A Elite

Maria virou-se para a Diretora, mãos unidas atrás das costas, ar contemplativo.

- Então, não é proibido?

- É um pedido incomum, mas não há nada nas Leis da Cidade que lhe impeça de fazê-lo. Eu só não entendo o porquê.

Maria aproximou-se de sua superior e fez contato visual.

- Você lembra que, quando eu era mais jovem, quatorze, quinze anos, fui levada certa vez aos Jardins Eternos? Para que visse como é bom poder servir à Elite que nos governa?

A Diretora desviou o olhar, contrafeita.

- Isso é rotineiro. Garotas bonitas, como você, sempre podem subir na vida... literalmente... servindo nos Jardins Eternos.

- Servindo aos filhos da Elite - atalhou Maria.

- Escapando de uma vida de miséria e sofrimento - contrapôs a Diretora, de modo duro. - Mas você não aceitou a oferta e aqui está, como professora dos filhos dos Trabalhadores. O que também não é de todo mau... sempre é melhor do que fazer trabalho braçal nas fábricas, não é?

- Posto assim, parece que, de um modo ou de outro, estou negando o meu destino e o sofrimento do meu próprio povo. O que nos leva à razão do meu pedido.

- No que levar as crianças para ver, ainda que à distância, as belezas dos Jardins Eternos pode ajudá-las, Maria?

- É necessário que saibam que há alguma beleza neste mundo, e que o seu sacrifício aqui, nos subterrâneos de Metrópolis, tem um significado. Nem que seja o de permitir que a Elite viva num ócio e conforto inimagináveis para os Trabalhadores!

- Que as meninas possam ver isso, talvez não seja má ideia... mas, e os meninos? Não acha que levá-los nessa excursão trará mais mal do que bem? Não há como terem acesso aos Jardins na idade adulta... exceto se fossem filhos da Elite.

Maria pareceu lutar com as palavras que queria dizer. Finalmente, as pronunciou.

- No meu íntimo, sei que você tem razão. Mas meu coração também me diz que, da mesma forma que as minhas crianças poderão ver os seus irmãos dos níveis superiores, divertindo-se nos Jardins Eternos, estes também as poderão ver. E, espero, reconhecê-las como sua própria gente e seu próprio povo.

A Diretora retribuiu com um sorriso triste.

- Você é uma pessoa boa, Maria. E é desta forma que avalia os demais. Eu não esperaria nenhum gesto de compaixão vindo dos filhos da Elite, em relação aos filhos dos Trabalhadores.

- Mas não custa tentar - insistiu Maria. - Deseje-me sorte.

- Toda sorte do mundo, Maria.

E a abraçou e beijou em ambas as faces.

- [03-11-2017]