferimos voar em nossas naves – cortou Regert.

–Nesse caso, irei com vocês com alguns dos meus homens. A metade dos seus abordará os helicópteros, para... Garantir a segurança... É claro.

–Não será possível – disse Regert – Necessito todos meus tripulantes para decolar e manobrar. Além disso, as naves menores deverão ir conosco.

Nesse meio tempo, já tinham subido a bordo mais de vinte troianos. Petersen abordara um caça e Ives, único terrestre do grupo já ligava os sistemas do seu AR-1.

Antes de Karis responder; ambas naves ativaram-se esquentando os motores.

–Mande-os parar! – gritou Karis.

–Nada feito – disse Regert – eles serão nossa escolta. Suba a bordo, Karis.

–Não – disse o taoniano fazendo sinal aos seus homens para tomar posições.

–Ouça, Karis – disse Regert – dou-lhe a oportunidade de cumprir sua missão, só que nas minhas condições. Não tenho tempo a perder, tenho mais o que fazer.

Regert deu ordens pelo rádio e as torres da Wodan giraram, apontando seus lasers aos legionários e aos helicópteros que aterrissavam nesse momento.

–Aceite minhas condições, Karis, o morra junto com seus homens!

*******. CONTINUA EM: ABRINDO O JOGO

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O conto OS REBELDES forma parte integrante da saga inédita

Mundos Paralelos ® – Fase 1, Volume 3, Capítulo 22, Páginas 61 a 70, cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados, sarracena.blogspot.com

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206_Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 14/01/2015
Reeditado em 02/11/2016
Código do texto: T5101886
Classificação de conteúdo: seguro
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