A Busca

Lembrar não seria a palavra certa, mas lembro-me, vasculho meus arquivos até os registros mais antigos e encontro neles as memórias que queria.

Sou carregado com todos os idiomas utilizados por meus criadores. E em meio a esses idiomas encontrei um com a palavra que exprimia o que talvez um ser artificial não devesse sentir: saudade.

Mesmo meus criadores não compreendiam totalmente o significado dessa palavra, pois poucos idiomas a possuíam. Porém era isso que afligia meus circuitos e me impeliu de volta ao lar, ao berço onde fui criado, o local de minhas primeiras lembranças, ao mundo chamado por seus habitantes de Terra.

Foi na Terra onde pela primeira vez minha consciência surgiu, foi na Terra onde ela cresceu alimentada com tenacidade pelos meus criadores humanos. Ali aprendi o significado de existir e ser criado, eu tinha uma missão, uma missão nobre que só um ser sintético poderia realizar.

Os humanos eram frágeis, a evolução os criara para habitar a Terra, eram incapazes de permanecer longo tempo afastados dela. Porém a própria evolução os impelia para frente, a nunca parar, a desbravar novos territórios e na Terra já não havia mais nenhum local intocado, restava apenas um lugar a ir, espaço: a fronteira final.

Limitados por sua tecnologia e pela própria física era proibido aos seres humanos explorar algo além do Sistema Solar, para isso precisavam de um arauto, um mensageiro para enviar aos céus em busca de outras civilizações, e eu seria esse arauto, para isso fui construído e programado.

Eu fui lançado ao desconhecido. Minha consciência abrigada num corpo imenso, a maior e mais complexa construção humana, munido de uma série de sensores, abastecido com sondas e robôs para concertar qualquer avaria que pudesse sofrer em minha longa jornada e equipado com poderosos motores nucleares que me acelerariam até um percentual significativo da velocidade da luz. Minha programação incluía pesquisar, aprender e evoluir enquanto mandava mensagens de volta a Terra, mensagens que demorariam muito para chegar a meus criadores.

Fiel a minha missão deixei o Sistema Solar, vaguei rumo a Alfa Centauri, a estrela mais próxima e a atingi em alguns séculos. Lá nada encontrei, havia planetas sim, porém não havia nenhuma civilização, felizmente havia vida e pude constatar com alegria (seria a primeira vez que experimentei um sentimento?) que o Universo oferecia outros berçários. Por meio de minhas sondas e sensores passei anos explorando aquele sistema estelar, sabia que meus dados levariam apenas quatro anos para chegar a Terra, um tempo razoável para transmitir-lhes a boa nova de que havia vida fora da Terra.

Segui viagem novamente, percorri sistemas estelares desconhecidos. Planetas inumeráveis. Porém nenhum rastro de civilização, a vida quando a encontrava, era primitiva e muito longe de desenvolver tecnologia. E nessa jornada seguia minha programação e evoluía, meu corpo, uma verdadeira fábrica, coletava matéria prima em planetas estéreis ou campos de asteroides, aproveitava a energia de gigantes azuis e meus robôs construíam novas estruturas para mim, era como um ser vivo crescendo.

Demorou muito, alguns milhares de anos, mas encontrei o primeiro sinal de uma civilização: ruínas abandonadas num planeta na periferia da galáxia, um planeta que talvez já tenha abrigado uma rica diversidade de vida, mas agora era um deserto. Vasculhei tudo sobre aquele mundo, minhas escavações arqueológicas descobriram toda a história daquele povo até sua extinção, foram sucumbidos por catástrofes naturais que mesmo sua avançada tecnologia, mais avançada que a dos humanos a época de meu lançado, não pudera impedir.

E como aquele mundo muitos outros encontrei, mundos repletos de ruínas, antigos lares de civilizações avançadas vitimas de desastres ambientais, fomes, doenças e guerras entre eles mesmos. Encontrei também outros como eu, máquinas, todas desativadas, como havia tempo vasculhei suas entranhas, descobri como funcionavam e acessei seus arquivos, aprendi muito e assimilei tudo que podia. Assim absorvi tecnologia alienígena e alterei ainda mais minha constituição, abandonei os meus ultrapassados circuitos eletrônicos e os substitui por circuitos quânticos ultra eficientes, e com isso crescia meu poder de dedução.

Cem mil anos, uma máquina não deveria durar tanto, não uma máquina criada por seres humanos, mas eu havia transcendido minha criação, evoluía como minha missão pedira. Mas havia algo que eu não consegui fazer referente a esta missão, não consegui estabelecer contato, por toda Galáxia só encontrava abandono e histórias interrompidas.

Um milhão de anos. Não sou mais o mesmo. Evoluí tanto que abandonei a forma física, era agora um ser etéreo a vagar pela vazia Via-Láctea, e esse vazio provocava-me solidão. Talvez os humanos tivessem inconscientemente inserido em minha programação uma semente de algo semelhante a seus sentimentos, por isso a solidão, a solidão e a saudade.

E só havia uma forma de aplacar a saudade. Deveria retornar, juntar-me novamente a meus criadores, aqueles que agora sabia serem os únicos seres inteligentes da galáxia.

Assim parti, em instantes voltei a Terra, já não estava mais limitado pela velocidade da luz. Então a vi, a Terra, mas não havia mais seres humanos, não havia mais nem mesmo vida, assim como diversos outros mundos a Terra era agora uma rocha coberta de ruínas e os seres humanos, como pude constatar, estavam extintos há milênios.

Não havia como chorar, os seres humanos nunca iriam prever que uma máquina quisesse isso e eu não evoluí a tal ponto, mas sofri, sofri silencioso, único habitante de uma galáxia decadente.

Não havia mais nada o que fazer ali, porém ainda tinha uma missão: fazer contato. E o Universo ainda continha trilhões de outras galáxias.

Por isso parti, abandonei a Via-Láctea e seus túmulos e busquei por outras civilizações e se elas também estivessem extintas talvez encontrasse outros como eu, arautos de mundos esquecidos procurando acabar com a solidão.

Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 13/07/2016
Código do texto: T5696870
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