Jezebel

A tela de observação frontal exibia agora uma imagem estática, que duas das ocupantes da ponte de comando haviam levado alguns segundos para reconhecer.

- Isso é o que eu acho que é? - Perguntou a comandante Sonya Pajak, num tom pouco mais que retórico.

- O Selo do Presidente dos Estados Unidos da América - respondeu a doutora Mirabelle Rankin num sussurro. - Isso é História antiga... já era antiga quando partimos da Terra.

Pajak girou em sua poltrona giratória para encarar alguém que aguardava de pé, atrás dela.

- O que acha, tenente Taisuke?

Iva Taisuke, japonesa de Kobe, a tripulante mais jovem da Dânae, tecnicamente era a encarregada da segurança a bordo. A nave interestelar não fora concebida como um veículo de ataque, mas seus construtores previram que, numa situação de emergência, alguns dos sistemas de propulsão e de defesa contra detritos espaciais pudessem ser reprogramados para usos mais letais.

A tenente balançou a cabeça numa negativa.

- Não pode ser real. Embora tenham sido eles quem descobriram a localização deste sistema solar, os antigos Estados Unidos da América jamais possuíram tecnologia avançada o suficiente para ter chegado aqui antes de nós.

Pajak girou novamente para encarar a tela. A águia segurava em uma das garras um ramo de oliveira, e na outra, um feixe de flechas. "Queremos a paz", parecia dizer, "mas se for preciso faremos a guerra".

- Essa história está ficando cada vez mais esquisita - comentou a doutora Rankin. - Ontem ouvimos Joan Jett, e hoje transmitem o Selo do Presidente dos EUA!

- Joan Jett? - Indagou Taisuke, franzindo a testa.

- Rock'n'Roll, século XX - explicou rapidamente a comandante. - Foi ontem, antes de você sair do sono criogênico. Alguém de Kepler-186f está transmitindo "I Love Rock 'n' Roll" sem parar. Como uma espécie de radiofarol para astronaves em trânsito.

- Casualmente, nós - disse a doutora Rankin em tom cético.

- Não há isso de casualidade - ponderou a comandante. - Ou sabiam que vínhamos ou preparam-se para essa possibilidade, graças à nossa indiscrição eletromagnética.

- "Indiscrição eletromagnética"? - Repetiu a doutora Rankin. - Poderia explicar isso em termos que uma médica do interior possa entender?

Pajak recostou-se em sua poltrona e cruzou as mãos sobre o ventre antes de responder.

- Houve um período na história da humanidade em que estivemos emitindo sinais de rádio, TV e radar... radiação eletromagnética artificial... para o espaço exterior. Isso durou cerca de dois séculos até que novos sistemas de telecomunicação substituíssem essas modalidades primitivas. Com a tecnologia adequada e uma boa dose de paciência, não é impossível que esses sinais antigos tenham sido captados nas nossas vizinhanças estelares por eventuais civilizações alienígenas, à medida em que avançavam para mais e mais longe. Todavia, isso...

E fez um gesto para a imagem estática na tela frontal.

- ...isso é quase uma impossibilidade probabilística. Qualquer sinal oriundo da Terra chegaria muito fraco aqui para poder ser reconstituído com tamanha riqueza de detalhes.

- E você precisa ouvir a transmissão de ontem - atalhou a doutora Rankin para a jovem tenente. - Tão boa quanto qualquer coisa que tenhamos armazenada nos bancos de dados da Dânae.

Na tela frontal, a imagem do selo presidencial piscou. Depois, a imagem tremeu e subiu e desceu ligeiramente, como se alguém estivesse ajustando a imagem.

- O que está fazendo, Dânae? - Inquiriu a comandante Pajak.

- Não sou eu, comandante - respondeu a nave, através de um alto-falante oculto. - A imagem que estão vendo é uma transmissão de TV, no antigo padrão analógico NTSC dos Estados Unidos.

- TV? - Indagou a doutora Rankin, posicionando-se ao lado da poltrona da comandante.

A tenente Taisuke postou-se na lateral oposta. As três mulheres olharam fixamente para a tela frontal, onde o selo presidencial tremeluziu e dissolveu-se revelando a imagem de um homem sorridente, de terno e gravata negros e camisa branca, que as olhava como se fossem velhas amigas.

- Tripulantes da "Dânae", em nome do povo de Jezebel, eu as saúdo! - Exclamou o homem, num inglês arcaico, mas reconhecível.

E levando a mão ao peito, acrescentou:

- Permitam que me apresente. Eu sou o presidente Ronald Reagan.

[16-03-2015]