O Nada

Esse era um daqueles momentos em que você não sabe muito bem o que fazer ou pensar. Me sentia tonto, desorientado e a cabeça doía um pouco. É como se estivesse com ressaca, porém não bebo desde minha adolescência. Olhei em volta para me situar. Estava dentro de um quarto pequeno, sem janelas. Me levantei da cama para olhar melhor em volta e vi um guarda-roupa do lado esquerdo e do direito uma pequena cômoda. Era mobília simples, em madeira, que ao olhar pareciam maçicas e tinham um ar de austeridade. Pareciam pertencer a alguém mais velho. E na minha frente uma porta fechada.

Não lembro como cheguei e muito menos quem me trouxe. Apenas me recordo de adormecer na noite passada. Por um instante parei pra pensar que também me fugia o que tinha feito no dia anterior, tudo estava confuso. E eu estava sozinho nesse quarto desconhecido. Resolvi me levantar da cama e mexer na maçaneta da porta, assim que girei percebi que não estava trancada. Esperava que o sequestrador fosse mais zeloso. Senti medo, e se me pegassem mexendo na maçaneta? Não sei se era pior abrir a porta e fugir ou simplesmente ficar e esperar por eles. De qualquer modo eu estava lidando com o desconhecido, qualquer opção me levaria para uma estrada escura. Por que me sequestrariam? Não sou rico, muito menos minha família. Isso eu consigo me lembrar perfeitamente. Colei a orelha na porta, na tentativa de ouvir pessoas. Nenhum som, o silêncio reinava. Talvez eu estivesse sozinho. Resolvi abrir uma pequena fresta na porta, para ver o que me aguardava do outro lado.

Abri bem devagar e de leve, tentando fazer o mínimo possível de barulho. Então olhei pelo espaço estreito. Havia ninguém lá fora, assim como não existia um quarto ou um corredor. Eu vi solo marrom e céu azul. Era um contraste bonito, mas não fazia sentido. Abri totalmente a porta e dei um passo para fora. O ar era frio e agradável. Olhei para o horizonte plano, não haviam montanhas, morros ou depressões. Era perfeito, como se alguém tivesse traçado uma linha reta para separar o céu da terra. Me dava a impressão que não acabava nunca, como se fosse infinito. Olhei para o céu, que estava sem nuvens, procurei mas não encontrei o sol, é como se a claridade viesse de lugar nenhum. Após alguns segundos observando concluí que não havia muito o que admirar, a paisagem era parada e monótona. O silêncio era absoluto, não havia barulho de vento soprando e muito menos o som de animais que talvez morassem por ali.

Olhei para o local de onde eu saí, era uma pequena cabana de tijolos, o quarto era a única coisa que existia. Resolvi entrar e procurar por qualquer coisa que fosse útil ou desse pistas desse lugar esquisito. Abri o guarda-roupa e havia roupas femininas. Na pequena cômoda, nada.

“Ei você, o que faz na minha casa? Quem é você?”

Levei um susto. Uma mulher estava parada na porta, usando um vestido azul. Ela era morena, o cabelo cacheado estava amarrado com um lenço. Nas costas uma espingarda. E um olhar entre a fúria e a confusão.

“Levante as mãos! Te mato se você fizer algo”, e pegou a espingarda que estava em suas costas. Apontou para mim.

“Tenha calma, por favor. Não sei aonde estou nem como vim para cá.”

Foram mais alguns segundos do silêncio absoluto, ela me observando e eu a ela. O tempo pareceu parar. Ela me estudava e parecia estar tentando tirar alguma conclusão. Eu estava com as mãos para cima e me sentia assustado.

“Você disse que não sabe como chegou aqui”, ela falou, quebrando o silêncio entre nós.

“Sim.”

“Também não sei como cheguei”, e lágrimas brotaram dos seus olhos. “Quando vim para cá encontrei uma mulher. Foi a última vez que vi alguém. E agora você. Até achei que estava alucinando. Quem é você?”

“Me chamo Pedro. Dormi noite passada e acordei aqui, na sua cama. Não sei quem me trouxe e nem que lugar é esse. Parece que estou com algum tipo de amnésia. Aqui é tão silencioso.”

“Meu nome é Maria. Não acordei em uma cama e sim deitada no chão. Encontrei essa casa depois de vagar algumas horas pelo nada. Pertencia a uma senhora, parecia doente. Ela também não sabia como veio para cá. Morreu nessa cama, acabei herdando essa casa. Não sei quanto tempo estou aqui, nunca anoitece. Só há silêncio”. Após falar isso ela baixou a arma e enxugou as lágrimas. “E agora você aparece”.

Baixei as mãos e fiquei menos tenso. Não sei o porque, mas senti que eu deveria pegar aquela arma. Parecia um deja vu, é como se esse acontecimento já tivesse acontecido antes comigo. Pulei em cima dela e a empurrei. Ela caiu para fora da casa, mas não largou a arma. Tive que puxar a espingarda de suas mãos. Assim que consegui a arma,, mirei para seu rosto.

“Eu sabia que isso ia acontecer, eu sabia!”, ela gritou chorando, “não havia como terminar de outro jeito!”

“Não sei o que estou fazendo, me perdoe”. Eu senti a culpa, mas ao mesmo tempo eu queria mata-la com apenas um tiro, na porta dessa casa.

“Eu fiz a mesma coisa com a Senhora. Eu só usei uma bala. Eu a matei, naquela cama. Precisava tomar esse lugar para mim. Sei o que você sente e sei que não adianta eu pedir e falar. Aqui é o inferno, eu estava tão sozinha! Não sei por que a matei. Não sei.”

Assim que acabou de falar começou a ter uma convulsão. Se debateu no chão e seus olhos ficaram inumanos. Larguei a arma e tentei segurar suas mãos e cabeça, para não se machucar. Não durou muito, apesar de parecer uma eternidade até ela se acalmar.

“Agora eu sei..”, ela cochichou, chorando.

“Me perdoa.” peguei a arma e dei um tiro na sua cabeça. Agora o local era todo meu, só meu.

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Era uma sala de controle com pouca luz. Vários monitores iluminando o local, com muitos gráficos sendo exibidos. Em um deles, em especial, havia a imagem de um homem. Ele estava sentado em uma cadeira, de aparência confortável. Em seus olhos, um visor, em cada ouvido, um cabo, e em cada braço, sondas. Na outra imagem, uma mulher estava sendo removida de uma cadeira similar a do homem. Dois homens de uniforme observavam os monitores, usando headsets.

“Protocolo de Execução da Prisioneira 36913 finalizado. Protocolo de remoção do corpo inicializado. Início do Protocolo de Punição do Prisioneiro 36914. O Prisioneiro já tomou conta de sua Cela.”

“Positivo. Sinais vitais normais, alimentação em níveis aceitáveis. Simulação em 100%. Tempo até a execução final: 5 anos e 8 meses. Protocolo de Punição do Prisioneiro 36914 inicializado.”

Os gráficos nos monitores mudaram e agora a imagem de outros dois homens apareceram. Um deles estava bastante velho. O outro era jovem.

“Início da Pena do Prisioneiro 36915 inicializado.”

No monitor um jovem acordava e se levantava do chão. O céu era azul e não haviam montanhas e nem morros. Ele parecia confuso.

“Protocolo de Execução do Prisioneiro 36900 inicializado.”, disse um dos homens.

O outro homem uniformizado colocou a mão no microfone do headset, para deixa-lo mudo. “Espero que dessa vez seja mais rápido, com menos drama. Quero ir mais cedo para casa, aniversário de casamento, você sabe como é.”

“Sim, eu sei”, disse o outro homem, sorrindo. Ele tomou um gole de café. “Esse Prisioneiro é o último do dia”.

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