Uma garrafa de água

Encontrei-o no bar da estação, conforme combinado. Ele estava sentado numa mesa dos fundos, de costas para a entrada, vestindo sobretudo cinza-escuro - e chapéu. Dei a volta na mesa e sentei-me à sua frente.

- Fez boa viagem? - Perguntei de forma protocolar.

Ele ergueu os olhos violetas para mim. O rosto era de traços duros, a barba por fazer.

- O tempo ajudou na travessia - declarou, enigmaticamente.

Empurrei a ficha de transferência de créditos sobre a mesa. Ele colocou um leitor sobre a mesa e a inseriu nele. Analisou os números que surgiram no pequeno display de cristal líquido.

- Está certo - disse, balançando a cabeça.

Enfiou a mão dentro do sobretudo, e de um bolso interno puxou uma pequena garrafa de alumínio, de não mais de 500 ml de capacidade. Colocou-a sobre a mesa.

- Aí está a sua encomenda.

Peguei um analisador no bolso do casaco. Abri a tampa da garrafa, que era fria ao toque. Olhei para o conteúdo. Água. Mas tinha um cheiro acre e uma coloração amarelada. Mergulhei a ponta de teste do analisador no líquido. Ele emitiu um "bipe" feliz, e uma luz azul acendeu-se.

- É autêntica - comentou ele.

- Sim, com certeza - respirei fundo.

- O que vai fazer com isso, posso lhe perguntar?

Olhei para o rosto de traços duros que me observava com atenção.

- O que acha que vou fazer? Beber, é claro.

Ele inclinou o corpo sobre a mesa e sussurrou, num tom de urgência:

- Isso é água de Europa. Não tratada. Não faz ideia do que pode haver aí dentro. Eu não faço ideia!

- Tenho consciência disso, não se preocupe. O que sei é que aqueles que beberam água de Europa registraram um espantoso incremento da capacidade mental.

- Isso pode ser só um boato! A água pode ser tóxica, mesmo que não mate de imediato!

Fiz um gesto para que parasse.

- Eu conheci alguém que tomou essa água. E ela me contou coisas absolutamente extraordinárias. Não somente a percepção da realidade e os sentidos são ampliados, mas você se torna capaz de curvar o espaço com o poder da mente.

- Curvar o espaço? - Sua expressão era de incredulidade.

- Foi o melhor que ela conseguiu descrever. Pense: poder se deslocar por dimensões inexploradas sem necessitar de uma nave espacial, apenas pelo poder da mente!

Ele balançou a cabeça, exasperado.

- Ainda que isso fosse possível, e não uma alucinação causada pelo que quer que essa água contenha... é perigoso demais. Onde está ela?

Ergui a pequena garrafa ao nível dos olhos. Cheirei o líquido novamente; odor forte, mas não repulsivo. Água dos mares subterrâneos da lua Europa, acessível apenas ao pequeno grupo de exploradores que fora autorizado a descer ali. Água para abrir um mundo novo.

Olhei pela janela panorâmica do bar da estação. Ali, flutuando contra o fundo negro do espaço como uma grande bola de gás rajada de amarelo e laranja, flutuava Júpiter. Ela havia me dito que, com seus novos poderes, havia sido capaz de descer abaixo da camada de nuvens tempestuosas e ver cenas que estariam para sempre vedadas aos olhos humanos.

Era chegada a hora de conferir a veracidade daquelas palavras.

- Onde ela está? - Retruquei. - É o que eu vou saber agora.

E comecei a beber o conteúdo da garrafa.

- [17-07-2017]