Horizonte Virtual - Parte Final

Um carro preto, sem placas de identificação, estaciona na rua em frente ao laboratório.

Um homem de terno preto e gravata, usando óculos escuros, com cabelos ralos e castanhos cortados em estilo militar, sai de dentro do carro. Silencioso, ele olha em todas as direções de maneira furtiva e séria. Em seguida se dirige ao porta-malas do carro abrindo-o devagar e pegando uma pequena maleta preta. Ele a abre, retirando de dentro uma espécie de bracelete prateado, que prende ao pulso direito. Depois pega mais uma peça grande e arredondada, com uma abertura fina e comprida, e acopla ao bracelete em seu pulso. Aperta um botão, e observa a luz vermelha do aparelho piscar, indicando que está carregado.

Agora, ele caminha em direção ao laboratório, devagar e calmo, sem demonstrar qualquer expressão, andando por entre todos os pedestres. Atravessa a rua e passa pelo agente Towner que está abaixado apanhando as chaves do carro. Ao levantar-se, o agente repara no homem de terno, que agora caminha de costas para ele, e vê um reflexo brilhante em seu pulso, percebendo alguma coisa em seu braço.

“Nada de mais”, - pensa o agente – “mas este sujeito tem um ar muito suspeito, tem alguma coisa embaixo da sua manga, e duvido que seja um relógio importado. Ele está indo em direção ao laboratório do doutor Yamaha”.

Towner fecha a porta do carro e decide segui-lo discretamente a uma distância segura.

O estranho homem entra na ante-sala do laboratório e olha diretamente para uma secretária atrás de um balcão. Esta interrompe o que está fazendo para atendê-lo.

- Pois não?! Em que posso ajudá-lo senhor?!

Ele não responde, apenas ergue o seu braço direito e puxa um pouco a manga, deixando totalmente à mostra o aparelho que, em seguida, aponta na direção da moça e dispara.

Sob um ruído que mais parece o zumbido de muitos insetos, a arma descarrega um pequeno disco transparente que corta o próprio ar. O disco acerta a moça em cheio, cravando-se no seu ombro direito.

Aturdida com a rapidez com que foi atingida, a secretária olha para o seu ombro. Este, aos poucos, vai se desintegrando, enquanto a moça, sem entender o que está acontecendo, é tomada pelo pavor e lança um grito apavorante. Antes que tenha forças de gritar novamente, desaparece por completo no ar.

Neste momento, o agente Towner, que ouvira o grito da secretária, entra na ante-sala de espera e vê o estranho adentrando por entre os corredores. Acha suspeito que não tenha ninguém por ali. Procura a secretária por detrás do balcão e não a encontra.

“Que coisa estranha...” - pensa ele - “Se ela tivesse saído, teria passado por mim.”

Agora, com certeza absoluta de que aquele homem é mais do que aparenta, Towner saca sua arma e corre atrás dele pelos corredores.

...

O homem de terno preto lê o nome do doutor Yamaha na entrada do laboratório, e, com um potente pontapé, derruba a porta. Ele entra e vê ao fundo o doutor acompanhado de Kia, e caminha na direção deles.

Kia, desconfiada das intenções do estranho de óculos escuros, saca sua arma.

- Pare onde está, sou uma agente do Comitê Central de Investigações.

O homem de terno escuro não esboça reação alguma, continuando em sua caminhada.

- Eu estou avisando, pare onde está, ou serei obrigada a atirar.

De repente, surge pela porta arrombada o agente Towner com a arma em punho.

- Pare aí.

O estranho para repentinamente a uns dez metros de Kia e do doutor Yamaha. Novamente ergue o seu braço, apontando-o primeiro para Kia, depois, desviando para o doutor, dispara.

O projétil em forma de disco atinge o cientista no abdômen e começa a desintegrá-lo aos poucos, diante dos olhos apavorados de Kia e Towner, que ainda permanecem apontando suas armas para o homem de terno.

Quando o doutor se desintegra totalmente, o estranho aponta seu aparelho para Kia, que ainda permanece perplexa, enquanto Towner grita para que ela se abaixe. E começa a atirar ferozmente.

Cinco tiros acertados nas costas do homem de terno, e ele não esboça reação alguma, apenas abaixa o braço.

Kia se levanta, e vendo que o estranho baixara o braço, se põe a atirar também.

Ela dispara três tiros certeiros e, para seu espanto, o homem parece não sentir coisa alguma.

- Ele deve estar usando colete! - grita a agente do comitê.

O estranho, que se mantém sempre em silêncio, se põe a caminhar em direção da mesa do laboratório onde está exposta a amostra do tubo, enquanto Kia se afasta devagar.

Ele derruba a mesa no chão, pisando em cima de tudo, avançando em seguida para cima da agente, que atira novamente.

Um tiro na perna direita, mas ele continua andando como se não sentisse nada.

Um tiro na cabeça, e ele também não sente nada. Kia se deixa tomar pelo pânico, ele a agarra pelo pescoço com a mão esquerda erguendo o braço direito e encostando o aparelho na testa dela.

Towner, que acompanhou tudo com o olhar, aproxima-se correndo, guarda sua arma na cintura, e grita com toda a sua força.

- ESPERE! É isso o que você quer?

Ele retira do bolso o outro tubo e o segura entre os dedos erguido no ar.

O estranho imediatamente volta seu olhar para o agente do comitê.

- Largue-a! É isso o que você procura. – Grita Towner, sem piscar, o coração aos pulos.

Ele solta a agente Kia. Tossindo um pouco, e, sem desviar os olhos do estranho nem por um segundo, ela corre para junto do seu colega.

Towner, ao perceber que Kia está segura ao seu lado, deposita o tubo em cima de uma mesa ao lado, e os dois recuam devagar.

O homem de terno preto se aproxima deles, pega o tubo, retira os óculos e verifica o lacre. Percebendo que ainda permanece intacto, olha diretamente para os agentes com sua expressão inalterada, colocando o tubo rapidamente em seu bolso.

Os dois agentes passam correndo pela porta o mais depressa possível. Saem do instituto e entram no carro. Towner liga o motor, sente suas mãos tremerem ao segurar o volante e arranca rapidamente depois de uma última olhada para o laboratório do doutor Yamaha.

...

Towner entra no bar e senta-se em um banco vago em frente ao balcão. Vislumbra o interior com calma, olhando para as luzes em meio tom. Há apenas um casal de namorados se beijando num canto escuro, alheios a tudo à sua volta. Do outro lado do balcão, uma TV, fixada no alto por um suporte metálico, exibe o noticiário do fim da noite. Sua atenção é despertada pelo barman.

- O que vai ser?

- Me dê um uísque seco.

Novamente ele se distrai olhando o barman preparar a bebida, um homem magro e pequeno. Os poucos cabelos que lhe restam na lateral da cabeça, assim como o seu bigode, parecem assumir uma tonalidade esverdeada sob a luz fraca da luminária acima do balcão.

De repente, entra no bar um homem com capa de chuva e chapéu, que se dirige até onde o agente Towner está sentado, sentando-se ao seu lado.

- Você demorou, pensei que não viria mais. - falou-lhe o agente.

- Tive que tomar certas precauções, para o caso de estar sendo seguido. - responde o estranho, tirando o chapéu e deixando totalmente visível o seu rosto, que aparenta a idade de um homem de quase sessenta anos.

- E estava sendo seguido?

- Sim, e você também. Mas não se preocupe, já cuidei disto.

O agente do comitê dá um pulo em seu banco. Só agora percebera que estava sendo muito descuidado por não verificar algo tão simples.

- Você é alguém importante para nós da resistência contra a organização que auxilia os alienígenas. Tivemos muito trabalho para prepará-lo. - ele faz um sinal ao barman para trazer-lhe uma bebida.

- Me preparar? Do que você está falando? Eu tenho andado sempre sozinho nesta questão das conspirações.

- É o que você pensa agente Towner, estamos acompanhando você desde que entrou para o comitê, e desde então estamos lhe dando uma “ajudinha” em segredo.

- Sim, eu já sabia sobre a sua ajudinha, mas desta vez não serviu para muita coisa. As provas que eu consegui pegar no Hangar D foram destruídas pelo “hackerman”. Não sobrou nada nem ninguém, além de Kia e eu, para confirmar sobre as provas.

- Tudo bem, sua parte você já fez, deixe o resto conosco.

- Como assim?

O Homem misterioso aproxima seu rosto do agente do comitê como para segredar-lhe alguma coisa.

- Entenda Towner, pelo fato de você ter conseguido entrar em um lugar tão bem guardado e protegido, significa que houve uma falha na segurança da organização, e que você recebeu ajuda de dentro. Eles agora sabem que há um traidor entre eles, passando informações.

- Nesse caso, você está correndo perigo.

O agente se assusta com a possibilidade de pegarem o seu informante.

- Não exatamente.

- Mas, se eles sabem que tem alguém me passando informações, então logo vão chegar até você.

O estranho e sombrio homem começa a dar gargalhadas, ficando com o rosto vermelho, deixando Towner totalmente espantado.

- Eles estão procurando um traidor, e nós vamos lhes dar um traidor, ou melhor que isso, lhe daremos algumas pistas que os farão eliminar um dos membros da organização que lhes seja fiel.

O agente Towner sente a raiva crescendo dentro de si.

- Então foi por isso que você me deu acesso até a base... para servir de isca em um plano pré-elaborado. Depois de tudo o que passei, incluindo a morte do doutor Yamaha, você me diz que eu era apenas uma isca?

O informante engole um pouco de sua bebida e dá de ombros mostrando pouco interesse nas palavras que ouviu. Ao olhar para a expressão de raiva no semblante de Towner, ele retoma a palavra.

- Bem... de vez em quando é preciso dar a eles um culpado por tudo o que acontece de errado. Vamos fazer com que deste modo o pessoal da organização não confie em ninguém, até eliminarem uns aos outros. Mas não se preocupe com sua segurança, eles precisam de você tanto quanto nós. Eles consideram que o tem totalmente sob controle.

Towner respira profundamente, procurando forças para conter sua raiva diante das palavras do informante. Pega seu copo e toma toda a bebida de um só gole, depositando com força o copo vazio no balcão.

- Por que tudo isso?

- A população de nosso mundo ainda não está preparada para saber a verdade, agente Towner. Precisamos de tempo para deter a invasão dos alienígenas, e a organização não tem por objetivo detê-los, pretendem deixá-los tomar nosso mundo.

- Por que esses seres querem nosso mundo?

- Creio que precisam de nosso mundo para se refugiar do próprio mundo deles.

- Imagino que mundo horroroso deve ser o deles. – retruca o jovem agente esboçando um sorriso forçado.

O informante termina sua bebida e deposita uma moeda sobre o balcão, em seguida se levanta, dá um tapinha no ombro de Towner, e se despede.

- Não perca a esperança agente Towner, contamos com você.

- Ei! Até hoje você nunca me disse como se chama.

- Esqueça isso, é arriscado.

O agente do comitê levanta-se com agilidade de seu banco e corre atrás do informante que já está indo embora, agarrando-o pelo braço na entrada do bar.

- Sou eu que estou correndo todos os riscos, se vou ser o seu fantoche e, se posso morrer, quero pelo menos saber o seu nome.

- Já lhe disse, é perigoso demais.

Towner, tomado pela raiva, puxa o homem para fora e o joga contra a parede, sacando sua arma e apontando para o seu estômago.

- Uma ova! Você está querendo que eu corra todos os riscos enquanto você fica apenas se divertindo. Vamos, diga logo qual é o seu nome.

- Ford... Está satisfeito agora agente Towner?

Towner o solta e guarda a arma. Ford o olha com certo ressentimento, ajeita sua roupa, solta um sorriso sarcástico e vai embora, deixando atrás de si um agente do comitê transtornado.

De repente, uma música melodiosa parece preencher o ambiente, e o cenário escurece.

...

Sofia larga o controle remoto com o qual desligara a TV, espreguiçando-se. A seguir, passa a mão por seus cabelos muito loiros, compridos até os ombros. Levanta-se, preparando-se para ir dormir.

Enquanto anda em direção ao quarto, se põe a pensar nas palavras do agente Towner.

Ela poderia estar sendo observada neste momento por uma raça alienígena de outro mundo, ou de outra realidade?

Ela para por um instante, olha para os lados, balança a cabeça, e, de repente, com seus olhos azuis muito acentuados, olha para “você”. Se põe a lhe observar. Olha diretamente nos seus olhos, sem se dar conta de que “você”, está realmente aí.

Então, como se sentisse o sono falar mais alto, Sofia desvia o olhar e pensa em voz alta, dirigindo-se novamente para o quarto.

- Ora, é apenas um programa de TV, não existe nada destas coisas aqui no mundo real. Uaaahhh! Que sono!

....FIM....

Paulo Salgueiro
Enviado por Paulo Salgueiro em 27/02/2015
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