Meia-vida

Há seis meses eu não via o meu amigo Y. (os que me conhecem devem saber precisamente a quem me refiro, pois só tenho um amigo cujo nome começa por Y), e casualmente, naquela sexta-feira à noite, encontrei-o no Clube, na sala reservada aos não-fumantes, lendo um jornal vespertino. Chamou-me a atenção que seus cabelos, outrora negros, começavam agora a ficar grisalhos nas têmporas.

- Alvíssaras, meu caro Y.! - Cumprimentei-o efusivamente. - Que bons ventos o trazem?

- Bons ventos que me levarão de volta em não muito tempo - retrucou ele em tom jovial. - Minha demora na cidade será curta. Amanhã mesmo estarei de volta para... bem, você sabe onde.

E me piscou um olho.

- Então o seu sumiço todos esses meses... - principiei eu, deixando a frase pelo meio.

- Sim! Após anos de busca, encontrei a entrada secreta. E o mais irônico, acredite, é que só atinei com a localização após ler os estudos de Madame Curie.

- Madame Curie? Creio ter visto algo sobre o Nobel... ela o ganhou novamente ano passado, correto?

- Sim, a primeira pessoa a ganhar duas vezes um Nobel!

- Mas o que isso tem a ver com a sua descoberta? - Indaguei, intrigado.

Y. encarou-me com uma expressão divertida.

- "O que a ciência tem a ver com a fantasia", é o que quer dizer?

Senti-me embaraçado.

- Bem... não me entenda mal. Afinal, você acaba de dizer que encontrou a entrada secreta. Então deixou de ser fantasia, suponho. O que me intriga é qual parte dos estudos de Madame Curie contribuiu para o seu sucesso.

- A radioatividade - respondeu ele.

- Não percebo...

- A entrada secreta só pode ser encontrada através de um detector de radioatividade. Fora isso, é perfeitamente invisível para a vista humana.

- Suponho então que você construiu este detector...

- Precisamente! E numa aurora do solstício de verão, junto ao lago Bassenthwaite, finalmente eu me deparei com o portal.

- Isso foi seis meses atrás?

Y. balançou negativamente a cabeça.

- Seis meses aqui fora. Para mim, lá se passaram 10 anos!

Apontei para seus cabelos grisalhos.

- Perguntava-me como poderia ter envelhecido tanto em apenas seis meses!

Y. apenas sorriu.

- Pois foram 10 anos. Dez anos de bem-aventurança. Mas, como pode perceber, se me demorar lá mais três ou quatro anos daqui, provavelmente jamais retornarei ao nosso mundo. O ritmo do tempo entre os Sídhe transcorre de modo diferente.

Balancei a cabeça, sem dizer palavra, meditando no que acabara de me ser dito. Y. trocara sua existência no tempo real pelo mundo de sua descoberta, onde sua existência, pela nossa contagem de tempo, seria abreviada.

- E no entanto você me parece perfeitamente feliz com essa perspectiva de... meia-vida - disse eu finalmente.

- O que me importa este mundo, - retrucou Y. - quando lá encontrei a minha felicidade?

Não pude senão dar razão a ele.

[17-05-2015]