OS PORTÕES

Nessa tarde de domingo, quando sua irmã Cacilda espalhou as flores sobre o túmulo, rezou uma rápida prece e disse tchau Maria, vou para casa de mamãe, ela nem se preocupou. Calmamente pegou um gladíolo louçano que sobressaía entre as flores e colocou-o no vaso de cerâmica azul. Depois foi a vez de arrumar os cravos brancos.

Quando terminou de arrumar as flores, o Sol já estava caindo e faltava pouco para que o guarda-noturno fechasse os portões. Deveria ter saído com Cacilda em vez de dizer tchau e continuar arrumando as flores. Por que eu não fiz isso? Perguntava-se. Receosa, acelerou o passo. O cemitério ficou deserto e ela lá, sozinha. Tentou correr. Não conseguiu. Suas pernas não obedeciam a seu comando. Essas cruzes. Oh! não!.. Errei o caminho.

Estava na parte detrás do cemitério, só via um muro pintado de branco. Voltou sobre seus passos, túmulos enfileirados e mais túmulos... Estou perdida. Calma, Maria, calma, você conhece este cemitério, já veio aqui várias vezes. Calma, calma, murmurava.

Avançou entre os mausoléus. Ah! Já estava perto de um portão! Seu passo não era tão rápido quanto ela queria e suas pernas tremiam, mas estava indo para frente enquanto as sombras avançavam. Com desespero, viu os portões fechados. Onde estará o guarda- noturno?

As sombras se espalharam sobre os túmulos dando ao cemitério um aspecto fantasmagórico. Devia ter saído com sua irmã. Cacilda sempre fazia visitas rápidas apenas para colocar as flores de qualquer maneira, e rezar uma Ave Maria.

As sombras se estenderam e ela aí, caminhando sem cessar. Tentando sair. E o vigia? Olhou suas roupas novas. Nem lembrava quando as havia comprado. Pena que não tinha o celular com ela. Ela havia esquecido o celular em casa!... Seguramente na mesa de jantar ou talvez no criado mudo.

Aquele mausoléu de mármore branco. Ela já havia passado por ele em outras oportunidades. Que sorte! O guarda estará lá. Ele abrirá o portão. Apressou o passo e lá estava o portão...

Suspirou aliviada. Sob a lua cheia viu o portão, mas ninguém por perto. E o guarda? Avançou até o portão e olhou para os lados. E, determinada, começou a escalar o portão, primeiro colocou um pé na barra inferior da grade e ergueu os braços para segurar na parte superior. Conseguiu elevar-se um pouco. Esforçou-se mais, ergueu os braços novamente e segurou uma das barras horizontais. Já estou perto do topo. Mais um esforço e... tocou a barra superior do portão, um pé no ar e o outro pé escorregou antes de poder segurar com as mãos e caiu de costas. Sentou-se rapidamente no chão, não estava machucada, mas devia iniciar de novo a subida.

De repente, sons de passos. Um jovem de cabelo loiro transitava pela rua, vinha do bairro em direção ao ponto de ônibus. Para chamar a atenção do rapaz sacudiu o portão e gritou com todas suas forças. Viu o rapaz parar em frente do portão, com os olhos arregalados por um segundo, e sair correndo apavorado.

– Volte!... Ajude-me a sair daqui.

– O que foi moça? – perguntou alguém atrás dela.

Graças a Deus, o guarda do cemitério a escutara. Voltou-se. O que viu a deixou confusa. Havia inúmeras pessoas atrás dela, homens, mulheres, velhos, jovens, adultos, crianças. Todos olhando o portão. Alguns com tristeza, outros com desespero e outros ainda, com raiva.

Um velho aproximou-se dela.

– Você deve ser nova aqui e não conhece as regras. Só podemos olhar para fora, mas não podemos sair. Não podemos sair. Só os vivos podem, só os vivos.