A Máquina

É certo que o som se propaga no ar através de ondas que se difundem a uma velocidade de 331 metros por segundo.

Essas ondas cujo comprimento é chamado de freqüência, possuem a propriedade de ao serem emitidas por uma fonte qualquer, se propagarem no ar aumentando cada vez mais seu comprimento de modo que a informação sonora fique cada vez mais reduzida, porém, íntegra.

Se houvesse uma máquina capaz de identificar uma determinada freqüência e intensidade do som, isto é, seu espectro de emissão e faze-lo reverter ao seu inicio, seria possível, ouvir e entender esse som e a informação que contivesse, independente de quando foi gerada no espaço-tempo.

A velocidade do som, 331 m/s significa uma distância percorrida em um ano de aproximadamente 10.295.424 Km, distância que a onda sonora estaria de sua fonte emissora nesse período de tempo.

Convertendo em velocidade da luz, significa que o som percorre 34 segundos/luz em um ano, aproximadamente. Isto significa que uma onda eletromagnética (ou algo ainda desconhecido) emitida num instante T=0 alcançaria uma onda sonora que foi emitida há 2000 anos no instante T=18,3 horas viajando na velocidade C, ou seja, 300.000 Km/segundo.

A máquina da reversão sonora (chamou-a assim por ora), deveria ser capaz de reverter qualquer número como esse para zero e então transferir seu resultado para um dispositivo de reprodução que nos faria ouvir novamente a mensagem na sua freqüência de emissão.

Dizem que o inverno de Londres rivaliza com seu verão em termos de fog. Naquela tarde sobre a Bloomenshire Street, a neblina escondia até mesmo o rosto de quem passasse ao lado. Envolvido por seus pensamentos, Neville Francis Burton, cientista de renome, acalenta em seu espírito uma idéia que o faz tremer ao mesmo tempo de ansiedade e temor.

Com passos urgentes dirige-se ao prédio da Royal Society para encontrar seu fiel amigo Sir Thomas Winston Fearmore, físico de renome mundial, para ajudá-lo em sua temerosa ainda que movida pela emoção, experiência científica.

A gravação de um som corresponde a sua captura por um meio qualquer de seu espectro de emissão, isso significa que o conteúdo gravado nunca se expandirá, permanecendo o mesmo até ser reproduzido. A partir de sua reprodução, porém, o som emitido já estará a 331 metros do aparelho reprodutor no intervalo de um segundo, sendo praticamente inaudível por alguém que estivesse também nessa distância da fonte emissora, visto que a amplitude da onda atingiria uma alta freqüência, muito além da capacidade do ouvido humano. Um gravador de freqüência quântica especial, capaz de registrar altas freqüências, colocado nesse ponto a 331 metros de distância, do que chamaremos de ponto segundo, seria capaz de gravar essa mesma onda sonora. Sabemos que a freqüência de uma onda sonora se amplia na faixa de 20Hz a 20 kHz a cada segundo, face a isto revertemos a gravação para o inverso desse valor e assim obteremos o registro inicial desse som.

O que você me diz, Thomas? pergunta ansioso.

Digo que está na hora de mais um copo, meu amigo, responde com simpatia Sir Thomas.

Dirigindo-se para a grande estante de caoba, onde quase escondida pelos austeros volumes da The Anglo American Enciclopaedia, edição de 1902, uma garrafa reluzente do dourado líquido das Highlands, já na metade, o aguarda, Sir Thomas ao mesmo tempo em que completa seu copo e o de seu amigo, declara:

— Apenas uma idéia como essa, exposta, com seu brilhantismo habitual, entre pouquíssimas coisas deste mundo superficial, é capaz de merecer minha atenção meu amigo, além é claro de certas curvas que conheço.

As linhas de sua explanação estão perfeitamente corretas.

A questão é: poderemos determinar a identidade física de uma onda sonora, isto é, saberemos dizer a qual fonte emissora tal espectro pertence, independente do momento no espaço-tempo em que foi emitido? Se isto for possível, a captura de uma onda sonora em qualquer ponto de sua freqüência já nos bastaria para o processo de reversão e dessa forma, sua gravação e reprodução pelo gravador quântico. Mas, quais as implicações relativísticas dessa emissão da onda captora, vamos dizer assim, que viaja na velocidade C e nós que permanecemos na velocidade zero?

Sabemos que qualquer objeto viajando na velocidade C ou próximo dela é afetado em sua forma e principalmente pela dilatação do tempo. Em sua viagem de 18 horas/luz, quanto tempo realmente passará para esse intrépido viajante e para nós que esperamos?

Assim meu amigo, por hora só me resta providenciar outra garrafa desse magnífico blend e ficar esperando sua resposta.

Era isso, Sir Thomas com seu raciocino relâmpago e arguto havia ido direto ao cerne da questão: como determinar a identidade física do espectro sonoro e como escapar ao efeito relativístico sobre o tempo?

Após mais algumas horas de agradável conversa que variou da física teórica até os novos movimentos literários que tanto desagradavam Sir Thomas, devido, segundo ele, ao seu mero caráter experimental, Neville já um tanto obscurecido pelo magnífico néctar, pediu licença ao seu amigo para se retirar, quando ao passar pelos volumes da biblioteca notou um chamado “Scinde, or, The Unhappy Valley”, antes que tocasse no livro ouviu a voz de Sir Thomas:... “foi escrito por um dos nossos, que, aliás, lembra o seu nome, leve-o e leia depois lhe empresto outros do mesmo autor e tenho certeza que será mais uma descoberta que fará em sua vida meu caro”.

Neville pegando o livro agradeceu a sempre gentil disposição de Sir Thomas para com ele e saiu para a rua.

Foi quando seu olhar cruzou com o de Sabine, farol azul no fog cinza. . .