Recomeço

O conto a seguir contém elementos e/ou conceitos já apresentados em outro conto publicado. Para uma melhor experiência, recomenda-se primeiro a leitura do conto "FIM", disponível no link abaixo. Entretanto, tal leitura não se torna obrigatória para o entendimento da estória a seguir.

http://www.recantodasletras.com.br/contosdeficcaocientifica/5844040

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Então abriu os olhos. Fitou o teto por alguns segundos clamando à Providência que o maldito despertador não tocasse. Mas tocou. Talvez fosse só uma maldita coincidência. Sua esposa despertou. Olhou profundamente em seus olhos. Ela sorriu de maneira angelical, uma mecha do seu cabelo loiro despencou por entre seus olhos. “Bom dia flor do dia!” Ela dissera a frase maldita. Era tudo culpa dela, pensou. Aquela bruxa. Em um átimo virou-se por sobre sua amada e enfurecido agarrou-lhe o pescoço. Carmem não teve chances. Suas delicadas mãos foram de imediato ao pescoço. Estava em pânico. Não compreendia aquela atitude do homem que tanto amava. Foram dormir tão bem ontem à noite... Carmem não teve tempo de compreender. Seus olhos cerram-se rendendo sua alma ao Pai. Ele levantou-se. Olhou horrorizado o corpo de sua amada. Mas o que fizera? Por que a matara? Vomitou ali mesmo. Pobre Carmem, ela não era culpada de sua sina. Desceu as escadas rumo a sala. Olho na direção de sua garagem. Hoje não iria trabalhar. Não podia. E se hoje fosse o dia? E se hoje ele conseguisse resolver a equação? Carmem não estaria mais ao seu lado. Não. Não perderia sua amada Carmem. Subiu as escadas e entrou novamente no quarto. Olhou o corpo de sua falecida esposa. “Perdão minha querida, eu perdi a cabeça hoje. Não se preocupe, tudo ficará bem”. Uma saudade avassaladora esmagou lhe o peito. Queria sua Carmem de volta e a queria agora. Ficariam juntos. Desceu as escadas e foi até a cozinha. Pegou uma faca. Tornando ao quarto deitou-se ao lado de sua amada. “Não se preocupe princesa, ficaremos juntos, não vou a lugar algum sem você”. A faca era gelada. Assustadora. Era o único caminho, só assim estariam juntos. “Eu te amo Carmem”, disse enquanto abria seus pulsos. O sangue quente jorrava sujando os lençóis. Relaxou, em breve, ele e sua esposa estariam juntos. A primeira coisa que faria ao lhe encontrar seria beija-la, beija-la como se não houvesse amanhã, e de fato, não havia. A vista escureceu e ele mergulhando para a morte, rumava em direção a sua amada.

Então abriu os olhos. Fitou o teto por alguns segundos clamando à Providência que o bendito despertador tocasse. E tocou. Talvez não fosse só uma feliz coincidência. Sua esposa despertou. Olhou profundamente em seus olhos. Ela sorriu de maneira angelical, uma mecha do seu cabelo loiro despencou por entre seus olhos. “Bom dia flor do dia!” Ela dissera a frase bendita. Era tudo culpa dele, pensou. Aquela Anjo... Em um átimo virou-se por sobre sua amada e apaixonado agarrou-lhe os ombros e a beijou. Carmem não teve chances. Suas delicadas mãos foram de imediato a nuca do seu amado. Estava feliz. Não compreendia aquela atitude do homem que tanto amava. Foram dormir tão bem ontem à noite, mas ela não era dado aquelas demonstrações repentinas de amor. Carmem não teve tempo de compreender. Seus olhos abriram-se e comtemplou seu amado sentado na cama. Ele levantou-se. Olhou emocionado o corpo de sua amada. Seu sorriso era lindo. Mas o que fizera? Por que a matara? Sorriu ali mesmo. Pobre Carmem, ela não era culpada de sua sina. Desceu as escadas rumo a sala. Olho na direção de sua garagem. Hoje iria trabalhar. Não podia perder tempo. E se hoje fosse o dia? E se hoje ele conseguisse resolver a equação? Carmem estaria mais e mais ao seu lado. Não. Não perderia mais tempo, não se deixaria abater, não permitiria que ficasse louco, era um homem da ciência. Subiu as escadas e entrou novamente no quarto. Olhou o corpo de sua jovem esposa. “Perdão minha querida, eu perdi a hora hoje. Não se preocupe, tudo ficará bem, só preciso me apressar”. Uma saudade avassaladora esmagou lhe o peito. Queria sua Carmem de volta e a queria agora. Mas tivera uma ideia, ficariam juntos depois. Desceu as escadas e foi até a cozinha. Pegou uma faca e passou manteiga em uma fatia de pão. Tornando ao quarto deixou ao lado de sua amada. “Não se preocupe princesa, ficaremos juntos, não vou a lugar algum sem você”. O pão era quentinho. A despedida o assustara, se desse tudo certo estariam livres, mas caso contrário... Não sabia o que poderia acontecer. Era o único caminho, só assim estariam juntos. “Eu te amo Carmem”, disse a si mesmo enquanto abria a porta de seu carro. A gasolina quente jorrava dentro do motor. Relaxou, em breve, ele e sua esposa estariam juntos. A primeira coisa que faria ao lhe encontrar, a noite seria beija-la, beija-la como se não houvesse amanhã, e de fato, não haveria. A vista escureceu, precisava se alimentar, pensou. Saiu com o carro e mergulhando para o trânsito, rumava em direção a sua amada unidade.

A noite caíra e ele tornara ao seu lar. Fracassara, mas não se deixaria abater. Sua esposa o esperava como sempre, o jantar estava posto, sua esposa o desafiou a adivinhar o prato. Ele fingiu surpresa, mas a verdade é que sabia o que era. Sempre era o mesmo prato. Ela cozinhava o mesmo prato todos os dias, invariavelmente nos últimos anos. Sentaram, comeram, conversaram um pouco. O marido a divertiu e a fez feliz aquela noite, a fez sentir-se como a mulher mais amada do mundo. Nunca mais permitiria a si um momento de loucura como aquele. Precisava ser frio, precisava de foco, sentia que estava a chegar perto da solução. Foram para a cama, namoraram e dormiram.

Então abriu os olhos. Fitou o teto por alguns segundos esperando que o despertador tocasse. Tocou. Mais um dia. Não, “mais” era a palavra errada. Apenas outro ciclo. Sua esposa despertou. Olhou profundamente em seus olhos. Ela sorriu de maneira angelical, uma mecha do seu cabelo loiro despencou por entre seus olhos. “Bom dia flor do dia!” Ela dissera a frase. Era tudo culpa dele, pensou. Aquele Anjo não sabia que estava ali, presa com ele. Em um átimo virou-se por sobre sua amada e apressadamente desceu da cama. Carmem não teve chances de dizer um “oi”. Suas delicadas mãos foram de imediato aos olhos, tentando livra-los das areias da noite. Estava feliz. Não compreendia aquela atitude do homem que tanto amava. Foram dormir tão bem ontem à noite, mas ela não era dado aquelas demonstrações de disposição logo cedo. Carmem não teve tempo de compreender. Seus olhos abriram-se e comtemplou seu amado descendo as escadas. Desceu rumo à sala. Olho na direção de sua garagem. Hoje iria trabalhar antes da hora. Não podia perder tempo. Tinha todo o tempo do mundo, mas, não o tinha. Hoje era o dia! Hoje ele conseguiria resolver! Carmem estaria em casa assim que voltasse e tudo seria como antes. Não. Não perderia mais tempo, não se deixaria abater, não permitiria que ficasse louco, era um homem da ciência. “Hoje é o dia”, disse a si mesmo enquanto abria a porta de seu carro. A gasolina quente jorrava dentro do motor. Relaxou, em breve, ele e sua esposa estariam juntos e quem sabe seu filho tivesse a chance de crescer no ventre dela. A primeira coisa que faria ao lhe encontrar, a noite seria beija-la, beija-la como se não houvesse amanhã, mas dessa vez, haveria. A vista escureceu, precisava se alimentar, pensou. Saiu com o carro e mergulhando para o trânsito, rumava em direção ao seu amado COGAM. Enquanto dirigia começou a rememorar, lembrar-se de como aquilo tudo começara.

Era sargento do exército, fora o último colocado em sua turma e por isso fora designado ao COGAM, o Centro de Operações General Arnaldo Mendes, uma base do exército nas imediações de São Bapú. Toda manhã precisava sair cedo de Itaburú a fim de não perder o horário. Trabalhava no setor de artilharia, a vida era boa. Havia sim, todas as dificuldades da vida militar, mas recentemente sua esposa lhe trouxera uma brilhante notícia, estava grávida. Alegria e desespero. E agora? O Soldo era apertado, a profissão perigosa. Andava inquieto, pensativo, mas naquela quinta-feira sua vida dera uma guinada inimaginável. Já faziam mais de 1600 anos, pensou, mas ele lembrava-se como se fosse ontem. E de fato... Fora. Naquele dia ao chegar ao COGAM fora recebido por uma comissão especial, o levaram a uma sala acústica e o explicaram que fora “voluntariado” para o “Projeto Sardes”. Viu espantado uma porta abrir-se no fundo falso de um armário e um corredor secreto o levar a um complexo tecnológico desconhecido. O Projeto Sardes, como ficou sabendo, objetivava a criação de um soldado invisível. Testes já haviam sido feitos com cobaias animais e o sucesso era inegável. O Sargento pode “ver” os animais invisíveis, bem como os que tornaram à visibilidade. Era chegada a hora do teste com os humanos. A verdade é que o escolheram por ser desqualificado. Não era nem um grande gênio, nem um grande soldado, era sim, um bom marido e um bom cidadão, um homem extremamente mediano. Não havia nada de especial naquele sargento, logo, era completamente dispensável. Mas isso não ocorreu a sua mente, apenas anos mais tarde teve tal vislumbre. Fora preparado, higienizado, despido e colocado na máquina. A Sardes operava com um sistema complexo de campos elétricos, de modo que todos os graduados assistiam aquele momento de uma distância segura. A contagem iniciou, e junto com ela, sua oração a Deus. Pedia que desse tudo certo, ou tudo errado, só queria a chance de ver sua amada Carmem, de criar seu filho, não queria estar ali. Os botões foram pressionados. Um som de energia tomou conta do lugar, Sardes vibrou, as bobinas carregaram e der repente tudo ficou escuro. Então abriu os olhos. Fitou o teto por alguns segundos tentando compreender o que havia acontecido. Seu despertador tocou. Sua esposa despertou. Olhou profundamente em seus olhos. Ela sorriu de maneira angelical, uma mecha do seu cabelo loiro despencou por entre seus olhos. “Bom dia flor do dia!” Ela dissera a frase, a mesma frase! Levantou-se assustado. Estava em sua casa. Conferiu a hora e a data no relógio. Não acreditou, voltara no tempo! O susto foi grande, disparou para o COGAM, ao ser recebido pela comissão especial teve certeza. De fato voltara no tempo. Animado e assustado, relatou tudo aos seus superiores. Contou tudo o que sabia sobre o projeto e o que lhe acontecera. Fora preso. Os superiores não lhe acreditavam. O tiveram por espião. Como ele tivera acesso a informações secretas como as do Projeto Sardes? Fora interrogado, mas manteve sua versão. Dormiu aquela noite em uma cela fria do COGAM.

Então abriu os olhos. Fitou o teto por alguns segundos tentando se localizar. O despertador tocou. Quase não acreditou! Sua esposa despertou. Olhou profundamente em seus olhos. Ela sorriu de maneira angelical, uma mecha do seu cabelo loiro despencou por entre seus olhos. “Bom dia flor do dia!”. A Frase! Saltou da cama sem explicações e rumou novamente ao COGAM. Dessa vez deixou que a comissão especial o abordasse e explicasse o projeto. Contou então tudo o que sabia, que voltara no tempo duas vezes. Não lhe acreditaram. Não fazia sentido físico. Acreditaram que se tratava de medo, sem dúvida não queria participar do projeto. Fora levado mesmo assim. A Sardes operava com um sistema complexo de campos elétricos, de modo que todos os graduados assistiam aquele momento de uma distância segura. A contagem iniciou, dessa vez não orou. Os botões foram pressionados. Um som de energia tomou conta do lugar, Sardes vibrou, as bobinas carregaram e der repente tudo ficou escuro. Então abriu os olhos. Fitou o teto por alguns segundos tentando acordar. Seu despertador tocou. Sua esposa despertou. Olhou profundamente em seus olhos. Ela sorriu de maneira angelical, uma mecha do seu cabelo loiro despencou por entre seus olhos. “Bom dia flor do dia!” Que frase linda era aquela. Decidiu que faltaria o serviço naquele dia, deixaria que outro fosse “voluntariado” para a Sardes. Passou o dia com a esposa. Conversaram, brincaram, eram jovens e recém-casados. Felizes e esperançosos pelo rebento que breve chegaria. A noite chegara e abraçados dormiram profundamente. Então abriu os olhos. Fitou o teto por alguns segundos tentando compreender o que havia acontecido. Seu despertador tocou. Sua esposa despertou. Olhou profundamente em seus olhos. Ela sorriu de maneira angelical, uma mecha do seu cabelo loiro despencou por entre seus olhos. “Bom dia flor do dia!” Ela dissera a frase? Não era possível! Foi ai que compreendeu sua sina. Estava preso, preso dentro daquelas 24h. No princípio houve a negação. Não podia ser verdade, aquilo se concertaria sozinho. Nessa noite não dormiu, talvez se ficasse acordado aquilo não ocorresse. Mas ocorreu. Uma hora estava acordado vento televisão e então abriu os olhos. Fitou o teto por alguns segundos clamando à Providencia que o maldito despertador não tocasse. Mas tocou. Talvez fosse só uma maldita coincidência. Sua esposa despertou. Olhou profundamente em seus olhos. Ela sorriu de maneira angelical, uma mecha do seu cabelo loiro despencou por entre seus olhos. “Bom dia flor do dia!” Ela dissera a frase maldita. Era tudo a mesma coisa. Houve uma mistura de desespero com agonia. Tentou contar à sua esposa o acontecido, mas ela não acreditou, o recomendou férias e tirou por menos. A verdade é que nem ele compreendia. Decidiu viver a vida, fingir que nada acontecia. Não precisaria mais trabalhar, nunca adoeceria e sua esposa nunca envelheceria. Aquilo era uma benção, não uma maldição. Os ciclos se seguiram e com ele sua sanidade minou. Não aguentava mais viver o mesmo dia. Tudo era extremamente previsível, já começara a decorar todas as falas de todos os programas da televisão em todos os canais. Já conhecia a rotina de sua pequena cidade. Já sabia a resposta de sua amada Carmem para todos os assuntos possíveis. Estava enlouquecendo. Precisava de mudanças, de algo novo, a repetição o sufocava. Então a loucura o tomou. Passou a sair pela cidade explorando todo tipo de prazer desprezível. Drogas, vandalismos, sexo, consensual ou não. Experimentou de tudo um pouco, mas, ciclos e ciclos depois aquilo já não mais o satisfazia. Resolveu buscar auxílio em Deus, começou a ler a bíblia, achou a leitura interessante. Às vezes, quando uma dúvida surgia, procurava um padre ou um pastor. Tornou-se um teólogo solitário. Um dia chegou ao fim, e leu uma passagem que mudou sua vida. Encontrava-se no livro do Apocalipse, era uma carta escrita a uma igreja chamada Sardes. Isso o fez pensar, talvez aquela carta tivesse um significado para si. O texto era curto. “E ao anjo da igreja que está em Sardes escreve: Isto diz o que tem os sete espíritos de Deus, e as sete estrelas: Conheço as tuas obras, que tens nome de que vives, e estás morto. Sê vigilante, e confirma os restantes, que estavam para morrer; porque não achei as tuas obras perfeitas diante de Deus. Lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido, e guarda-o, e arrepende-te. E, se não vigiares, virei sobre ti como um ladrão, e não saberás a que hora sobre ti virei.” Uma frase o chamou a atenção. Lembra-te, pois, do que tens recebido. O que ele tinha recebido? Uma maldição. Um fardo. Todo ser humano tinha o direito de morrer e um dia ser julgado, menos ele. Em sua fase de loucura tentara se matar, mas isso não impedira os ciclos de reiniciarem. Era um maldito. Mas... Sentia que ainda havia alguma coisa. Talvez... Talvez estivesse olhando pelo lado errado. Aquilo era uma oportunidade! Poderia estudar, poderia aprender e reparar o projeto Sardes. Sê vigilante. Era isso! Estava decidido, estudaria e resolveria sua situação.

Nos ciclos seguintes tornou a ir ao COGAM, tentou arrancar o máximo de informações sobre o projeto. Em cada ciclo suas perguntas ficavam mais técnicas. Até o ponto que os graduados não sabiam as respostas. Precisava dos criadores do projeto. Depois de algumas tentativas frustradas conseguiu sequestrar um oficial e o obrigar a contar o nome do encarregado do projeto. Levou alguns ciclos até conseguir o localizar. Precisou o abordar no transito e, com uma arma em punho, seguir com suas perguntas. Todo ciclo o abordava no mesmo sinal. Suas perguntas eram cada vez mais técnicas. Até que percebeu que não teria mais avanços. Resolveu estudar. Fora a Universidade Federal de Itaburú e lá conseguiu alguns livros. Leu sobre física clássica, física relativística, física quântica. Estudou matemática, cálculo vetorial, cálculo estatístico e uma série de outras matérias. Da física à filosofia, das artes à ficção. Décadas se passaram sob ele. Seu estudo era lento, às vezes consultava um ou outro professor no afã de sanar suas dúvidas, mas o maior empecilho era sua maior benção. Os ciclos o impediam de fazer anotações. Tudo que anotava era perdido no ciclo seguinte. Só podia contar com sua memória. Com o tempo, passou a decorar os livros. Ciclos e ciclos se passaram, até acreditar estar pronto. Gastou alguns desses ciclos para conseguir acesso aos projetos originais da Sardes, estudou-os meticulosamente. Enfim descobriu o erro. Ou assim acreditava. Já haviam se passado cerca de 900 anos desde o incidente, desses quais, os últimos 180 foram dedicados aos estudos. Chegou inclusive a aprender outros idiomas, a fim de viajar a outros países e conversar com importantes cientistas. Não era mais o mesmo homem de 900 anos atrás. Era culto, sábio, conhecedor de muitas ciências, mas ainda impotente. Não conseguira achar o problema. Foram precisos cerca de 1400 anos até que compreendesse o incompreensível. Entre décadas de loucura, décadas de depressão e décadas de estudo, o sargento finalmente compreendeu. Não havia solução. Não era o tempo que estava quebrado, ele é que estava preso em uma bolsa dimensional particular. A solução? Simples na teoria e complexa na prática. Era preciso reconfigurar a Sardes e tentar direcionar seus campos a fim de se obter uma rachadura dimensional. Se tudo desse certo ele conseguiria saltar novamente à sua dimensão. Mas havia um porém. Como fazer isso?

200 anos se passaram, cerca de 73.000 ciclos. Não havia certeza, às vezes perdia-se as contas. Era possível errar em um ou dois séculos. Talvez bem mais. Nos anos de loucura, perdia-se por completo a noção do tempo. Agora, contava cerca de 1600 anos. Sabia o que fazer, há alguns ciclos falhara. Recentemente enlouquecera novamente, mas agora estava bem. Hoje seria seu último dia. Ao analisar a teoria quântica de campos, a teoria das cordas e consultar toda a literatura disponível, teve um medo. Havia uma possibilidade sinistra. O Bulk. Um espaço existente entre as 11 dimensões que se supõe existir. Seus estudos mostravam que havia uma possibilidade da Sardes não ter energia suficiente para, rasgando o tecido do espaço-tempo, o projetar para a sua dimensão original. Era possível que caísse fora da sua dimensão, em uma realidade diferente, ou, no pior dos casos, fora de toda e qualquer realidade, ficaria preso no Bulk. Não havia como solucionar o problema. 24h era tempo insuficiente para uma modificação física na estrutura da Sardes ou nas instalações elétricas do COGAM. Era preciso tentar. Não podia mais ficar preso ali. Talvez com sua morte, aquele bolso dimensional deixasse de existir. E a cópia da sua esposa descansasse em paz. Pensou em Carmem, na original. Talvez em sua dimensão original, todos aqueles oficiais tivessem o visto se desintegrar. Seu filho nascera órfão de pai e a vida seguira adiante. Seria possível remediar tudo isso? Não quis pensar, não havia mais tempo, chegara ao COGAM.

Possuindo todas as senhas de acesso e sabendo todos os movimentos de todos os militares da instalação, o sargento não teve dificuldades em invadir o sistema e fazer as alterações necessárias. A Sardes operava com um sistema complexo de campos elétricos, de modo que todos os graduados assistiam aquele momento de uma distância segura. A contagem iniciou, e junto com ela, sua oração a Deus. Pedia que desse tudo certo, não tinha mais forças para outro fracasso. Só queria a chance de ver sua amada Carmem, de criar seu filho, não queria estar ali, mas precisava. A Sardes o colocara naquele problema, a Sardes o tiraria. Orou. Os botões foram pressionados. Um som de energia tomou conta do lugar, Sardes vibrou, as bobinas carregaram e de repente tudo ficou escuro. Então abriu os olhos. Fitou o nada por alguns segundos ou por uma eternidade. O tempo não mais existia. Seu despertador vermelho nunca mais tocaria. Sua esposa não despertaria. Ali não havia tempo, nem espaço. Não havia comprimento nem altura, muito menos largura. O todo era um e ele era tudo em todo o nada. O sargento estava em lugar algum e estava em todos os lugares ao mesmo tempo e fora dele. Estava em todos os tempos no mesmo lugar. O bulk. Preso entre as existências. E fora de todas elas. Ali, sozinho e perdido, não conseguia pensar, não conseguia agir, apenas existia em uma inexistência indefinida. Então, em um átimo de eternidade, Ela o tocou. Colheu em seus suaves braços e o resgatou. Então abriu os olhos. Fitou um gramado verdejante a sua frente. Levantou-se assustado. Estava em um campo de golfe. Olhou em volta de si e a encontrou. Pairava a alguns centímetros do chão. Nunca em sua vida seus olhos contemplaram tamanha beleza em arquitetura. Distante de si cerca de 5 metros, o sargento pode contemplar uma nave transdimensional. Ela estava lá, parada. A sua espera. Fora ela quem o salvara. Por certo estava presa no Bulk, deveria ter sido criada por uma civilização avançada, ou vinda do futuro, ou de outros planos, ou quem sabe um pouco de cada. Mas o fato é que fora esquecida no Bulk, sua teoria é que o pulso de campos criado pela Sardes atraíra os sensores daquela nave, era possível até que tivesse induzido corrente em seus motores e alimentado suas baterias. Mas definitivamente não fazia diferença. O Sargento adentrou a nave, ela parecia muito menor por fora do que era de fato por dentro. Seus controles pareciam simples, havia indicativos em português, o que fez o sargento se perguntar sua origem. Mas isso também não importava. Aquele Náutilos da Providência o resgatara de seu naufrágio e seria seu passaporte para casa. Veria sua amada Carmem, e seu filho cresceria junto aos seus pés. Contemplando um painel encontrou uma pequena palavra em destaque. Rebeca. Leu em alta voz e para sua surpresa a nave respondeu.

-Bom dia, às ordens.

-É... Diagnóstico dos sistemas Rebeca, por favor.

-Sistemas operacionais em 80%. Combustível em 70%. Às ordens.

O sargento sorriu. Uma lágrima de alegria desceu pelo seu rosto. Lembrou-se dos versículos que lera na Bíblia. Deus de fato não o tinha abandonado. Com um sorriso no rosto reclinou-se na cadeira de comando e falou.

-Preparar para viagem Rebeca.

-Qual o destino capitão?

-Casa, nós vamos para casa Rebeca.

E saltando para o Bulk, rumaram juntos para o desconhecido.