Atlantis Is Calling

- Se estivéssemos viajando à velocidade da luz e disparássemos um míssil, correríamos o risco de acertar a nós mesmas?

A pergunta feita em tom casual quebrou o silêncio tenso da ponte de comando. Na obscuridade reinante, o sorriso de Sonya Pajak brilhou em tons de rubi, à luz sangrenta dos monitores de sensoriamento remoto. Virou-se para o console atrás do qual estava a médica de bordo e comentou:

- Doutora Rankin, me diga que eu não a ouvi fazendo essa pergunta...

Iva Taisuke parou por um momento a calibragem das baterias de mísseis antidetritos e balançou a cabeça negativamente.

- Nenhuma chance, doutora. Nunca iremos tão rápido quanto a "Atalanta".

Apertou uma tecla e quatro colunas de dígitos alfanuméricos cruzaram velozmente a tela. Finalmente, pararam.

- Por falar nela, - disse Pajak - estamos próximos de cruzar o local onde deixou de transmitir há 250 anos.

- Corremos perigo? - Indagou a médica.

Iva Taisuke digitou uma nova sequência numérica em seu terminal antes de responder.

- Segundo Dânae, estamos sofrendo de paranoia.

- Perdão, tenente - atalhou a nave, com seu tom polido habitual. - Disse apenas que os dados de que disponho são inconclusivos e que talvez esteja culpando os presumidos habitantes de Kepler-186f por um crime que não cometeram.

Taisuke olhou pensativa para o local na parede onde deveria estar o alto-falante oculto que transmitia a voz da nave.

- Crime, você disse, Dânae.

- Crime, tenente Taisuke - retrucou Dânae em tom educado, mas firme. - A "Atalanta" era uma nave senciente.

- Talvez seja apenas coincidência, mas é uma coincidência bastante suspeita - opinou Mirabelle Rankin.

- Como eu dizia... - disse Iva Taisuke. No monitor à sua frente, quatro baterias de mísseis estavam ativas e prontas para disparar. "Não vão nos pegar de surpresa", pensou a jovem.

- Senhoras, - disse a comandante Pajak em tom solene, fazendo um gesto para o centro da tela de observação frontal, onde via-se apenas a escuridão do espaço pontilhada de estrelas - em mais alguns instantes, estaremos ultrapassando o último ponto registrado pela telemetria da "Atalanta". Isto chama-se fazer história!

- Espero que não no sentido de Robert Scott... - murmurou a doutora Rankin.

- Quem? - Indagou Taisuke.

- Scott liderou um grupo de exploradores para chegar ao Polo Sul da Terra. História antiga - explicou a comandante Pajak.

- E conseguiu?

- Em segundo lugar. Outro grupo, liderado por Roald Amundsen, chegou um mês antes dele.

- Que falta de sorte!

- Isso não foi o pior - disse a doutora Rankin, ignorando o olhar de reprovação da comandante. - Ninguém do grupo de Scott sobreviveu.

- Doutora, por favor... - começou a dizer Sonya Pajak, quando Dânae fez-se ouvir.

- Desculpe, comandante. Estamos recebendo uma transmissão de rádio de um ponto à nossa frente.

- De Jezebel? - Indagou Pajak.

- Não, comandante. Vou colocar no áudio - respondeu a nave.

As três mulheres ouviram um "bip-bip" vindo do sistema de áudio. Depois, uma voz masculina:

- Fala "Atlantis"! Pode nos ouvir, "Dânae"? Câmbio!

- "Atlantis"? - Perguntou a doutora Rankin.

- Pode ser uma referência ao antigo ônibus espacial "Atlantis"... - ponderou a comandante. E rapidamente:

- Vou falar com eles, Dânae.

- Canal aberto, comandante - respondeu a nave.

- "Atlantis", eu sou a comandante Sonya Pajak da nave interestelar "Dânae". O que desejam?

Houve um breve silêncio, seguido por novos "bip-bip".

- "Dânae", somos a sua escolta. Queiram nos seguir, por favor.

- Escolta, "Atlantis"? - Indagou a comandante. - Contra o quê nos protegem?

Outra pausa e novos bipes. Depois, a voz retornou, em tom exasperado:

- Ora, comandante Pajak! E o quê mais poderia ser? Russos, claro!

[27-04-2015]