Sobrevivência

A grelha de aterrissagem, que permitiria que astronaves de até 100 mil toneladas pousassem e decolassem sem utilizar os próprios motores, ainda estava em construção por uma equipe de robôs. Portanto, Hasselblad, inspetor da Pesquisa Colonial, teve que usar uma vedeta de ligação controlada remotamente a partir do cruzador rápido que o trouxera até Nasir-IV. Levantando uma nuvem de pó, a vedeta pousou num campo de pouso quadrado, no sopé das montanhas que cruzavam o equador do planeta. Ao desembarcar carregando sua bagagem de mão, o inspetor vislumbrou à beira do campo a figura de Ortega, o cientista que liderava a equipe de técnicos encarregados de desvendar os mistérios soterrados pela areia. Ortega adiantou-se para recepcioná-lo.

- Fez boa viagem, inspetor?

- Tanto quanto possível num transporte militar - respondeu Hasselblad - As acomodações deixam a desejar, mas pelo seu último relatório, uma visita extraordinária tornou-se essencial.

- Sim, precisamos tomar algumas decisões aqui. Decisões acima da minha alçada de chefe da equipe de exploração.

Um robô aproximou-se e pegou a bagagem de Hasselblad. O grupo afastou-se do campo de pouso, e quando estavam à uma distância segura, a vedeta levantou voo rumo ao cruzador em órbita.

* * *

A civilização alienígena que outrora se desenvolvera em Nasir-IV desaparecera há mais de meio milhão de anos, em circunstâncias ainda não inteiramente explicadas, embora houvesse indícios de que fora dizimada por uma guerra biológica. Restos de grandes cidades ainda pontilhavam a superfície planetária, mas foi sob elas que os exploradores da Pesquisa Colonial encontraram uma rede de túneis que presumidamente haviam servido como abrigos de emergência; todavia, se a dedução era correta, tornava-se então uma incógnita porque os sobreviventes não haviam reconstruído sua civilização tão logo passado o perigo. Hasselblad foi conduzido por Ortega e uma equipe de robôs até a rede de túneis sob os restos da cidade próxima ao campo de pouso, onde desceram aos níveis mais profundos, só recentemente explorados pelos técnicos. O grupo desembarcou de um elevador de carga num longo corredor, iluminado por lâmpadas fixadas no teto. Ao fim da passagem, havia uma porta blindada medindo 4 por 4 metros. Ortega apoiou a palma da mão sobre uma placa de metal na parede, e a pesada porta deslizou para o lado, revelando uma ampla câmara aberta na rocha viva, iluminada tão somente pela luz azulada que provinha de um objeto flutuando sobre uma coluna quadrada de basalto em seu centro: um grande octaedro de aparência leitosa, girando sobre seu eixo.

- O que é isso? - Indagou o inspetor. - Uma fonte de energia?

- Foi o que pensamos a princípio - disse Ortega. - Mas depois de meses de pesquisa de campo, descobrimos sua verdadeira utilidade: é um tipo de arquivo.

- Arquivos... imagino que estavam esperando reconstruir sua civilização quando os criaram - ponderou Hasselblad.

- Isso também, mas é capaz de muito mais. Esse dispositivo está monitorando o ambiente externo.

- Algum tipo de inteligência artificial? Tem conhecimento da nossa presença aqui?

- Talvez não seja uma inteligência artificial num sentido estrito, mas deve ter consciência de que estamos explorando seu planeta. E precisamos saber o que fará a respeito disso.

Hasselblad olhou para Ortega com expressão interrogativa.

- Acredita que essa coisa possa vir a ser um perigo às nossas atividades?

- Não de modo direto... ao menos, não a princípio. A questão que se coloca é se irá cumprir o seu programa uma vez que tenha reunido dados suficientes a nosso respeito.

- E qual seria esse programa?

Ortega cruzou os braços, olhos fixos no octaedro azul que girava preguiçosamente sobre a coluna negra.

- Como eu lhe disse, essa coisa é um arquivo. Nele, estão armazenados os dados para recriação não só da espécie dominante deste planeta, mas de boa parte do ecossistema no qual esta se desenvolveu. Ocorre que a guerra aqui ocorrida foi muito mais devastadora do que as partes em luta haviam concebido. Este planeta foi virtualmente esterilizado... até que nós, da Pesquisa Colonial, chegássemos.

Voltou-se para Hasselblad e acrescentou, em voz baixa:

- Parece-me que agora, ele já possui material bastante para poder começar a trabalhar...

[25-02-2017]