Diário de Bordo

I

Acordamos levemente sobressaltados, uma tênue claridade adentrando pelas vidraças.

Os relógios do quarto estavam parados... Obviamente não poderia ser nem três horas da tarde e muito menos, três da manhã!

Ao que parecia, todos da rua tivéramos a mesma idéia de sair para verificar a situação.

Nossas aparências tornavam a situação ainda mais surreal...

Dentro de pijamas com estampas inusitadas, tinha gente realizando as mais prosaicas ações; escovando os dentes, secando o rosto e cabelos, fazendo a barba ou tomando café... Nos cumprimentamos e paramos estáticos no meio da rua, tentando captar o quê exatamente estaria errado.

Não sabíamos sequer os nomes uns dos outros, pois, não era costume da vizinhança criar laços de amizade.

Apenas fazíamos os cumprimentos sociais de forma cordial ao nos depararmos uns com os outros.

Naquele momento ficou claro para nós que algo estava muito errado e que não se tratava apenas de uma sensação pessoal.

_ Bom dia! Alguém tem horas?

_ Nossos relógios também estão todos parados...

_ Que silêncio assustador!... Poderia ser madrugada, não fosse por esta claridade estranha...

_ Ali, naquela direção, seria o Sol?!

_ Ali?! O "quê" ele estaria fazendo ali?...

_ Pelo que verifiquei, estamos todos sem eletricidade, rádio e os carros não pegam.

Conforme dialogávamos, íamos nos dando conta que nossa situação, que de início parecia ruim, na verdade estava péssima.

_ Não há nuvens nem se vê o azul do céu. Está tudo branco, opaco, parece que uma névoa densa permanece lá no alto, tapando o Sol.

_ Houve algum abalo sísmico? Alguém sentiu algum terremoto?

Ninguém?...

_ Sem vento ou brisa... Nenhum avião cruzando o céu, nem aves voando...

II

Entrávamos em casa apenas para alguma necessidade urgente e logo retornávamos à rua, onde a presença humana transmitia alguma tranquilidade.

O atmosfera parecia normal, e não fazia nem frio nem calor.

Cada um se ajeitava no chão ou nas cadeiras que traziam.

Estávamos calmos, pois fisicamente não nos sentíamos ameaçados, embora bastante apreensivos, sem saber exatamente o que deveríamos fazer.

_ Olhem, encontrei vários pássaros mortos no chão!

_ Aqui também há alguns!!

_ Meu Deus, isso tudo é terrível... Terrível...

_ Li que as aves se orientam pelo campo magnético da Terra...

_ Alguém tem uma bússola?

_ Será que fomos atingidos por um meteoro?!

_ Descarto o meteoro, pois estamos bem e tudo está intacto.

_ "Nós" estamos intactos, mas estamos em grande altitude e bem longe do mar. Como estarão as cidades costeiras?...

_ Mar... Se os pássaros morreram, espécies marinhas devem ter morrido também...

_ Perdemos o Tempo, literalmente! Quero dizer, o tempo não passa, a claridade ainda é a mesma e o Sol está no mesmo lugar...

_ Este silêncio abismal... Nem ao longe se ouve uma sirene qualquer. Nem polícia, bombeiro, ambulância... Parece até que o mundo sumiu!

_ Sumiu!?? Na Bíblia diz que no fim dos tempos os bons serão arrebatados em vida...

_ Olha, eu me considero um bom Cristão e creio humildemente, que há gente melhor do que eu entre nós! Além disso, só sobraria a nossa cidade para trás? Impossível!...

_ Gente, tem pássaro vivo, agonizando!

_ Vamos tentar salvá-los! Podem ser os últimos! Alguém traga uma caixa de primeiros socorros, ração e água. Vamos reuni-los no centro da rua e fazer o melhor possível!

_ Há tempos se fala numa inevitável mudança dos pólos magnéticos que estaria para ocorrer. Seria esse o motivo?

_ A Terra parou... Paramos de girar...

_ O quê??! Pelo que sei, giramos em torno do Sol e em torno de nós mesmos, num eixo inclinado. Não podemos parar!!

_ Sim, por isso temos dia e noite, as quatro estações no ano...

_ A água da Terra e as plantações não dependem desses movimentos?!

_ Ai, meu Deus, tenha piedade de nós!

_ Calma, gente! Não podemos entrar em pânico! São apenas conjeturas... Vamos reunir os fatos de forma bem objetiva.

_ Temos Gravidade, literalmente. Quero dizer, a Lei da Gravidade...

_ Não parece que estamos nos afastando, nem nos aproximando do Sol... Se estamos, é imperceptível.

_ Nossa Lua e outros planetas servem de escudo à Terra, pelo que li, contra o impacto direto de asteróides, por exemplo... Se sairmos da rota, estaremos desprotegidos!...

_ Sou só eu, ou todos estão cansados?

_ Eu estou morto... Mal me aguento em pé.

_ É! A claridade deixa o cérebro confuso, mas não engana o corpo.

Pode até ser que já estamos acordados há dias...

_ Parece que por ora, estamos bem... Vamos tentar dormir um pouco.

_ Com este clima que não se altera, vamos trazer o necessário e dormir por aqui mesmo. Não quero correr o risco de acordar sozinha em casa, com uma catástrofe maior ainda...

_ Isso! Comer e dormir. Ao acordar, se a situação for a mesma, vamos nos organizar para enfrentar o futuro.

Extenuados, dormimos profundamente, apesar da claridade contínua e estável.

III

_ Bom dia! Bom dia! Vamos acordando pessoal e pôr mãos a obra! Porque está tudo na mesma!

_ Me deixe dormir mais!... Afinal, porquê tanta animação?

_ Estou feliz por estar vivo e ver que nada piorou!

_ Isso mesmo! Vamos trabalhar! Há muito a ser feito.

_ Alguém poderia se encarregar de formar uma equipe para fazer as nossas refeições?

_ Eu vou formar um grupo de estudo para tentarmos entender melhor a situação e estudar nossas opções.

_ Eu vou organizar um celeiro e formar uma equipe para procurar provisões.

_ Quem pode se encarregar do abastecimento de água potável?

_ Minha opinião é que devemos garantir a nossa segurança e nos mantermos coesos. Só depois que estivermos bem estabelecidos, sairmos para lugares mais distantes em busca de outras pessoas.

_ Eu e minha mulher decidimos partir agora mesmo. Nossos filhos moram fora e vamos tentar encontrá-los.

_ Eu também estou de partida. Vou andar por aí... Não aguento ficar sem saber o que pode estar acontecendo a minha volta.

Desejem-me boa sorte!... Voltarei imediatamente se me deparar com boas notícias!

Nós, que restamos, nos organizamos para enfrentar a nova situação.

Como não surgiu ninguém de fora, imaginamos que a situação difícil era geral.

Ter equipes trabalhando por todos e podermos nos reunir antes de dormirmos para ouvir os líderes de cada uma, nos dava a sensação de segurança, de termos a situação sob controle.

Tornou-se um ritual, antes de dormirmos, olharmos para o Sol por alguns minutos, como que para nos certificarmos de que estávamos à mesma distância, nem mais perto, nem mais distante dele.

Nossa maior preocupação era conseguirmos fazer brotar as sementes, o que não estava sendo fácil, e encontrar formas de garantir o fornecimento de água.

EPÍLOGO

A Terra precisou sair da rota para que aprendêssemos a nos unir e a nos preocuparmos com o próximo...

Menos um significava maior solidão, e ninguém queria ficar só neste novo e estranho mundo.

Havíamos conseguido ter certa estabilidade, porém, o futuro era algo totalmente insondável.

Aliás, sem dia, pois, o que víamos, era um eterno "entardecer", e sem noite, não havia mais o ontem, o hoje e o amanhã, somente o agora...

A Terra se tornara uma enorme nave errante, sem pilotos e a mercê de um destino desconhecido.

Mas, como disse um dos nossos:

_ "Quem pode ter a certeza de que toda esta mudança não foi para melhor!?"

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Allba Ayko
Enviado por Allba Ayko em 27/09/2015
Reeditado em 27/09/2015
Código do texto: T5395836
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