Cinema americano

CINEMA AMERICANO Roman Kane

Quando acordou achou-se deitado num beco sujo, cheio de latões de lixo, garrafas de bebidas, latas de cerveja e muitos jornais velhos espalhados pelo chão. Um cheiro estranho de chorume misturado á carniça de algum rato morto empesteava o local. Estava escuro, muito escuro, nenhuma estrela no céu.

O vento soprava forte e batia em alguma vidraça, produzindo um som cortante e tenebroso. Permaneceu inerte, somente os olhos abertos observavam aquele lugar horripilante.

Sentiu medo e frio, os jornais velhos e os latões de lixo o protegiam contra o vento. Onde estou meu Deus? Devo estar sonhando! Indagou. Mas era tudo tão real, o cheiro, o frio, o medo, o barulho do vento na vidraça.

Por um momento, o vento parou, um silêncio profundo e pesado invadiu a sua alma, começou a ouvir as batidas do seu coração acelerando, sentiu o sangue ferver e todo o seu corpo estremeceu. O pânico se instalou na sua mente explodindo em uma reação de desespero e terror, que se traduziram num grito alucinante que cortou o ar e todos os seus nervos se contraíram para enfim num salto bater contra todos os latões de lixo e espalhar os jornais que o cobriam para longe do seu corpo.

Em pé, ofegante, puxou com todas as forças dos seus pulmões o oxigênio carregado com aquele odor que jamais ele esqueceria. Aos poucos foi se acalmando, os pensamentos foram tornando-se mais claros e amenos, com isso, foi recuperando o seu equilíbrio emocional. Por um momento pensou ter ouvido um grito. Repensou: - Estou imaginando coisas!

Caminhou, lento, pelo beco escuro, o som dos seus passos ecoando na noite. Assim, como que por encanto uma enorme lua apareceu no céu e iluminou todo o beco que dava numa larga avenida e para o seu espanto o que viu foi um cenário apocalíptico.

Carros abandonados, prédios destruídos, pontes quebradas ao meio, monumentos históricos caídos pelo chão, painéis e outdoors tombados, postes e fios de alta tensão no meio das ruas, as casas todas abertas, os shoppings abandonados, as estações do metrô, as igrejas, as praças, a biblioteca, os cinemas, tudo ali sem nenhum sentido. Estupefato, sentiu as lágrimas desceram pelo seu rosto. Alguma coisa lhe dizia que ele era a única testemunha viva do destino final da grande epopeia humana no planeta terra.

Aflito, prosseguiu caminhando no meio do caos daquele pesadelo e se perguntava – Por quê? Por quê? O que aconteceu? Cadê todo mundo?

A resposta só vinha na voz do vento que agora soprava suave pela solidão daquelas ruas, que outrora fora movimentada por pessoas que sonhavam com um futuro brilhante e que buscavam a felicidade naquilo em que acreditavam.

Sempre fomos omissos em relação ao meio ambiente, as florestas, aos rios, ao equilíbrio dos ecossistemas do planeta. Por mais que cientistas e ativistas ambientais, compromissados com a causa de uma política de sustentabilidade erguessem bandeiras no sentido de alertar as potencias econômicas, as grandes empresas transnacionais, organismos internacionais, para o perigo iminente de o planeta sofrer um colapso, nunca se conseguiu de fato um avanço nos tratados para a regulação da diminuição da emissão de gases tóxicos na atmosfera. Nunca ninguém quis abrir mão do consumo exacerbado e do conforto imediato do seu modo de vida.

Nas aulas de educação ambiental, rolava sempre aquele mesmo discurso vazio, servindo de base para a plataforma de algum partido político. O que prevalece mesmo são os interesses políticos e econômicos - Fodam-se as novas gerações! Acho que é bem por ai!

Lembro-me que outro dia li na net a notícia de que a NASA confirmou a existência de água em Marte. Será que os ricos e os escolhidos se foram para lá? Será que estão colonizando Marte?

Essas questões passavam pela cabeça de João e uma avalanche de conjecturas invadiu a sua mente. Ele agora se indagava:

- De que forma aconteceu esse apocalipse? Foi um colapso do sistema? Uma guerra das superpotências? Um ataque alienígena? Um apocalipse zumbi?

- Assim é o fim do mundo?

- Acabou-se a raça humana?

Vieram-lhe a memória várias cenas de filmes americanos. Quem sabe vai ver, tudo isso é apenas um filme! Um filme inacabado, que terá continuação. Mas ele não era um herói, não saberia salvar o mundo, era só um garoto do segundo ano do Ensino Médio, que gostava de ciências.

Olhando para aquilo tudo, continuou andando e chegou até ao mar, o dia foi amanhecendo cinza e um sol esmaecido surgiu no horizonte... De repente ao longe, começou a ouvir uma voz:

– João! João... Acorda garoto é hora de ir pra escola! Fica acordado até tarde vendo esses filmes de ficção-científica e esquece-se do mundo! Acorda garoto!

Acordou meio atônito. Foi um sonho! Murmurou aliviado. Abraçou sua mãe com força e disse:

– Mãe eu te amo!

A mãe surpresa perguntou:

– Que foi filho, viu o passarinho verde?

- Nada não mãe! Esquece!

Tomou banho, escovou os dentes e foi tomar café, olhou para a tv que estava ligada e ouviu no telejornal:

- O aquecimento global está derretendo as geleiras da Antártida! Hoje teremos uma temperatura acima dos quarenta graus!

João pegou a sua mochila, tomou o último gole de café com leite, olhou com carinho pra sua mãe, sorriu e foi pra escola.

Roman Kane 26/10/16