Vamos discutir o assunto

Nosso Lizzie havia sido atingido pela artilharia antiaérea ao retornar de um voo de reconhecimento sobre as colunas de blindados do Afrika Korps, avançando rumo ao Cairo. Em consequência, Theodore e eu tivemos que fazer um pouso noturno de emergência em pleno deserto, e retornar para a base a pé. Enquanto seguíamos para um oásis onde poderíamos obter ajuda dos tuaregues, discutíamos não só a nossa presente situação e a do mundo, como a de outros mundos, distantes de nós no tempo e no espaço. Theodore apontou para um brilho difuso no céu escuro, a meio caminho do zênite, e disse:

- Está vendo aquela mancha de luz? É a NGC 7000, a Nebulosa da América do Norte... a luz que vemos hoje, partiu quando aqui se lutava a Primeira Guerra Púnica.

- Que terminou com uma vitória romana...

- Precisamente. Mas foi ali também que perdemos parte da V Frota Avançada, num ataque-surpresa dos Corraks.

Os Corraks, Theodore me explicara, eram uma pedra no sapato da Humanidade Cósmica. Alienígenas fanáticos ou simplesmente antissociais, pareciam devotar todo o seu intelecto e energia ao intuito de exterminar a avançada civilização que controlava a Galáxia. Que não tivessem desistido deste objetivo mesmo após alguns milênios de luta encarniçada e sem tréguas, dava bem a dimensão do perigo que representavam.

- Não é possível baixar a guarda um instante que seja na luta contra os Corraks - prosseguiu Theodore. - Tivemos baixas pesadas no início dos confrontos, porque julgávamos que poderíamos chegar a algum tipo de acordo com eles, que permitisse uma convivência pacífica. Mas os Corraks não têm interesse em convivência pacífica: seu único objetivo é suprimir nossa existência do cosmos.

E isso nos trazia de volta à nossa caminhada involuntária pelo Saara. Theodore me falara sobre o arsenal bélico à disposição dos Galáticos. Apenas uma de suas naves auxiliares, com armamento puramente defensivo, poderia provavelmente derrotar as forças do Eixo em alguns dias. Quanta dor e quanto sofrimento poderiam ser evitados!

- A Terra existe justamente porque é um lugar de dor e sofrimento - observara Theodore. - Aqui, nem sempre a justiça e o bem prevalecerão... na maior parte dos casos, trabalharemos para que tal não ocorra.

E isso poderia significar que uma vitória do Eixo não estava descartada?

- Não nos interessa uma vitória do Eixo, - retrucou Theodore - porque provavelmente significaria um governo único para a Terra. Um governo tirânico e genocida, mas único. Para que nossos fins sejam atingidos, é necessário não só uma alternância de poder, mas também um mundo fragmentado e dividido, onde a esperança de unificação da humanidade permaneça apenas como isso - uma esperança.

Isso sempre me havia soado cruel, mas Theodore ria das minhas críticas.

- Você não conhece os Corraks! Quaisquer perdas, mesmo o sacrifício de milhões na Terra, é justificado para evitar a derrocada da civilização galática, composta por trilhões de seres que partilham uma cultura avançada e pacífica.

Cultura esta que nos estaria para sempre vedada. A Terra era apenas um vasto campo de treinamento para as guerras infinitas contra os Corraks, e aqueles dentre seus filhos alçados à condição de comandantes das forças dos Galáticos, não tinham tempo para usufruir de prazeres mundanos.

- Se algum dia você tiver a honra de liderar as nossas forças no espaço, irá entender o que estou dizendo - concluiu ele.

Eu entendia. E entendia também que, enquanto estávamos aqui lutando a nossa pequena guerra nessa bola de poeira esquecida num cantão do Universo, ao nosso redor, em estrelas distantes, trilhões de outros seres de uma civilização avançada se divertiam e sobreviviam graças ao nosso sofrimento. O qual não tinha nem dia nem hora para acabar.

Terra, planeta de expiação e provas.

- [06-09-2017]