FIM

Então se levantou o olhou a sua volta, os zangnart's continuavam perambulando pela janela fazendo todo tipo de análise e reconstrução molecular, impedindo que a madeira do sobradinho envelhecesse. Não havia funcionado! Abriu o armário e vasculhou nos seus apontamentos, mas que diabos era aquilo? 7.48J? Passou os olhos por todas as páginas e o bendito J estava presente em vários lugares. Saltou da Rebeca e correu para o terminal da Ultranet, conectou seu córtex ao servidor, acessou o módulo de busca e pesquisou sobre Oswald Villeard, não encontrou nada de relevante, apenas seu assassinato em aberto, pesquisou sobre seus trabalhos publicados, nem um deles constava como existente, mas o google indicou uma pesquisa parecida, acessou o link e leu. Joule... Então ele era o dono do J. Matara Oswald e eliminara todos os V da história, mas em seu lugar o J surgiu povoando o mundo de Joules. Então agora Rebeca não utilizava 7.48 Villeards e sim 7.48 Joules.

Não tinha problema, faria quantas viagens se fizessem necessárias, ceifaria então mais uma vida. Seguiu para a cozinha, tomou um copo de água, segurou firme sua adaga e rumou à Rebeca.

[...]

Virou o terceiro ou quarto copo do destilado, estava triste, depressivo. No lugar de Oswald surgira James Joule, o russo Misarov nunca passara dos doze anos de idade, mas Ampére surgiu em seu lugar e no fatídico lugar de Lamartine nascera Pascal. Não importava quantos assassinatos cometesse, a ciência permanecia a mesma; seu triunfo, se é que houvera, era apenas mudar em um ou dois anos algumas descobertas científicas. Suspirou e tomou mais um copo, o álcool corria pelas suas veias tornando o mundo um lugar melhor, mas nem por isso mais tolerável.

No começo tentara viagens curtas, uma ou duas décadas, mas não obtivera êxito, os Zangnart's continuavam a serem criados; Ganhara apenas meses entre as patentes, ora por um desenvolvedor ora por outros, mas lá estavam eles, sempre presentes. Então resolveu pensar como homem grande, Rebeca era robusta e forte, aguentava uma viagem mais distante, fez algumas pesquisas e se preparou, mudaria toda a história, e livraria o mundo do mal que a tecnologia causava, nunca mais as pessoas ficariam presas na Ultranet, nunca mais o ser humano profanaria sua carne com aqueles implantes. Voltou dúzias de séculos, mas não obteve vitória, cerca de 4 meses depois da morte de Oswald Villeard um tal de Joule publicou um tratado muito semelhante ao dele. Tentou outras vezes, mas nada. Impossível! Agora estava ali, sentado ante a Rebeca, cabisbaixo e deglutindo mais um copo do seu destilado favorito. Era preciso pensar grande, com ousadia, o homem é produto do meio pensou, era preciso então eliminar o meio! Era preciso eliminar toda uma sociedade, voltar a tempos imemoriáveis e cortar o mal pela raiz.

Uma morte nos primórdios... Sim, uma morte antes que a história nascesse mudaria toda a árvore de nascimentos, a humanidade seria outra. O mundo seria outro e talvez, talvez um lugar melhor. Mas isso sem dúvida apagaria a si mesmo da existência, tudo bem, seria até um bônus pensou enquanto virava o último copo do seu destilado. Nunca quis figurar na história, nunca quis que sua existência ficasse presa ao plano dos grandes nomes, ter sua existência apagada era um prêmio, um prêmio por ser a única mente sã em um mundo doentio cheio de maldade; Deus não tinha o direito de o obrigar a existir, preferia a escuridão da inexistência do que luz das alvoradas; Nunca quis fama e nem ser lembrado, por isso talvez não tivesse publicado sua criação, seu Magnus Opus... Rebeca, tão doce e bela Rebeca, a coroa da criação do homem, agora seria usada para apagar a coroa da criação de Deus.

Era chegada a hora, os cálculos foram feitos, Rebeca estava completamente abastecida e a viagem seria longa, usaria todo o combustível para ir o mais longe que conseguisse, sabia que seria uma viagem só de ida. Ligou os sistemas, virou as chaves e puxou as alavancas. Apertou o botão, desapertou o botão, despuxou as alavancas, desvirou as chaves e desligou os sistemas. Rebeca estava completamente desabastecida, seus cálculos foras desfeitos e a hora chegada ficou para frente no tempo. Mergulhara profundo na dimensão do meio, na dimensão entre as dimensões, no espaço que permeava os espaços, lá, aonde a luz e as trevas se misturam, aonde era possível ver o que não se via, atrás do manto da criação, debaixo do tapete da existência, nos bastidores do tempo, ali ele retornara ao princípio, ao Gênesis.

[...]

Estacionou, o tempo estava mais frio, não tinha certeza de quanto tempo havia se passado, mas não importava, o tempo para ele era nada, era como um cachorrinho que na coleira era obrigado a servir ao seu dono.

Ligou seu scanner, não conseguiu localizar um ser humano em centenas de milhares de quilômetros, sorriu. A população da Terra era mínima, talvez só houvesses alguns mil homens a perambular por ali.

Montou em Rebeca e decolou a procura de sua primeira vítima. Em uma velocidade indescritível cruzou os céus da pré-história como um raio.

Após umas horas um bipe indicou uma leitura que significava seres humanos por perto, eram poucos, apenas uns 80 morando ao redor de uma cidade primitiva. Mataria o Líder.

Pairou sobre a cidade, não foi difícil identificá-lo. Sem dúvida era aquele alto e forte, aquele que recebia honrarias dos seus, aquele que era cercado por duas mulheres.

À noite aconteceria.

[...]

Estava ansioso, escondido atrás de uma pedra empunhava sua adaga na mão, seria uma boa briga sem dúvida. Uma luta injusta, claro, mas uma boa luta.

Acionou seu cinto transtemporal e uma replicata sua apareceu ao seu lado, a replicata era bem mais forte que o original, ele havia salvo uma cópia sua bem mais jovem, assim que Rebeca nascera. A cópia não era cópia por assim dizer, mas um elo com seu eu mais jovem, um link que rasgava o espaço e a existência trazendo à aquele momento um contato do seu eu mais moço, não era propriamente dito o seu eu mais moço, mas um elo. Seriam dois contra um... Não, seria um contra um.

Não houve planejamento, talvez esse tenha sido o erro, a soberba cegara-o e isso lhe custara seus sonhos, pois o homem era forte, forte como um touro, como um Rei. O elo conseguiu o derrubar no chão e o pisava fora de controle, ele correu em seguida pronto para cravar-lhe a adaga no coração, mas o homem caído reagiu como um felino, e, rolando para o lado apenas se feriu nos ombros. A luta seguiu por instantes, até que tudo estava acabado. Seu elo estava a se desintegrar, um golpe poderoso da mão do homem amassara a traquéia de sua replicata, e ela, em espasmos começara a se desfazer em táquions desacelerados. Alguns aldeões viram esse ato e se assustaram, sem dúvida aclamariam o guerreiro como um deus.

O guerreiro olhava nos olhos do viajante, que agora caído, tinha o pescoço debaixo de seus pés e sufocava.

Falhara em seu intento, não conseguira apagar a tecnologia do mundo e nem conseguira mudar toda a humanidade. Em seus últimos momentos contemplou sua amada Rebeca pairando soberba ao ar, ela percebera que estava morrendo, sentia seus sinais vitais caindo e como programada, rumava para dentro das dimensões, para fora da existência, vagaria pelas eternidades existentes, sepultada atrás do tempo, seu Náutilus dormiria em paz.

Sorriu, seu segredo estaria a salvo, se tinha falhado como deus ao reescrever a história, ao menos tinha obtido um triunfo sobre Deus, seu elo havia morrido, e com ele seu passado; Seria então apagado da existência tão logo a replicata partisse.

Não era Deus quem determinava quem existia ou não, não mais.

Seu nome nunca seria lembrado pela história e não haveriam registros de sua pasagem por esse plano.

Seu fracasso seria incólume.

"E disse Lameque a suas mulheres Ada e Zilá: Ouvi a minha voz; vós, mulheres de Lameque, escutai as minhas palavras; porque eu matei um homem por me ferir, e um jovem por me pisar"

Gênesis 4:23

COMEÇO