Destrua

O sol laranja de Joshua-III roçava o horizonte quando a vedeta que transportava o inspetor Wilmer Hasselblad pousou num campo aberto junto à base da Pesquisa Colonial no planeta. Mais uma vez, ainda não havia grelha de aterrissagem pronta que permitisse o pouso da astronave que o transportara de Nasir-IV até ali. O cenário à sua volta, contudo, era bastante diferente de sua missão anterior: a base fora erguida numa região que lembrava uma savana terrestre, com vegetação rasteira verde-escura pontilhada com o equivalente local de árvores, mas semelhantes a equissetos escamosos, de 10 ou 12 metros de altura. À distância, pôde vislumbrar as ruínas avermelhadas da cidade morta de Rughal, parcialmente invadida pela selva próxima.

Um transporte de superfície aproximou-se, levantando uma nuvem de poeira. Hasselblad virou-se para a vedeta e acenou, para liberá-la; o veículo levantou voo, rumo ao cruzador em órbita.

Seu comitê de recepção desta vez era composto por um casal de cientistas vestindo macacões prateados. O transporte parou à sua frente e os ocupantes desembarcaram.

- Välkommen, inspetor Hasselblad! - Saudou-o a mulher, de cerca de 40 anos. - Sou Signe Bengtsdotter, chefe da base, e este é Filip Gunnarsson, meu assistente!

- Conterrâneos neste fim de mundo? - Surpreendeu-se Hasselblad. - Uma agradável surpresa!

- E temos café prontinho e até organizamos uma "tacco kväll" em sua homenagem - disse animadamente Gunnarsson, um ruivo sardento de cerca de 30 anos.

- Parece que estou sonhando! - Riu-se Hasselblad, enquanto embarcavam no transporte.

* * *

Deitado em seu quarto na base da Pesquisa Colonial, luzes apagadas, Hasselblad iniciou uma troca de mensagens de texto com o capitão Oscar Espinoza, comandante do cruzador em órbita.

- Esse lugar é mais estranho do que eu previ - escreveu Hasselblad em seu tablet subespacial.

A resposta de Espinoza surgiu pouco depois, em caracteres luminosos.

- Como foi a recepção?

- Para um sueco, quase perfeita - escreveu Hasselblad. - Café, doces, tacos no jantar... queriam fazer com que eu me sentisse em casa.

- Quase perfeita, você disse. O que destoou na conduta dos seus anfitriões?

- Falam demais para suecos. Falam muito. Falam como se não soubessem as regras mínimas de convivência civilizada. Eles têm praticamente uma compulsão por falar. Tive que alegar cansaço para me livrar da saraivada verbal.

- Talvez estejam apenas se sentindo solitários depois de tanto tempo isolados...

- O que Ziegler disse quando esteve aqui? Você leu o relatório.

- Um casal de perfeitos alemães... falastrões. Fizeram até Sauerbraten para ele.

- E agora, um casal de suecos. Fico pensando quem seriam se você descesse, em vez de mim. Ou se viéssemos em dupla, ou num trio. Se multiplicariam? Cada um de nós veria/sentiria algo diferente? Com que propósito fazem isso?

- Você é o inspetor da Pesquisa Colonial - escreveu Espinoza. A frase, em caracteres luminosos, não permitia saber se ele estava sendo irônico ou meramente constatando um fato.

"Exatamente como meus anfitriões", ponderou.

* * *

Na manhã seguinte, Bengtsdotter e Gunnarsson o acompanharam até o campo, onde a vedeta já estava pousada para transportá-lo à nave em órbita.

- Vai levar uma boa impressão nossa? - Perguntou a mulher, sorridente.

- A melhor possível - respondeu cautelosamente Hasselblad.

- Afinal, o ser humano sempre tem a tendência de querer destruir aquilo que não compreende - disse Gunnarsson, quase que em tom de desculpas.

- Sobrou tão pouco aqui - prosseguiu Bengtsdotter. - Gostaríamos que fosse preservado.

Hasselblad olhou para ambos e quase sentiu pena deles.

- Vocês se sentem muito sozinhos, não é verdade?

Bengtsdotter continuou a sorrir, como se a pergunta fosse irrelevante.

- Gostamos de receber visitas. Desde que não venham em grande número...

Hasselblad deu uma risadinha.

- Ah, isso é bem sueco...

Apertou as mãos de ambos e, vagarosamente, caminhou de volta à vedeta.

[27-03-2017]