Futurismo - parte 1

Fora Constantinus, o grande empresário liberal de Capitalismópolis, quem principiara a discussão:

- Se o alimento, que é tão vital para os humanos, pode ser industrializado - como dizem os comunistas - tão "porcamente", por que o oxigênio deveria ser uma exceção? Perguntaram-me certa vez: "qual a diferença entre 'roubar' comida e 'roubar' oxigênio?"

Era um sujeito que causava medo, grande e gordo, dono de suíças negras, lábios grossos e um pescoço troncudo. Bom argumentador, tinha uma voz aguda que ecoava facilmente e um sorriso que era sempre impossível descrever. Enquanto falava, a sua longa língua verruguenta, ainda repleta de restos do almoço, espalhava saliva para todos os lados. Usava um longo chapéu sobre a enorme cabeça e, entre uma baforada e outra - pois tinha à mão seu charuto -, citava nomes como Adam Smith, Churchill, Ayn Rand e Mises.

Quando tossia, parecia dizer: "Marx-é-um-vagabundo!", levava a mão à boca, pigarreava uma ou duas vezes, e parecia dizer desta vez: "John-Rawls-também!"

- Vejam bem, vejam bem - prosseguiu, rindo largamente. - Tenho bilhões no banco ao mesmo tempo em que muitos morrem de fome. "Por qual razão?", pergunto. Por duas apenas. Primeiramente, eu não quero lhes dar o meu dinheirinho. Em segundo lugar, o Estado, como sabemos, não pode nem deve intervir, tendo o mercado que ser livre sempre, tão livre a ponto de transformar os homens em mercadorias. Sejam otimistas, meus caros senhores, tudo o que precisam para serem felizes vocês já possuem, mesmo que não possuam nada ou que lhes seja tirado o que ainda lhes resta. Sartre disse que é impossível o homem deixar de ser livre, ainda que esteja sob uma ditadura. Peço liberdade, sim peço liberdade para o mercado, mas que mal haveria se tirasse a de vocês?

- Sartre era socialista - disse alguém no meio da multidão.

Constantinus procurou-o com os olhos, mas não o encontrando, lançou um sorriso malicioso ao público. Os dentes que se revelavam dentro da boca eram de ouro puro.

- Eu sei - disse. - Mas isso não desmente o que eu alego. É uma amalgama de ideias o que proponho. Nietzsche, que era uma aristocrata, - ressaltou o aristocrata aqui. - disse que devemos amar o destino, seja ele qual for. A escravidão bate hoje às portas, senhores, conformem-se. Sigam o grande exemplo de Jesus, não briguem pelas vestes nem pela capa, permitam-se ser crucificados dias após dia. Olhem, a lua! - exclamou de repente. O público atendeu-lhe, olhou para o céu e a avistou. - É a última vez que a vêem vocês, os namorados. Comprei-a! A partir da próxima noite não mais a encontrarão no céu, tornar-se-á ele mais escuro e as noites mais tristes. Perguntar-lhes-ão seus filhos: "como era a lua, mamãe? ela mesmo tão iluminada, papai?", e vocês dirão que não se lembram mais de como ela realmente era, embora a achassem muito bela quando jovens erguiam a cabeça e a avistavam no firmamento, estonteante e soberana.

A seguir, o empresário apontou para uma enorme sala e dirigiu-se até ela com passos pesados que faziam o chão estremecer, mas como se tratava de uma multidão, apenas algumas pessoas tiveram a oportunidade de adentrá-la com ele. Eu, Minotaurus X2p, fui um dos poucos que tiveram este prazer. Ou desprazer.

De repente, ele estendeu o braço e fomos convidados a entrar em uma sala muito grande, com numerosos robôs, que se organizavam em fileiras extensas, sentados diante de telas e mais telas, nas quais assistiam com atenção. Assim que me aproximei, dei-me conta de que as telas eram observadas por seres humanos - pois haviam alguns seres humanos lá - transmitiam cenas de filmes pornográficos e muitas outras imagens imorais. Alguns inclusive se masturbavam.

- Aqui vigiamos tudo - disse Constantinus, com voz cordial. - Ou, pelo menos, podemos vigiar. Nestas muitas câmeras podemos observar cada centímetro do universo. Não me critiquem por isso, é necessário, uma questão de segurança! Não por caso Deus é onisciente, digo isso porque creio muito em Deus. A discrição é perigosíssima, precisa ser eliminada, tudo deve ser visto, revelado, vigiado! é questão de saúde pública.

Haveria de ser interrompido naquele momento.

- Olhe, Marximus, a vadia enfim entrou no banheiro! - exclamou um dos vigias que ficavam sentados assistindo a uma daquelas muitas telas espalhadas pelo salão. Deu uma cotovelada no amigo sentado ao lado e imediatamente inclinou-se para a tela e enfiou as mãos dentro das calças. - Vai, vadia, tira a roupa, tira, tira! - dizia enquanto franzia o rosto e se masturbava. - Isso, vadia, isso, senta no vaso, senta! - concluiu com um orgasmo, dando lugar ao cansaço.

- Que absurdo! - uma das visitantes disse, depois que o vigia desligou a tela e passou a dormir.

- O que é absurdo? - perguntou o empresário.

- Vocês "vigiam" banheiros femininos!

- Ah, vocês acostumam - respondeu, sem esboçar surpresa. - Coisas horríveis podem acontecer em qualquer lugar, até mesmo dentro de um banheiro feminino, assassinatos, violentíssimos crimes! Todo homem e toda mulher, que não teme a lei nem tem o que esconder, pode ser vigiado em qualquer lugar e hora.

- O safado só se masturbou! - exclamou a visitante, estarrecido.

- Isso é problema dele, não seu - respondeu secamente. - Olhe bem, o pobre diabo estava apaixonado. Ele não estuprou ninguém nem forçou ninguém à nada. Usou a imaginação apenas. Não vá me dizer que já pediu a permissão de alguém antes de se masturbar pensando nele? Ah, faça-me o favor, senhorita! Sejamos sérios, meu irmãos!

_