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Sobre meninos e lobos: o renascer de Ronald

Ronald sentia-se bastante confortável naquela cadeira reclinável da varanda. Pela tela podia ver alguns esquilos correndo céleres pelos galhos das árvores. Através das folhas, a luz do sol insistia em invadir o quintal, formando um contraste de claro escuro na relva. O cheirinho de comida vindo da cozinha fazia a saliva brotar em sua boca. Não estava vendo, mas podia imaginar sua mãe cortando legumes, temperando, mexendo na panela, fritando... Com mais de oitenta anos, ela parecia tão bem quanto há quarenta anos atrás.
Certamente uma vida boa, muito boa. Ficaria ali para sempre, se pudesse. Deu uma cochilada e, lá do fundo, começou a ouvir um conjunto que ele adorava quando era jovem, bem jovem. “The Platters” estavam cantando “The Great Pretender”. Lembrou-se de quando perguntou para um amigo o que significava aquilo. Ele disse: “sou um grande fingidor”. Ficou com aquilo na cabeça todos esses anos. A música, fingimento ou não, era linda. Lembrava-se do disco de vinil girando na vitrola, a luz de um abajur se refletindo nele, suavemente se mexendo junto com a rotação.
Aquilo era muito real, nem parecia imaginação. Era como se tivesse voltado no tempo. Ouviu, então a voz de uma garota, chamando por seu nome. Lembrou-se dela. Era Ana, sua namorada. Estava ali a seu lado. Tinham combinado de sair. Ficou assustado, mas por outro lado, parecia, no fundo, entender o que estava acontecendo. Sabia o que ia acontecer. Ele tinha voltado décadas no tempo. Sabia que em alguns minutos se esqueceria do futuro novamente. Era um lapso de tempo, aquele em que tinha consciência das duas realidades, de duas épocas. Aquele era o ano do passado: 2003. O ano do futuro era 2043. Ele fazia parte de um programa. Era estranho e não era. Entendia e não entendia. Não importava. Aquele era um momento mágico, ele não ia se lembrar de mais nada em alguns momentos e ia viver uma nova vida. Por uns segundos ainda, pensou. Não eram dois momentos. Eram três. O futuro, o presente e o passado, que ele não conhecia, mas podia sentir com a aquela velha canção, daquele maravilhoso conjunto. A voz de Ana tirou-o novamente de seus pensamentos. Estava falando para ele se apressar, pois estavam atrasados. Enquanto ele pegava suas coisas, ouvia a namorada cantarolar em inglês, junto com a vitrola: “Pretending that I'm doing well, my need is such, I pretend too much, I'm lonely but no one can tell”. Estava tentando fazer uma associação entre a letra e sua própria vida, quando de repente, só existia aquele momento, o ano de 2003. Iria viver tudo de novo, para, décadas depois, voltar para a velha cadeira de balanço, ver os esquilos, sentir o cheio de comida no longínquo ano de 2043 e... voltar, de novo.
Na saída, ele e a Ana deram um beijo na jovem mãe, que, nesta data, estava costurando e não cozinhando, e saíram. Aquele era o novo momento e ele já não sabia mais do futuro.
Na grande sala de Inteligência Artificial da prisão da Flórida, os dois agentes do sistema penitenciário discutiam seu caso.
Philip achava que ele estava quase bom. Era só rodar o programa mais uma ou duas vezes e ele poderia ser “devolvido” para a sociedade. Ronald depois de cometer um crime de assassinato, foi considerado “doente mental” e pôde participar do programa “Renascer”. O tratamento consistia em reprogramar o cérebro do prisioneiro, fazer o “input” de novas e boas lembranças e devolvê-lo à sociedade. Na verdade, ele seria um outro ser. Nada do que havia antes ficaria em sua memória. Leo, embora fosse um importante agente do programa Renascer, era contra o sistema. Ele achava que aquilo era um prêmio que se dava a um criminoso. Mas ele tinha uma função no sistema e precisava cumpri-la. Respondeu ao Philip que achava prematuro liberar o “caso # FL347892/A” (Ronald Bergman). Na sua opinião, a experiência virtual de uma nova vida e o input de sensações teriam de ser repetidos pelo menos mais uma vinte vezes. Podia se notar na sua voz um certo desprezo pelo “paciente” Bergman.
Na câmera 372B, o corpo de Ronald parecia inerte dentro da cápsula. Inúmeros fios, quase invisíveis, conectavam a sua cabeça a um enorme e sofisticado aparelho.
Enquanto Philip e Leo discutiam seu caso, Ronald e a namorada tinham chegado ao cinema e assistiam ao filme “Sobre meninos e lobos”. Estavam quase no final e Ronald, quase chorando, não se conformava com a maldade humana mostrada na história. Discretamente, Ana passou-lhe um lencinho de papel.

Na grande sala de controle, Leo levantou-se falou boa noite para Philip. Seu turno havia terminado. Era o dia três de abril de 2045.

 
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Histórias do Futuro

 
 
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Flávio Cruz
Enviado por Flávio Cruz em 25/02/2015
Reeditado em 25/02/2015
Código do texto: T5150398
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