Os Terroristas

Os idiomas humanos eram, de certa forma, fáceis de aprender. Os humanos já haviam superado a fase “hieroglífica” a alguns milhares de anos e, no momento da colonização, já viviam a era da fonética e da gramática. Mesmo que a invasão não tivesse acontecido, era provável que os humanos nunca chegassem a era sensorial da linguagem. Naquele planeta, nenhum ser conhecido produzia as substâncias necessárias em seu cérebro para capacitá-los para tal. Aliás, o ser humano era, ali, o animal com maior capacidade cognitiva e com o cérebro mais evoluído.

Klaak'i lia dois livros simultaneamente, enrolado em seu casulo dentro de uma das muitas colônias subterrâneas que sua civilização instalara naquele planeta. Na realidade, seu nome não era aquele, fora traduzido por ele mesmo para a fonética humana a partir da linguagem sensorial de sua raça, não era tão preciso, mas era próximo e bastante divertido. Em sua placa de leitura podia ler até 4 livros digitalizados, simultaneamente, mas naquele momento estava se divertindo muito com um tratado de direito penal escrito em francês e um exemplar da bíblia sagrada em sua versão em grego da igreja ortodoxa. Os humanos eram seres interessantíssimos, a sua reduzida capacidade intelectual fazia com que suas obras tivessem certas falhas lógicas quase artísticas.

Klaak'i sentia muito pouca falta de sua antiga casa, gostava daquele planeta selvagem. Sua civilização originalmente surgiu em uma enorme lua na órbita de um planeta gigante gasoso. Uma chuva de meteoros conseguiu destruir tudo o que uma civilização de 60 mil anos havia construído. O esforço de todos conseguiu desenvolver, no entanto, uma frota capaz de transportar toda a civilização, bem como vários exemplares de cada espécie da fauna e da flora que iriam migrar para um outro planeta de tamanho semelhante, que já era colonizado por uma civilização jovem que deveria ser exterminada para o conforto e bem-estar dos colonos.

Klaak'i participara da guerra. O conflito durou 7 horas. A infraestrutura militar humana fora desmantelada nos primeiros minutos com pulsos eletromagnéticos lançados a partir do espaço. Os feixes de plasma e as bombas de nêutrons fizeram o resto do trabalho. Klaak'i operava uma das estações de ataque, matou pouco mais de dois milhões de humanos. A invasão fora bem-sucedida, o limite razoável de exterminar 99,3% da população humana fora atingido com a precisão esperada. Não era ético exterminar toda uma espécie, mesmo que isso fosse questão de vida ou morte para a raça de Klaak'i. Mesmo que os poucos que restassem ainda causassem sérios problemas, não era ético.

Klaak'i interrompe suas leituras após escutar um estrondo terrível nos andares superiores. “Aqueles primatas insolentes” - pensou ele. Desenrolou-se saindo rapidamente de seu casulo. Acionou a vestimenta de combate enquanto ia para o corredor em direção as cápsulas que levavam diretamente às estações de defesa. Escutava os mecanismos automáticos de defesa externa disparando os feixes de plasma. Chega a estação quase no mesmo instante que os outros dois defensores daquele setor, já vestidos com as roupas de segurança e exalando os feromônios pelas glândulas de oxandrolona situadas na cauda. Via, por uma das câmeras holográficas, uma fêmea humana correndo com um rifle automático de projéteis em punho, um dos feixes de plasma quase a acertara no momento em que se escondia atrás de um barranco onde os sensores térmicos indicavam um pequeno agrupamento de humanos.

Klaak'i sobe em sua estação, mas ao colocar o capacete um clarão incrível atinge seus 4 olhos multifacetados. O clarão absoluto é seguido por uma explosão de fogo e aço que joga Klaak'i, junto com o capacete, em direção ao teto com toda violência. A força da explosão rasga a roupa de combate de Klaak'i que cai novamente ao chão que começava a entrar em colapso em trincas e rachaduras que aumentavam a cada fração de instante. Klaak'i, meio zonzo, vê uma cauda decepada jogada no chão. O rabo escamoso, todo dilacerado, contorcia-se em violentos espasmos de desespero. Klaak'i sente dor, olha para seu corpo, havia perdido sua cauda, no lugar só o sangue amarelo e viscoso que escorria aos montes do lugar onde deveria estar seu rabo.

A dor e o ódio enebriam seus sentidos. Klaak'i lembra-se do livro em inglês que estava lendo na noite anterior. Uma analise sobre os conflitos na história humana moderna. Lembrou-se do nome que o livro utilizava-se para designar aquele grupo de humanos que acabara de realizar o ataque que destruíra sua colônia: “Terroristas” - murmurou Klaak'i em uma das línguas terráqueas, a voz crespa e abafada saiu na direção inversa do sangue viscoso que descia através de suas duas laringes.