Ruas de Sangue

O delator estava deitado sobre a mesa de madeira, suas pernas haviam sido decepadas. Graças ao esforço do cartel asiático ele ainda estava vivo, para ser torturado mais um dia. Dentre os torturadores destacava-se a única mulher da sala e também a líder do cartel asiático Yuki. A jovem líder dá as costas ao delator, abre uma janela observando Nova Iorque enquanto acende um cigarro

- Eu cresci aqui, neste bairro, quando eu tinha seis ou sete anos, não me lembro, gostaria de lembrar, mas não consigo. Eu apenas me lembro de ter saído da igreja, naquela época eu procurava por Deus, eu rezava todos os dias. Neste dia específico acabei encontrando a resposta. Dois policiais estavam procurando um assaltante juvenil, como fui a primeira criança que eles encontraram acabei levando minha primeira surra de alguém de fora da família. Os policiais me deixaram caída em um beco sujo, perto de um restaurante chinês. A fumaça da fritura ocultava o céu, enquanto eu olhava para cima, semi-consciente, eu procurava por Deus, foi então que eu percebi, não havia nada. Não foi Deus quem me colocou naquele bairro, mas o bêbado do meu pai, não era Deus quem me batia todos os dias, nem o responsável pela minha dor, pela minha fome, pela minha solidão. São os homens quem trazem a miséria ao mundo - Yuki saca sua arma mostrando-a ao delator - naquele dia eu encontrei a resposta Deus está morto, eu me tornei minha divindade, consegui esta arma e naquele mesmo dia matei meu pai, poupei minha mãe e segui meu próprio caminho. Por isto não adianta rezar, a única que pode ouvir suas preces sou eu e não estou nem um pouco a fim de poupar sua vida.

Ruas de Sangue

O detetive David entra no bar, palco de um massacre ressente, ele evita pisar nos cadáveres , o lugar estava destruído, repleto por buracos de balas. David segue a trilha de sangue até uma sala oculta, onde um corpo estava estripado, com o estômago aberto e os orgãos internos espalhados pela sala, a pele do rosto fora arrancada impedindo identificação do corpo. A pesar da situação do cadáver David reconhece suas roupas, ele era do cartel russo.

Catarina, a agente da perícia aproxima-se de David, o detetive acende um cigarro e oferece outro para sua colega, que recusa.

- São russos, David?

- Sim, precisamos descobrir logo, ou teremos uma guerra.

- Você acha que foi algum cartel?

- Nunca vi nenhum cartel fazer isto, mas.

- Mas?

- Os asiáticos, os russos, os negros, os latinos e os italianos vivem em uma paz frágil, qualquer evento pode ser usado para abalar este equilíbrio. Fora que a paz só existe pois as cinco forças se equivalem, caso uma delas se enfraqueça as outras quatro irão tomar seu território, vamos ter uma chuva de sangue.

David dá as costas para Catarina e começa a sair da sena do crime - "me envie o resultado da perícia o mais cedo possível" David abandona o bar, que servia como fachada para o cartel russo.

Minutos depois David estaciona seu carro no bairro asiático, ele entra em uma casa de massagens, cruza olhares com o recepcionista e segue para o escritório administrativo, onde encontra Yuki e mais dois seguranças. A líder do cartel descarta seus homens e espera ficar a sós com David.

- Desculpe amor, mas estou ocupada agora.

- Não vim aqui por isto.

- Lógico que não - Yuki sorri com um cigarro entre os dentes - geralmente você me procura durante a noite, em minha cama.

- O que você sabe sobre os russos?

- Eles bebem vodka, sabem se vestir e são violentos, sem nenhum senso de honra.

- Desde quando você tem honra Yuki?

- Agora você me ofendeu. Eu sou a minha honra.

- Você sabe que eu estou falando do massacre no bar russo.

- Massacre? Foram penas alguns seguranças e funcionários do bar.

- Seguranças de quem?

- Vladmir Rudakova.

Poucas coisas assustavam David, mas saber que Vladmir Rudacova havia sido assassinado era uma delas, por um segundo David fica sem reação, Yuki sorri, ela estava se divertindo e se divertindo muito. Yuki levanta-se e e vai até o detetive, recosta seu corpo no dele, olha para seu rosto pálido, cruzando olhares com ele. Os olhos dela eram sedutores, os dele recobravam a racionalidade.

- Isto mesmo, meu amor, Vladmir Rudakova o número dois do cartel russo foi assassinado - os olhos de Yuki tornam-se severos - agora faça a pergunta.

- Você deu a ordem?

- Não, quem deu esta ordem irá deflagrar uma guerra, não sou idiota ao ponto de começar uma guerra com os russos.

David olha dentro dos olhos de Yuki, a garota permanece estática até ele terminar sua análise, Yuki falava a verdade. Satisfeita a mafiosa afasta-se voltando para trás de sua mesa, retornando aos negócios, David sai da sala dela acenando com as costas de sua mão, Yuki acena com sua cabeça, David sai, os seguranças entram.

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Naquela noite Nikolai, o líder do cartel russo, estava na cobertura de seu hotel cinco estrelas transando com duas prostitutas. O mafioso comia o rabo de uma prostituta que usava uma cinta com um pênis de borracha, o qual penetrava a vagina da outra prostituta.

Nikolai era firme em suas estocadas, mais do que a sensação sexual eram os gemidos das prostitutas que o faziam gozar, a segunda prostituta envolve o corpo daquela que a penetra com suas pernas, enquanto Nikolai aumenta a força e a velocidade de suas metidas, agarrando ela pelos cabelos, os seios da primeira prostituta chacoalham no ar enquanto grita de prazer.

Ao mesmo tempo duas crianças, de aproximadamente nove e dez anos, entram no hotel, eram dois meninos trajando roupas sociais infantis, o recepcionista estranha aqueles garotos polidos, com a mesma feição e mesmo corte de cabelo. Porém ele não tem tempo de estranhar, um do meninos saca seu revólver, de dentro de um pato de pelúcia, acertando um tiro na cabeça do recepcionista.

O tiro desperta a atenção dos demais seguranças, que também estavam na recepção, o segundo menino saca uma metralhadora, de dentro de um urso de pelúcia, e dispara, os russos são destroçados pelas balas da metralhadora. Nikolai ouve os tiros, ele não faria nada até gozar, percebendo o medo das prostitutas Nikolai puxa os cabelos a primeira garota, empurrando a mesma por sobre a segunda, continuando assim sua trepada.

Os dois meninos percebem que o elevador descia, eles escondem-se rindo. O primeiro menino saca outro revólver, o outro assassino recarrega sua metralhadora. A porta do elevador se abre, deste saem mais mafiosos russos, que são alvejados pelos assassinos juvenis.

Do lado de fora do quarto onde estava Nikolai dois seguranças ouvem o som de tiros ficando cada vez mais perto, eles identificam o som de tiros provindos de revolveres russos, seguidos por uma rajada de metralhadora e por tiros de outra pistola, subitamente surge o silêncio. Os seguranças são surpreendidos por um boneco de corda, de formato humano e estatura de uma criança atravessando o corredor na direção deles, o primeiro segurança morre com um tiro na cabeça, o segundo saca sua arma mas leva um tiro na boca, morrendo no chão.

Os meninos aproximam-se da porta do quarto, o primeiro guarda suas pistolas armando-se de um cutelo, Nikolai estava do outro lado da porta, vestindo um hobie, empunhando sua pistola, as duas putas abraçavam-se perto da janela a prova de balas, o silêncio perturba Nikolai que leva um cigarro a boca. A trava automática da porta é acionada, esta abre-se lentamente.

Nikolai mirava no que ele julgava ser o peito de uma pessoa de estatura média, sua surpresa ao ver uma criança é momentânea, mas o suficiente para o garoto disparar uma rajada de balas de sua metralhadora destroçando os joelhos do russo, que cai sobre a cama, o segundo garoto invade o quarto correndo com o cutelo em mãos, ele salta sobre Nikolai decepando a mão que segurava o revolver.

- Ei irmão, quando terminarmos o trabalho podemos brincar com aquelas moças?

- Eu quero aquela que tem piu-piu.

- É verdade, eu achava que só homens tinham piu-piu.

- Ei moço sem mão - o menino olha para Nikolai - por que aquela moça tem piu-piu? Você por acaso não tem e tá querendo o dela?

- Vai se foder moleque filho da puta!

- Nós não gostamos que gritem conosco.

- Escuta aqui garoto, quem contratou vocês? Eu pago o dobro.

- Ei irmão, você não quer ver se ele tem piu-piu?

Os gritos de Nikolai são abafados pela janela a prova de som, os dois irmãos podem brincar a vontade, não havia mais ninguém vivo no prédio.

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O céu ainda estava escuro, embora o sol desse início de querer nascer. David tomava seu segundo copo de café, mesmo sabendo que era proibido comer no necrotério da polícia, Catarina aproxima-se do detetive, ambos olham para o corpo de Nikolai.

- Onde está o pênis dele? - David pergunta sem olhar para Catarina.

- Em seu estômago.

- O assassino fez Nikolai comer seu pênis?

- Eles o fizeram engolir.

- Eles?

- Encontramos duas impressões digitais diferentes no corpo de Vladmir, encontramos as mesmas digitais em Nikolai e nas duas prostitutas.

- Então eram duas?

- Sim, seus membros estavam costurados, o legista desmontou... não sei como chamar aquele processo.

- Arte moderna?

- Em fim os pedaços estavam costurados, alguns colados, o legista separou os pedaços e montou novamente as prostitutas.

- O cartel russo está desmantelado, nas próximas 24 horas os outros membros serão motos, os demais cartéis vão se enfrentar pelo território russo. Será um inferno.

- Você está particularmente pessimista hoje, o que aconteceu?

- Minha amante está de mal humor.

- Isto costuma irritar os homens.

- Fale mais sobre os assassinos.

- As digitais eram de crianças.

David vai embora, sabendo que deveria ouvir o restante de explicação, mas não conseguindo.

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O inferno começara mais cedo do que fora previsto, por toda à cidade mafiosos russos eram mortos por representantes dos outros quatro cartéis, a imprensa cercou a delegacia exigindo uma coletiva do comissário e de David, nenhum dos dois falou, os repórteres se afastam com a forte chuva que começa a cair sobre Nova Iorque, lavando o sangue das cenas do crime.

Com o passar do dia a chuva se intensifica, é como se o céu tentasse ocultar a reunião que ocorreria ao cair da noite. Os quatro líderes dos principais cartéis da cidade estavam presentem em um galpão em área neutra: Yuki do cartel asiática, Dellaqua, do cartel italiano, o latino José Maria e o negro Coo estavam presentes. É o italiano quem começa a reunião.

- É uma grande honra encontrar todos vocês, infelizmente a situação não é das melhores.

- Pare com esta merda Dellaqua - interrompe Cool - sabemos o que você está querendo.

- E o que eu estou querendo?

- Encobrir seus crimes, foi você quem matou os russos seu filho da puta e agora vem com esta merda.

- Acho melhor se desculpar.

- Ou o que branquelo de merda?

- Parem os dois - Yuki coloca-se entre Dellaqua e Cool - pensei que esta reunião fosse ser séria, Dellaqua, você nos chamou aqui, diga logo o que quer.

- Tenho dois assuntos para tratar com vocês.

- Acredito que um deles seja evitar a guerra - emenda José Maria - cada um de nós deu ordens para executar os russos.

- Sim, a guerra é ruim para os negócios, tinha a esperança de dividir o território russo, cada um ficaria com uma parte e ninguém interferiria no território alheio.

- Este filho da puta teve uma boa ideia - interrompe novamente Cool - e qual o outro assunto? Seria quem matou os russos?

- Diria que é como pegar os assassinos dos russos - José Maria emenda - eles já mostraram ser competentes, seria melhor nos unirmos.

- Interessante - Yuki sorria de maneira irônica - Você quer começar uma família, José?

- Estou falando sério sua puta japonesa, você viu o corpo de Nikolai?

- Não (era mentira) e não me interessa - Yuki dá as costas ao grupo se afastando - concordo com a divisão do território russo, como cada um de nós tem homens em áreas específicas sugiro deixarmos assim, é mais prático, no demais esta noite foi perda de tempo.

Yuki sai do galpão e entra em seu carro, onde Buntaro a esperava, o carro segue para a sede do cartel asiático entre dois carros com seguranças. Buntaro era o braço direito de Yuki, esta noite também era seu motorista, ele sabia que sua líder iria querer ficar sozinha.

- A reunião foi proveitosa?

- Pode-se dizer que sim Buntaro, embora fosse óbvio.

- Dellaqua?

- Não, Dellaqua é uma cobra, mas não é covarde, o mandante dos crimes foi José Maria.

- O latino? Por que ele?

- Felizmente a polícia é corrupta, todos sabíamos que eram dois assassinos, mas só ele revelou este fato. Ele parecia querer fazer questão de deixar claro que obtivera esta informação. Ele também tentou se aproximar de nós, formar uma aliança contra seus assassinos.

- Então é guerra?

- Ainda não, a pesar de ter certeza não posso provar nada, eu teria problemas com Dellaqua e Cool caso acabasse com a trégua, além do mais vai ser divertido ver o que estes assassinos podem fazer.

- Nós seremos o próximo cartel a ser atacado?

- Acredito que seria o italiano, mas esta noite eu deixei bem claro para José Maria que eu desconfio dele.

- A senhora vai mostrar por que a chamam de shinigami (deus da morte).

Yuki sorri de satisfação, mas também sorri com a expectativa de poder enfrentar dois assassinos capazes de destruir a máfia russa. O silêncio de Yuki e Buntaro perdura por toda a viagem.

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Ao mesmo tempo José Maria entra em uma casa comum, irritado ele vai até um quarto onde haviam fotos de Dellaqua e seus principais homens, irritado José arranca todas as fotos do italiano da parede.

- Maldita vaca japonesa! Alejandro!

Alejandro, o braço direito de José Maria, entra no quarto correndo, ele se espanta ao ver seu chefe destruindo as fotos de Dellaqua.

- Onde está a pasta do cartel asiático?

- Aqui está senhor.

Alejandro oferece uma pasta para seu chefe, que arranca a pasta de das mãos de seu subalterno, José vasculha a pasta até encontrar uma foto de Yuki, em seguida ele vai até outro quarto, onde encontra os dois irmãos assassinos.

Um dos irmãos usava um vestido de renda com botões abertos, peruca feminina e calcinha arriada até o joelho, O segundo garoto vestia roupa social infantil, camisa totalmente aberta e a braguilha da calça aberta. Os dois estavam quase se beijando, mas são interrompidos por José Maria que parecia ignorar a cena, já Alejandro tenta segurar o vômito.

- Prestem atenção garotos.

- Está na hora de brincar?

- Mudança de planos, vocês vão atrás desta moça - José entrega a foto de Yuki para um dos irmãos.

- Agora?

- Impossível - Alejandro interrompe - precisamos coletar informações.

- Amanhã - a ordem foi direcionada mais para Alejandro do que para os garotos.

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O carro de Yuki encosta ao lado de um prédio, onde David estava encostado na parede esperando por ela.

- Você veio em uma boa hora, estava muito animada para dormir.

- Tenho uma informação para você.

- Sobre os assassinos? - Yuki debochava de seu amante - você vai me dizer algo que eu não saiba?

- Sim.

Yuki fica séria e encara David percebendo que sua expressão denotava preocupação, mais até, algo perturbava David, ele precisava falar. Yuki entra no prédio acompanhada de David, ambos sobem para o quarto dela.

Uma vez dentro do quarto Yuki retira seu blazer e o coloca no recosto da cadeira, em seguida guarda o revólver, com o qual matou seu pai, em uma gaveta. Yuki acende um cigarro, senta-se na cadeira cruzando as pernas e exibindo para David uma de suas coxas cobertas por uma meia preta 3/4. O detetive permanecia de pé, andando em círculos.

- Então? O que era tão importante?

- Os assassinos são crianças.

- Ah é?

- Eles devem ter no máximo 10 anos.

- E...

-E? Eles são crianças Yuki!

- Eu comecei mais cedo, no lugar onde cresci era matar ou morrer, a única amiga que eu tinha era minha arma - Yuki lembra-se rapidamente dela aos oito anos segurando sua pistola fumegante, apontada para um cadáver, a pequena Yuki ostentava uma expressão neutra com lágrimas nos olhos - violência acontece em todos os lugares do mundo, por que se sensibilizar agora? logo com estes garotos? O que não mata, torna-me mais forte.

- Sinto muito.

- Cale a boca, se quisesse sensibiliza-lo eu contava sobre a primeira vez que fui estuprada, eu tinha 12 anos. Nada pior do que ser tratada como prostituta pelos meus companheiros.

- Sim, acho que entendo.

- David, se algum dia você olhar para mim com piedade, da mesma forma que aqueles pseudo-humanitários olham para os pobres, se você pensar, apenas uma vez, "coitada dela" eu mato você, entendeu?

- Sim, você é muito mais frágil do que eu imaginava.

Yuki levanta-se furiosa encarando David, o policial se vê invadido por uma profunda tristeza, ele não conhecia a origem daquela dor mas sabia que precisava fazer algo, David abraça Yuki "vai ficar tudo bem" Yuki livra-se de David acertando um soco em seu rosto. Em seguida ela o beija, os dois vão para cama.

- É sempre sombrio ao seu lado, Yuki.

- Se você quiser pode mudar de lado.

- Não pretendo sair daqui, se ficar ao seu lado significa ficar envolto pelas trevas, então eu serei tragado.

- Não se aproxime do abismo, você não vai conseguir voltar. Neste ponto nós dois somos diferente.

Os dois beijam-se sobre a cama, retirando a roupa para uma noite de sexo.

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No dia seguinte os dois irmãos entram em um restaurante comandado pelo cartel asiático, os meninos são barrados pelo maitre.

- Desculpe, mas vocês estão acompanhados pelos seus pais?

- Nós viemos para a reunião.

- Mas assim tão novos?

- São ordens da senhora Yuki.

- A reunião será na sala dos fundos, vocês foram os primeiros a chegar, podem esperar lá.

Os irmãos vão para a sala indicada, onde sentam-se nas cadeiras, grandes demais para seus pequenos corpos, balançando seus pés no ar, como duas crianças o fariam, um deles começa a brincar com um cachorrinho de pelúcia, o menino abre a cabeça do cachorro e retira um punhal de dentro dele.

- Amar é querer ficar próximo do outro?

- Sim, amar é ficar o mais perto possível.

- Amar é ter o outro perto de si.

- Amar é ter o outro internalizado.

- Amar é ter o outro dentro de si.

- Amar é devorar o outro.

- Amar é canibalismo.

- Mas eu não amava aquelas moças que estavam com Nikolai.

- Aquela é a profissão delas, o canibalismo verdadeiro é com quem se ama.

Um dos garotos abre as costas de um grande urso de pelúcia de onde retira uma peruca loira e a veste em seguida.

- Eu serei a irmanzinha.

O outro garota retira a peruca do irmão e a veste.

- Agora eu sou nossa irmã.

Buntaro entra no restaurante acompanhado por alguns homens de confiança, o maitre os avisa que dois garotos estavam esperando por ele, Buntaro logo deduz que podem ser os assassinos, ele e seus homens vão até a sala onde os irmão estavam, Buntaro espera do lado de fora, sacando sua arma, os homens fazem o mesmo. Com um sinal de Buntaro um dos homens abre a porta, sendo recebido por uma rajada de balas em seu rosto.

Os clientes levantam-se assustados, Buntaro prepara-se para invadir a sala quando vê um carrinho de corda com uma granada acoplada saindo de dentro da sala. A fachada do restaurante explode com a granada. Os garotos saem da sala atirando nos sobreviventes, sem distinguir clientes, funcionários e mafiosos. Um dos irmãos entra na cozinha esfaqueando os cozinheiros, o outro encontra Buntaro caído no chão, ainda vivo. Seu irmão junta-se a ele.

- É este o trabalho?

- Podemos leva-lo para brincar?

- Acho que não tem problema, o importante é que ele morra.

Os dois garotos seguram as pernas de Buntaro e o arrastam para fora do restaurante, entrando em um carro preto, que os esperava.

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A chuva caía com toda sua severidade, o hospital estava tranquilo, exceto pelo quarto 305, guardado por dois seguranças do cartel asiático. O maitre estava internado, Yuki estava com ele, desrespeitando todas as regras do hospital ela acende um cigarro dentro do quarto enquanto esperava pela resposta de seu funcionário.

- Sim, eram dois garotos de no máximo dez anos, eles não eram idênticos mas pareciam irmãos.

- Mais alguma coisa?

-Na verdade, a maneira de falar deles era, como posso dizer, seu sotaque era eslavo.

- Eslavo?

- Sim, em épocas de guerra é comum crianças tornarem-se mercadoria, se a senhora me entende, eu diria que eles são bósnios houveram muitas guerras pela independência daquele país nos últimos dez anos.

- Entendo o que você quer dizer e obrigada.

Yuki sai do quarto permitindo que o maitre descanse, ela é acompanhada por Ishido, o terceiro em comando, e pelos seguranças.

- Nunca imaginei que Buntaro fosse pego tão facilmente.

- E agora senhora?

- Você não ouviu o que ele disse? "crianças tornam-se mercadorias".

- Me desculpe, mas esta frase não faz sentido.

- Idiota.

- Me desculpe.

- Você está pensando neles como assassinos, aconteceu alguma coisa antes deles se tornarem o que são. Vamos para a loja do Big Joe.

- Big Joe dos vídeos eróticos?

- Sim, o Big Joe dos vídeos eróticos ilegais.

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David estava no laboratório criminal, ele mantinha sua cabeça deitada sobre a mesa de autópsia, Catarina trabalhava no microscópio, sem se importar com a presença do amigo. David lembra-se da noite anterior, após o sexo ele começava a se trocar de pé ao lado da cama, Yuki acende um cigarro e retoma a discussão:

- Você era do tipo que acreditava em heróis?

- Do que você está falando?

- Tenho certeza de que seus pais levavam você para assistir os filmes da Disney, durante a tarde você brincava de cavaleiro mascarado que salvava a princesa em apuros, depois seu pai contava uma história para você dormir.

- Você é muito pessimista Yuki.

- Deve ser doloroso saber que o mundo não é colorido, como dizia o Mickey Mouse.

- Não me culpe pela sua solidão.

- Não me importo, cheguei onde cheguei graças a solidão.

- Você não precisa ficar sozinha.

- Ohhh! Você vai ser meu cavaleiro mascarado?

- Não precisa falar assim. Eu amo você.

Yuki fica em silêncio por um segundo, ela veste sua camisa e vira de costas para David que já estava devidamente trocado. Yuki recomeça:

- Não existem heróis neste mundo, mesmo que você tenha a ilusão de me salvar saiba que ela é falsa.

- Por que você diz que minhas intenções são falsas?

- Você quer salvar a si mesmo, você quer voltar a viver neste mundo cor-de-rosa, é patético, mas você acredita que sendo um policial irá poder salvar as pessoas.

De volta ao laboratório David levanta a cabeça observando Catarina que ainda trabalhava ao microscópio. Ela percebe a mudança de seu colega.

- Aconteceu alguma coisa?

- Você diria que nossa infância foi a ultima infância feliz?

- O que você está falando? - Catarina abandona o microscópio encarando David surpresa.

- Compare as crianças de hoje com a nossa infância, eu sei que aproveitei o meu tempo.

- Você está falando dos irmãos assassinos?

- Não apenas deles.

- Escute David a insensatez é anterior as nossas virtudes, antes de alcançarmos a civilização e desenvolvermos nossos polegares opositores éramos todos bestas selvagens e de certa forma ainda somos.

- Você também vai dizer que eu vivo em um mundo cor-de-rosa?

- Uns dois anos atrás um garoto roubou minha carteira, como pensei que ele estivesse com fome e precisasse do dinheiro não fui atrás dele, uma semana depois o garoto foi encontrado morto. Ele deve ter achado que foi fácil e tentou roubar uma carteira mais gorda - Catarina suspira - de certa forma a culpa foi minha, eu sou uma policial e deixei um crime ser cometido.

- Este tipo de coisa não acontecia antes ou eu que não as via acontecer?

- Você é idealista David, pessoas idealistas sofrem. Abandone este caso para o seu próprio bem.

- Não posso.

Cataria dá de ombros e indiferente volta sua atenção ao microscópio, David permanece debruçado sobre a mesa de autópsia, a voz de Yuki ecoa em sua mente: "Cuidado, não se aproxime tanto do abismo, você e eu somos diferente".

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Yuki estava de é na frente do Big Joe, este tremia de medo sentado em um sofá velho, os outros mafiosos rondavam a loja/casa de Joe. Yuki olhava para aquele homem com nojo, não por sua ocupação mas por sua covardia.

- Não precisa ter medo. Eu quero uma coisa, se você a tiver eu vou embora.

- O... o que?

- Snnuf movies com pornografia infantil de origem eslava, qualquer coisa que tenha crianças transando ou matando, de preferência do dois.

Big Joe levanta-se, ainda cambaleante, abre uma caixa de papelão de onde retira alguns DVD´s sem identificação, Yuki os pega e vai embora. Uma vez sozinho Big Joe desaba no chão aliviado por ainda estar vivo.

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Dentro do esconderijo dos dois irmãos Alejandro bebia mais um copo de tequila tentando ignorar os gritos de Buntaro, os irmãos estavam brincando com ele. Irritado e bêbado Alejandro invade o quarto dos garotos.

Buntaro estava amarrado em uma cadeira, seus olhos haviam sido arrancados, os irmãos tinham devorado a perna direita de Buntaro e agora começavam a comer sua perna esquerda, Alejandro saca sua arma acertando um tiro na cabeça de Buntaro.

- O que vocês pensam que estão fazendo? Estamos todos enojados com este sadismo, era para vocês matarem os líderes dos cartéis, não começar este massacre, agora limpem já esta bagunça.

Alejandro bate a porta deixando os irmãos dentro do quarto, eles ainda estavam confusos, um olha para o outro.

- Por que ele gritou conosco?

- Eu não gosto que gritem com você irmão.

- Eu também não gosto que briguem com você, irmão.

- Eu vou protege-lo irmão.

- Também irei proteger você, irmão.

Os dois irmãos armam-se de metralhadoras de mãos, revolveres e facas, e saem de seu quarto, matam os dois mafiosos que encontram pela frente e se escondem. Alejandro e mais três mafiosos correm atrás do som dos tiros, eles são recebidos com tiros, Alejandro cai ferido, os outros três mortos.

Um dos irmãos corre sobre Alejandro atirando com as metralhadoras de mão, o segundo irmão vem logo atrás cravando sua faca no estômago de Alejandro, expondo suas vísceras e retirando-as lentamente até que Alejandro morra.

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A chuva caía sem trégua, Dellaqua vira o colarinho do sobre-tudo tentando se proteger da chuva, Yuki aproxima-se dele desculpando-se pelo atraso.

- Pensei que os asiáticos fossem pontuais.

- Veja isto.

Yuki mostra um i-pod para Dellaqua, exibindo um dos vídeos que Big Joe lhe dera, Dellaqua assiste cuidadosamente, em seguida encara Yuki.

- Estas crianças são quem eu estou pensando?

- Se você estiver pensando nos assassino, sim.

- Como você conseguiu?

- Não seria melhor você perguntar quem os contratou?

- José Maria?

- Bingo!

- Minhas apostas eram ele ou você.

- O que você quer fazer?

- Ele merece uma retaliação.

- Quando?

- Meia-noite?

- Meia-noite.

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José acabara de colocar seu filho na cama, ele lê uma história de ninar até que o garoto adormeça, em seguida José sai do quarto de seu filho lentamente, sem fazer barulho. Na sala de televisão o mafioso surpreende sua esposa, Roberta, beijando-a, enquanto coloca sua mão dentro da blusa dela acariciando seus seios.

Os dois deitam-se sobre o sofá, Roberta retira sua camiseta exibindo os seios, José beija os seios de sua esposa, Roberta abre a calça de José, enquanto retira sua calcinha. Roberta senta sobre ele cavalgando seu marido, arqueando as costas para trás.

Ela rebolava sobre o pênis de seu marido quando os seguranças do lado de fora eram mortos a facadas, José chupava os seios dela, Roberta abraça a cabeças de seu marido contra seu peito para o êxtase máximo de José.

Assim que eles terminam de transar as luzes da casa se apagam, José levanta-se com sua arma em punho, Roberta senta-se no sofá.

José ouve um barulho vindo de um dos corredores, ele aproxima-se lentamente, seguido por Roberta, que cobria seus seios nus com os braços.

- Fique aqui.

- Cuidado José.

O mafioso aproxima-se do corredor, ele gira sobre os calcanhares, encarando o corredor vazio, de outro corredor surge um coelho azul, de 1 m da altura, movido por corda. O casal escuta um grito de seu filho, José e Roberta sobem as escadas correndo.

O garoto estava sentado na cama, esta estava cercada por pequenos animais de pelúcia, alguns de corda o garoto segura um deles para o desespero de José.

- Não!

O animal de pelúcia explode, seguido pelos outros brinquedos. José protege Roberta, empurrando sua mulher para o corredor, em seguida olha para o lado reconhecendo os dois irmãos parados na entrada do corredor, cobertos por sangue, José atira mas os irmãos se separam. José corre atrás deles.

- O que vocês estão fazendo aqui?

Ele ouve risos, José atira na direção das risadas até ficar sem balas, o mafioso recarrega sua pistola quando uma geladeira de brinquedo atravessa o corredor abrindo e fechando sua porta alegremente.

- Me respondam! o que vocês estão querendo?

- Você brigou conosco.

José atira na direção da voz.

- Você quer nos matar.

José atira na outra direção, ele ouve os gritos de Roberta, José corre até onde deixara sua esposa. Um dos irmãos chupava os seios de Roberta, José aponta sua arma para ele.

- Fique longe da minha esposa.

O mafioso ouve o som de uma motosserra, um dos irmãos sai de dentro de um banheiro cortando a panturrilha de José, o outro irmão atira na cabeça de Roberta.

- Filhos da puta.

- Você é como os outros, finge que gosta de nós mas fica gritando e dando ordens.

Os garotos decepam os braços e pernas de José Maria deixando a cabeça por ultimo.

Do lado de fora da casa, dois carros estacionam, Dellaqua desce de um deles acompanhado por alguns homens, o italiano observa a mansão de José Maria percebendo que tinha algo de errado.

- Protejam-se agora!

Dellaqua salta sobre o capo do carro escorregando para o outro lado momentos antes de uma rajada de balas matar seus homens e atingir seu carro blindado. Dellaqua saca seu revolver sabendo que poderia morrer ali. Os irmãos olhavam para o carro semi destruído, Dellaqua usa sua ultima cartada.

- Então vocês foram contratados por José Maria?

- Sim, mas acabamos de nos demitir.

- Nos desculpe homem da Itália, mas não podemos brincar agora. Temos mais uma pessoa para matar.

Os irmãos fogem pela noite, Dellaqua descansa atrás do carro, lamentando não ter levado mais homens, em seguida ele pega seu celular.

- Yuki, os irmãos se revoltaram contra José Maria, eles estão indo atrás de você.

Dellaqua desliga o celular, em seguida ele disca outro número.

- Sou eu, tem dois garotos soltos pela cidade, não importa o que vocês façam, eu quero a cabeça deles.

Yuki acabara de receber a ligação de Dellaqua, ela acende um cigarro, encara Ishido.

- Encontrem os garotos.

- Sim senhora.

- Mais uma coisa Ishido, eles são meus, se alguém mais tentar impedir mate-o.

- Sim.

Na delegacia David trabalhava em sua mesa quando percebe uma estranha movimentação, seu celular toca, David reconhece o número de um informante.

- O que foi?

- Tenho uma informação para você policial.

- O que foi?

- Uma estranha movimentação das máfias.

- Como assim?

- As máfias italiana e asiática estão pela cidade procurando dois garotos.

- Continue de olho e me avise sobre qualquer novidade.

David desliga o celular levantando-se abruptamente, ele olha para um de seus subordinados.

- Tem alguma coisa estranha acontecendo, vamos todos.

- Estranha o quanto?

- Os italianos e asiáticos vão entrar em guerra.

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Os dois irmãos estavam dentro de uma igreja, escondidos perto do altar, o padre acaricia a cabeça de um deles antes de ir para seu alojamento - "Esta cidade pode ser muito cruel para dois garotos".

- Obrigado, o senhor é muito gentil.

- Podem passar a noite aqui.

David estava a bordo de uma viatura, seu celular toca, ele ouve uma informação de seu informante e desliga o telefone.

- Vá para a igreja São Paulo, acho que poderemos impedir a guerra.

Simultâneamente Dellaqua e Yuki recebem a mesma informação enviando seus homens para a igreja. David é o primeiro a chegar, ignorando italianos e asiáticos que observavam a igreja de longe.

- Escutem, devem ter dois garotos ai dentro, eles são extremamente perigosos.

- O que você quer fazer?

- Eu vou na frente.

David veste um colete a prova de balas, em seguida entra na igreja.

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Yuki estava entrando em seu carro quando Ishido aproxima-se com uma informação.

- O que foi?

- Aquele policial está na igreja, ele deve ter ido atrás dos irmãos.

- Eu já dei minhas ordens, mate quem se aproximar.

David entra na igreja seguido dos policiais, seus passos são cuidadosos e suaves, para não intimidar os irmãos.

- Por favor garotos, eu não quero machuca-los, mas tem muita gente atrás de vocês.

David dá mais um passos, olhando por entre os bancos tentando encontrar os dois garotos.

- Eu quero protege-los, por favor venham comigo.

Os dois irmãos entre-olham-se, eles percebem que tinha uma porta lateral perto deles.

- O que vamos fazer?

- Está na hora de nos separarmos.

Um dos irmãos engatinha até a porta fugindo da igreja, o segundo levanta-se com as mãos para o alto.

- Você é policial?

- Sim, eu vou protege-los.

- Por que?

- Por que não?

Um tiro ecoa pela igreja atingindo o altar, o garoto esconde-se, David corre até ele escondendo-se ao seu lado, os demais policiais escondem-se atrás dos bancos. Os italianos estavam na igreja.

- Entregue os garotos detetive.

David retira seu colete a prova de balas vestindo o garoto com ele.

- Onde está seu irmão?

- Ele foi atrás da japonesa.

- Por que vocês continuam?

- É a regra do jogo.

Os demais policiais tinham os italianos na mira, os mafiosos estavam em uma proporção de dois para cada policial, a porta dos fundos abre-se, Yuki entra na igreja com seus homens, ela olha David.

- Você é um idiota.

- Yuki espere, eles não vão atrás de vocês, eu não vou deixar.

- Você acha que eu tenho medo?

- Yuki! - Dellaqua acabara de entrar na igreja - o que significa isto?

- O mesmo que você Dellaqua, os assassinos são meus.

Yuki e Dellaqua trocam olhares, os dois escondem-se ao mesmo tempo enquanto seus homens começam a atirar uns nos outros, os policiais entram no tiroteio, David abraça o garoto tentando protege-lo, para a total surpresa deste, Yuki ri, se divertindo com o tiroteio. Dellaqua foge da igreja protegendo sua vida, Yuki continuava ao lado de David e do assassino se divertindo, Os policiais, italianos e asiáticos se matam.

David levanta-se em meio aos cadáveres, Yuki o observa com um sorriso nos lábios, David caminha na direção da porta, o garoto ia atrás dele, um italiano ainda estava vivo, ele tenta erguer sua arma, David o vê, saca seu revolver e mata o mafioso com um tiro na testa.

- Mas que merda!

David olha furioso para o altar apontando sua arma para a imagem de Jesus, o garoto estava confuso, já Yuki observava a cena muito interessada, ainda se divertindo. David estava furioso com alguma coisa que nem ele mesmo sabia.

- Por que você não fez nada - ele olhava para Jesus - todos se mataram na sua casa! Por que você não fez nada sobre o passado de Yuki ou sobre estes dois irmãos? Onde estava você? Onde está você Deus?

Yuki permanecia abaixada, ela acende um cigarro com um sorriso nos lábios, David gira em círculos como se procurasse por Deus.

- Você está escondido? Ou simplesmente tem medo de nós? Você tem medo de encarar a sua própria criação? Para onde vamos sem você? Quem vai nos guiar? Eu não escuto o som dos coveiros, nem sinto o cheiro da descomposição divina. Onde está você? - David aponta novamente sua arma contra Jesus, desta vez com os olhos cheios de lágrimas - não podemos estar sozinhos na noite, tem que existir alguma coisa!

O silêncio dura segundos, mas para David leva horas, o menino olhava para o policial confuso, sem entender o que acontecia, Yuki termina seu cigarro e o apaga no chão da igreja, David abaixa sua arma.

- Então é verdade, Deus está morto e nós o matamos.

- Se Deus esta morto, você pode se tornar seu próprio Deus - Yuki levanta-se, atraindo a atenção de David que aponta sua arma para ela.

- Você não vai levar este garoto.

- O que vai fazer David? Atirar em mim.

- Eu não quero machuca-la, mas eu vou proteger este garoto.

- Você não poderia me machucar nem mesmo se quisesse.

- Escute Yuki...

- Não David, me escute você, não existe possibilidade de você salvar este garoto.

- Eu não falo de possibilidades, eu falo do que é certo.

- Não me venha com esta moral de escravos - ela suspira - muito bem David, eu vou lhe dar o melhor presente que alguém já lhe deu.

- Do que você está falando?

- Você poderá tentar provar para si mesmo que tudo aquilo em que você acreditou até hoje é verdade, vá e salve o garoto.

- Yuki...

- O irmão dele está lá fora esperando para me matar, Dellaqua e seus homens também estão lá fora, eu vou ganhar tempo para vocês.

- Espere Yuki é perigoso.

- Perigoso? Você acha que eu me sacrificaria por você David? Eu já tive amantes melhores e nenhum deles foi tão idiota a ponto de dizer que me amava - Yuki saca sua arma, a mesma que ela usara para matar seu pai, torne-te quem tu és, David, isto é se você conseguir.

Yuki sai pela porta lateral, no lado de fora da igreja ela olha para cima, sorri e desvia de um tiro, provavelmente vindo do garoto assassino, ela dobra a igreja fugindo do ângulo de visão do assassino. Yuki fica de frente para dois carros da máfia italiana Dellaqua e mais seis homens esperavam por ela.

- Ora, ora Yuki - Dellaqua sorria com a casualidade - não esperava que fosse tão fácil encontra-la.

- Dellaqua sua cobra, você deve me achar uma inimiga inferior para chamar apenas seis homens.

- Não apenas seis, mas meus seis melhores, eles são a minha tropa de elite - Dellaqua saca sua arma e gesticula com ela - quer saber como é terrível o inferno? Você está entre os meus seis melhores assassinos e entre o garoto psicopata.

- Não Dellaqua, são vocês que estão entre o garoto psicopata e eu.

Yuki sorri, ela não se lembrava de um momento de tanta felicidade, ela atira na cabeça de um dos assassinos e sorridente corre para um beco, os assassinos atiram contra a escuridão matando alguns mendigos, Yuki divertia-se cada vez mais.

Assim que os assassinos param para recarregar Yuki corre contra eles matando mais dois, ela salta no ar, com um sorriso nos lábios, enquanto as balas dos italianos zumbem a sua volta, Yuki aterriza com os dois pés no peito de um deles, antes de cair no chão ela mata o quarto assassino, dá um giro no ar e mata o quinto, antes de se levantar ela mata o sexto, aquele que levou o chute no peito, Yuki encara Dellaqua enquanto guarda sua arma no coldre.

- Esta era a sua tropa de elite? Ridícula como você.

Dellaqua aponta sua arma para Yuki, mas como estava nervoso erra o tiro, Yuki corre na direção do italiano e desembainha sua catana, em baixo do sobretudo, e com um golpe certeiro decepa a mão direita de Dellaqua, com outro golpe certeiro ela decepa a mão esquerda. Dellaqua cai de joelhos, Yuki dá o golpe final cortando a garganta do mafioso, ela olha para trás e sorri.

- Agora é a sua vez, garoto assassino.

Yuki guarda sua espada e saca novamente sua arma, correndo para o beco escuro, sabendo que estava sendo perseguida pelo garoto. Uma rajada de balas ecoa pela noite, Yuki, com um sorriso nos lábios, salta no ar atirando de volta, ela esconde-se atrás de uma parede, acende um cigarro.

- Não seja tímido garoto, eu sou bonita, mas não mordo.

- Você quer brincar?

- Sim, eu quero brincar, você é o menino desobediente e eu sou o bicho-papão que veio te devorar.

Uma nova rajada de balas ecoa pela noite, Yuki termina seu cigarro esperando pelo som da metralhadora vazia, este som logo vem, camuflado pelo barulho da chuva, Yuki sai de trás da parede atirando, ela olha para cima, o garoto salta sobre ela com um revolver nas mãos, o garoto cai sobre Yuki, os dois rolam no chão, ela o joga longe e some nas trevas.

O garoto levanta-se rápido e atira na direção em que Yuki escondera-se, a japonesa surge ao lado do garoto cortando a arma dele com sua espada - "eu cresci neste bairro, não tem como você me derrotar aqui".

Yuki rasga o estômago dele em seguida atravessa seu ombro prendendo-o à parede com sua espada, o garoto sente-se fraco demais para continuar lutando, Yuki afasta-se, a chuva escorre por seu rosto sem emoção, ela saca sua arma e atira nos dois joelhos dele.

- Com estes ferimentos você vai viver mais vinte minutos, no máximo, e eu vou assistir sua dor até o ultimo momento.

- Ainda não acabou, meu irmão é muito bom, ele vai atrás de você.

- Bom? Significa que você também se acha bom, não é mesmo garotinho.

- Nos dois somos os melhores.

- Bom é tudo aquilo que vem do poder, mal é tudo aquilo que vem da fraqueza, você está morto e eu estou viva, eu sou boa.

- Eu não vou morrer, vou viver no meu irmão e vou contar para ele como você luta.

- Não, você vai morrer e vai morrer por que é fraco. Eu vi o que fizeram com você, perante o abismo existem apenas duas possibilidades superar a si mesmo ou cair de cabeça na escuridão, você sucumbiu, você foi fraco e por isto merece morrer - ela lembra-se mais uma vez de quando era uma menina e estava de pé ao lado de um corpo segurando sua arma flamejante, com os olhos cheios de lágrimas - você é fraco, um ser inferior, não ouse se comparar comigo.

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David estava com o outro irmão dentro de um viatura da polícia, a chuva finalmente parara, o garoto olha para cima e sorri.

- Gostaria que estivesse de dia, eu gosto de ver o sol, mas estes últimos dias só tem chovido.

- É uma pena, mas nesta época do ano chove o dia inteiro.

- Tudo bem, eu e meu irmão estivemos nos escondendo, muita gente queria nos matar.

- Agora você não precisa mais se esconder, depois eu vou procurar o seu irmão, está bem assim?.

- Você é gentil, mas meu irmão está morto.

- Por que você acha isto?

- Eu não sei, apenas sinto, depois que nossos pais morreram eu e meu irmão crescemos juntos, acho que criamos este vínculo.

- Me desculpe, eu não pude salva-lo.

- Não se preocupe, meu irmão vai estar comigo, ele já está dentro de mim - o garoto estica a perna, levanta a calça e mostra uma marca se mordida em sua panturrilha - vê eu comi uma parte do meu irmão e ele comeu uma parte minha, ele já está dentro de mim.

David fica em silêncio, ele dobra uma esquina e acelera ultrapassando o limite de velocidade.

- Por que vocês se tornaram assassinos?

- Eu não me lembro direito, eu e meu irmão éramos muito jovens quando o exército invadiu nossa casa e mataram nossos pais, nós fomos levados. um dia eles nos colocaram sem roupa e mandaram que nos beijassem, eles queriam filmar.

David percebe que estava ficando enjoado, não pela narrativa do garoto, mas pela calma em sua voz, demonstrando que ele falava sobre algo corriqueiro.

- Ficamos assim por um tempo até crescemos, então nos colocaram com uma menina e mandaram que a beijasse-mos, outras vezes eram cachorros ou porcos, mas na maioria das vezes eram adultos.

- Pare...

- Um dia nos colocaram com outras crianças, mas com roupas, os garotos nos atacaram, eu e meu irmão lutamos contra eles, eu bati com a cabeça do garoto contra o chão até o cérebro dele sair.

- Por favor, pare...

- Quando matamos todos ficaram felizes, ganhamos sorvete naquele dia, foi um dia especial. Continuamos assim até gritarem conosco. Eu e meu irmão matamos os homens, outra pessoa nos viu e ofereceu um trabalho.

David encosta o carro e abraça o garoto "vai ficar tudo bem", David engole seu choro e sorri ao perceber que o garoto retribui o abraço.

- Você é muito gentil, eu quero dar um presente para você.

O garoto afasta-se, abre sua calça e a arria juntamente com a cueca, exibindo seu pênis.

- É para você.

David cerra seu punho, acelera o carro e segue muito a cima do limite de velocidade, ele liga a sirene, fazendo com que o som abafe a voz do garoto.

A viatura encosta ao lado de outro carro, David desce da viatura, o garoto desce pela outra porta, ele olha para o céu, vê o nascer do sol e recebe um tiro na testa, David gira apavorado, encarando Catarina com a arma em punho, o olhar de David denotava a morte da esperança.

- Eu avisei, pessoas idealistas tendem a sofrer.

- Quanto Yuki pagou para você?

- O suficiente para sair desta cidade.

Catarina aponta sua arma para David, mas logo percebe que ele estava completamente destruído, tudo em que ele acreditava estava despedaçado, David estava sobre o abismo.

- Tenho uma mensagem de Yuki para você.

- Qual?

- Tudo aquilo que se faz por amor, se faz para além do bem e do mal.

David não reage, sua mente parecia distante, ele sussurra "torne-se seu próprio deus".

- O que você disse?

David olha para ela, seu olhar estava diferente, ele parecia ter encontrado uma grande verdade, ele renascera como alguém diferente, o antigo David estava morto, era impossível dizer quem era aquele homem. Catarina guarda sua arma e prepara-se para ir embora.

- É melhor livrar-se do corpo.

- Não, ele queria ver o sol.

No outro lado da cidade Yuki recosta-se na parede, acende outro cigarro, dá uma ultima olhada no cadáver do garoto assassino e olha para o céu.

- Eu avisei David, este mundo não é para você - ela dá uma tragada - já que você tentou tirar minha solidão deveria estar disposto a me dar uma companhia verdadeira. Torne-te quem tu és, David.

Yuki olhava para o nascer do sol, assim como David, ambos observavam o nascer de uma nova época, de uma nova relação e de novas pessoas.

FIM

"Deus morreu! Deus continua morto! E nós o matamos! Como havemos de nos consolar, nós, assassinos entre os assassinos! O que o mundo possuía de mais sagrado sangrou sob o nosso punhal; quem nos limpará este sangue? Que água nos poderá lavar? Que expiações, que jogo sagrado seremos forçados a inventar? A grandeza deste ato é demasiada grande para nós. Não será preciso que nós mesmos nos tornemos deuses para parecermos dignos dele?" (Nietzsche).