O dia em que a menina se "viu". Parte II

A menina tinha adormecido nos braços de Mario, dormia profundamente.

Eles pararam no posto e foram para a lanchonete 24 horas enquanto Alberto abastecia o carro.

- Eu quero um chocolate quente - disse a menina entusiasmada - lá em casa eu nunca pude tomar.

- Não? - perguntou Carlos segurando a mão dela - E por que não podia?

- Meu pai não deixava - disse ela olhando para o chão.

Cinco minutos depois os três voltaram para o carro. Gabriela trazia umas rosquinhas e um copo de chocolate quente para Alberto.

- Trouxe pra você - disse a menina - Eu também comi isso.

- Ah, muito obrigado - disse Alberto sorrindo - Eu adoro.

- Alberto - começou Carlos - tudo pronto ai?

- Sim, podemos seguir. Eu como quando chegarmos.

- Tudo bem, então vamos.

Os quatro continuaram o caminho. O dia ia raiando, um crepúsculo matinal revigorante para o tempo que já haviam viajado.

Iam por uma estrada de terra cheia de curvas, de repente avistaram uma pessoa mais a frente.

- Alberto - disse Carlos nervoso - Não pare o carro, continua.

- Mas por que está me dizendo isso? - Alberto começava a entrar em pânico novamente.

- Faça o que eu digo!

De repente a pessoa da estrada entrou na frente do carro. Alberto por instinto freou, mas acabou atropelando.

- Meu Deus! - Alberto entrou em total desespero - O que eu fiz?

- Continua! - disse Carlos - Ele está bem.

- Como bem? Eu o atropelei!

O homem na estrada começava a se levantar, ia na direção do carro.

- Alberto, vamos!

- Alberto - disse a menina - eu estou com medo dele.

Foi então que Alberto pisou fundo e continuaram na estrada. A voz da menina pareceu despertá-lo de um devaneio. O pára-brisas do carro estava todo trincado, mas não tinha nenhuma mancha de sangue.

- Que diabos foi aquilo? - perguntou Alberto confuso.

- Vamos sair daqui primeiro. Só vamos estar em segurança na casa.

- Gabriela - começou Carlos - Você está bem?

- Está - disse Mario abraçando a menina - Ela está bem.

Eles continuaram a viagem pela estrada. O sol já havia aparecido por inteiro no céu desanuviado de uma manhã fresca e agradável.

Após mais alguns quilômetros avistaram uma ponte que cortava um riacho. Além da ponte havia uma casa de aparência rústica e chamativa.

Ali estava, era ali que Alberto finalmente ia descobrir tudo sobre a menina, e ali ia ter as respostas para suas perguntas.

Alberto atravessou a ponte de madeira e estacionou o carro no gramado em frente da casa. De perto agora dava para ver como era grande a casa.

- Meu avô a deixou para mim quando morreu - explicou Alberto - Sintam-se a vontade, como se fosse de vocês.

Os quatro esticaram os corpos quando saíram do carro. Gabriela soltou um grande bocejo.

- Gabriela - começou Alberto - vou levá-la a um quarto para que durma um pouco.

Alberto pegou um molho de chaves no porta-luvas do carro e abriu a porta da frente.

Quando entraram tiveram a impressão de estarem entrando em uma taverna. Sofá estofado, tapetes de pelo de ovelha, e uma lareira.

- Depois lhes mostro o restante da casa - disse Alberto - Meu avô adorava esse estilo rústico, era aqui que ele e eu passamos boa parte de nossas vidas. Sempre que queríamos fugir do mundo vínhamos para cá.

- Sim - disse Carlos - é uma casa confortável e agradável.

- Venha Gabriela - disse Alberto - venha, vamos arrumar sua cama. Fiquem os dois a vontade, já venho.

Alberto levou a menina por um corredor e desapareceu.

- Carlos - começou Mario - o que vamos contar a ele?

- Eu pretendo contar tudo o que diz respeito a ele - disse Carlos pensativo - Vamos ver como ele reage, e então veremos se podemos avançar nas revelações.

- Sim, concordo.

Passados alguns minutos Alberto voltou.

- Ela dormiu no mesmo instante - disse ele dando um sorriso - Bem, vou preparar algo para bebermos. Sentem-se, vamos.

Os dois se sentaram enquanto Alberto buscava algo na cozinha. Voltou com três xícaras de chá e biscoitos.

- Eu me previno - disse ele - Sempre reabasteço a despensa.

- Bom, - começou Carlos pegando uma xícara - primeiro vamos explicar umas coisas e depois você faz suas perguntas.

- Tudo bem - disse Alberto, os olhos faiscando.

- Vamos começar dizendo quem somos - disse Carlos analisando atentamente Alberto - não nos interrompa.

- Sim - concordou.

- Bem, - começou Mario - não nos conhecemos por acaso. Estamos aqui para cumprir uma missão.

Alberto escutava atentamente.

- Somos seres de outro planeta - continuou ele levantando a mão para que Alberto se calasse - Eu sei que você não vai acreditar agora, mas apenas nos escute.

Alberto se remexeu no sofá.

- Algo de muito importante está acontecendo aqui nesse planeta. E não sabemos o que é ainda. A menina guarda o segredo, mas não podemos forçá-la a revelar.

- Ela não se lembra - continuou Carlos - forçá-la a se lembrar não é o caminho.

- O seu encontro com ela na estrada não foi ocasional. Nós cruzamos seus caminhos.

- Só assim - interveio Carlos - poderíamos unir os dois. Fizemos com que o pai dela a expulsasse de casa. Só assim você a encontraria na estrada.

- Quando vimos que você a levava a um hospital ficamos preocupados. Nossos inimigos possuem muita gente espalhada pelo mundo, e isso não é de agora.

- Pelo que sabemos - disse Carlos - esse grupo já está aqui no seu planeta faz um bom tempo.

- Você se recorda do caso Roswell? - perguntou Mario - Ele não foi o único, mas foi o que mais chamou atenção. Pelo que sabemos eles fizeram um acordo com os líderes mundiais, acontecendo assim uma camuflagem dos fatos.

- Os meteoros - disse Carlos com desdém - É sempre essa a desculpa, meteoros.

- A Guerra Fria, Alberto - continuou Mario - não ocorreu por acaso. Eles pensaram em tudo. Hoje quando vocês falam em alienígenas vocês logo pensam em H.G. Wells. Ele criou a lenda de maior sucesso sobre nós, foi um triunfo dos governos.Eles conseguiram despistar a humanidade direitinho.

- Hoje se você questiona as famosas aparições durante a Guerra Fria - disse Carlos - ou eles dizem que era paranóia do povo ou dizem que um Governo inimigo usou a história de alienígenas para despistar planos secretos. Os Russos foram bons nisso.

- Por tanto - disse Mario - a verdade foi ocultada brilhantemente. Nos usaram contra nós mesmos. Então, nós fomos mandados aqui para salvar seu planeta.

- Há oito anos - continuou Carlos - nasceu um ser híbrido, mas foi um acidente. Mario e eu achamos que esse nascimento foi programado por seres superiores a nós. Você já conseguiu imaginar quem é a criança?

Alberto podia imaginar de quem falavam, mas não podia acreditar.

- A Gabriela é um ser excepcional - continuou Carlos - Está nas profecias de um povo desse planeta aqui.

- Alberto, já ouviu falar nos Maias? - perguntou Mario.

- Já sim, eu sei um pouco sobre eles - respondeu ele, tentava manter a calma e não tropeçar nas palavras - Pelo pouco que li.

- Pois vamos te contar o que te esconderam - disse Carlos - Os maias foram nossos anfitriões durante décadas. Quando chegamos aqui encontramos um povo desenvolvido, um estágio de evolução por qual meu povo já havia passado. Eles nos aceitaram muito bem. E pudemos confiar neles para passarmos informações. Todo o conhecimento que esse povo teve foi passado por nós.

- Assim também aconteceu com os egípcios - completou Mario. Quase tudo o que vocês têm hoje foi dado por nós. Durante séculos passamos e continuamos passando informações para que vocês evoluam. Porém algumas informações são ocultadas por líderes mundiais, pois eles acham que seriam prejudicados financeiramente se revelassem ao povo.

- Agora estamos aqui - disse Carlos - para salvar seu planeta. Não sabemos quem quer destruí-lo, mas você saberá na hora certa.

- Já explicamos tudo o que você precisa saber no momento - disse Mario - Agora, como prometemos, pode fazer suas perguntas.

- Mas lembre-se - interpôs Carlos - pode ser que não possamos responder certas coisas no momento.

Fez-se silêncio. Alberto ainda pensava em tudo o que tinha ouvido, não podia ser verdade.

Mas por tudo o que haviam passado ele quis continuar ali dando ouvidos aos dois, precisava saber.

Enquanto isso Gabriela dormia um sono agitado, num sonho agitado.

- Não! - gritava Gabriela enquanto tentava correr por uma estrada fracamente iluminada.

Ela corria em meio a árvores e pedras. Cada vez que tentava correr, mais pesada sentia as pernas. Uma criatura a perseguia, chegava rapidamente.

- Por favor! - gritava a menina - Alguém me ajuda!

A criatura se aproximava. A menina tropeçou em uma pedra e caiu. Ela chorava desesperada.

- Me dê a esfera - disse a criatura com um rosnado na voz - Me dê!

- Do que você está falando?

A criatura em cima da menina.

- Me dê, sei que está com você.

Nesse momento a luz do luar iluminou os dois. Uma criatura enorme, metade homem metade lobo, que salivava entre os dentes cerrados.

- Por favor, alguém me ajude! - a menina não chorava mais - Alberto!

Ela ouviu a voz de Alberto ao longe. De repente acordou assustada. No quarto em baixo das cobertas pôde ver Alberto sentado ao seu lado e Carlos e Mario olhando da porta.

- Querida - começou Alberto - você está bem?

- Eu tive um pesadelo - disse Gabriela - Foi horrível.

- Pronto, calma - disse Alberto abraçando-a - Foi só um pesadelo. Você começou a gritar meu nome, mas agora está tudo bem.

- Ele queria a esfera - disse Gabriela agora mais calma.

- Ele quem? - perguntou Alberto curioso.

- Alberto - Carlos interrompeu - agora não, espere ela se acalmar.

- Tudo bem - concordou Alberto.

- Eu quero minha mãe - choramingou a menina.

- Venha, vou preparar um banho quente pra você - disse Alberto pegando-a no colo - Você vai se sentir melhor.

- Estamos esperando na sala - disse Carlos se retirando.

Alberto deixou a água do chuveiro em uma temperatura agradável, e entregou uma toalha e um pijama para a menina.

- Vou deixar a porta encostada - disse Alberto - se precisar é só chamar.

- Tudo bem - disse ela ainda desorientada.

Alberto voltou para a sala. Ele percebeu que os dois conversavam algo que não gostariam que ele soubesse, pois interromperam na mesma hora.

- Sente-se Alberto - começou Carlos - Temos mais uma coisa pra contar.

Alberto se sentou desconfiado.

- Estou ouvindo.

- Bom - começou Carlos - nossos inimigos têm algumas habilidades que não podemos combater.

- Eles conseguem controlar o sonho das pessoas - continuou Mario – Algo psíquico.

- Se a menina não tivesse acordado, e tivesse sofrido algum ferimento nesse sonho ela sofreria aqui no mundo real também - explicou Carlos - Eles ainda não sabem onde estamos, por isso utilizam desse artifício.

- A menina foi inteligente - disse Mario - ela soube desviar o sonho para um lugar deserto.

- Isso significa que - continuou Carlos - se ela estivesse nessa casa aqui durante o sonho eles nos descobririam. Mas ela conseguiu produzir um ambiente desconhecido no seu sonho.

- Parem - interrompeu Alberto - E vocês esperam que eu acredite em tudo o que dizem?

- Sim esperamos - disse Carlos calmamente.

- Alberto - interveio Mario - nesse momento não podemos nos explicar, e nem justificar nada, não temos muito tempo.

- Mas como vocês esperam que eu acredite nessa fantasia toda? - perguntou Alberto alterando a voz.

- Gabriela - disse Carlos - venha até aqui.

Alberto olhou para trás, a menina estava parada no corredor, olhava fixo para Alberto.

- Querida - começou Alberto - já tomou seu banho?

- Já.

- Venha até aqui menina - disse Carlos calmamente.

A menina caminhou devagar até Alberto, ela relutava em sair de perto dele.

- Está na hora de todos nós termos uma conversa.

- Vamos começar pelo sonho - disse Mario olhando para a menina - Precisamos saber o que houve realmente nele.

- Gabriela - interveio Alberto - você quer falar sobre isso?

- Tudo bem. Falo sim.

- Então vamos lá - se animou Carlos - Onde você estava no seu sonho?

A menina hesitou.

- Era um lugar grande, com muitas árvores e pedras.

- E quem perseguia você?

- Era um animal - nesse momento a menina se encolheu instintivamente - Um lobo muito grande que falava.

Carlos olhou para Mario.

- E esse lobo - continuou Mario - disse algo?

- Ele me mandou dizer onde estava a esfera.

- E você disse? - perguntou Carlos se exaltando levemente.

- Não, eu não disse nada - contou Gabriela - Só pedi socorro.

- Gente - interrompeu Alberto - era só um sonho.

- Alberto - disse Mario - por favor, nos deixe terminar, depois pode fazer as perguntas que deseja.

- Alberto - começou Gabriela - deixa eles perguntarem.

- Certo - disse Alberto suspirando - mas se você não quiser não precisa responder.

Gabriela concordou.

- Mario - começou Carlos - me dê a esfera. Está na hora de mostrar.

Mario pegou a pequena esfera azul no bolso.

- Ponha essa mesa aqui no meio - ordenou Carlos.

Alberto colocou uma mesinha no centro da sala.

- Agora vocês vão fechar os olhos - começou Carlos - e verão algumas imagens.

- Não abram por nada, até que mandemos.

- Entenderam? - perguntou Carlos.

Os dois concordaram e fecharam os olhos.

Carlos depositou a esfera na mesa e disse algumas palavras indecifráveis. Como num passe de mágica a esfera brilhou intensamente, com os olhos fechados Alberto começou a ver algumas imagens se formarem em suas pálpebras. No começo pouco nítidas, porém pouco a pouco tudo foi se transformando em uma espécie de filme.

Ele podia ver um casal, estavam dando risada em um piquenique no campo. A mulher estava grávida, o homem acariciava sua barriga. Provavelmente esperavam um filho. De repente veio um vento forte por cima das árvores. Um helicóptero pousou na frente deles, cinco homens vestidos com uma roupa especial azul desceram com armas nas mãos e máscaras.

- Venha conosco senhora - disse um deles.

- O que estão fazendo? - perguntou o companheiro da moça.

- Segurem-no - ordenou o outro - Venha senhora, ou a levaremos a força.

- Deixem minha mulher em paz! gritou o homem avançado para enfrentar os homens.

Um deles apontou a arma para ele e deu um tiro certeiro no peito. O homem caiu morto no chão.

- Nãããooo! - gritou a mulher - Por que fizeram isso?

- Peguem-na e vamos logo!

Dois homens a seguraram pelos braços enquanto ela se debatia. Entraram no helicóptero que alçou vôo.

As imagens se interromperam e voltaram a aparecer.

Agora a mulher se encontrava deitada inconsciente em uma maca. Uma sala iluminada por fortes lâmpadas fluorescentes. Três pessoas vestidas de branco com máscaras entraram. Pareciam cirurgiões. Os três se entre olharam e se dirigiram a maca em que estava a mulher. Passaram um produto químico na barriga dela e a cortaram. Era uma casaria. O bebê nasceu e foi logo auxiliado por um deles. Suturaram a mulher e ela foi levada dali. Os outros dois ficaram ali com o bebê.

De repente Alberto teve uma horrível sensação, eles não seriam capazes de fazer isso. O outro que havia saído com a mulher voltou.

Dois deles seguraram o bebê pelas mãos e pernas, ele chorava muito. O outro fez uma pequena incisão na parte de trás da cabeça do bebê, e Alberto pôde ver que ele colocava uma esfera, como aquela que estava na sala nesse exato momento, dentro do bebê.

Alberto tentou gritar, mas sua voz não saia.

As imagens mais uma vez sumiram, e depois voltaram. Agora aquele mesmo bebê estava sendo entregue para uma mulher e um homem em uma cabana na floresta. Tudo agora fazia sentido para Alberto. Ali estava Gabriela recém-nascida. Ele não podia acreditar no que via.

- Podem abrir os olhos agora - disse Carlos - Viram?

A esfera já havia sido guardada.

- Isso não pode ser verdade - disse Alberto.

- Mas é - disse Mario - E é da esfera que eles estão atrás.

- A menina passou, durante o seu crescimento, algumas informações sobre os antepassados dela para essa esfera - começou Carlos - Informações que só ela tem.

- Quando implantaram isso nela eles tinham o objetivo de colher essas informações mais tarde. O povo dela foi extinto, e guardava um grande segredo que, não sabemos explicar como, era passado através dos genes.

- E que informações são essas? - perguntou a menina.

- Não sabemos ainda querida - respondeu Carlos - Só você pode nos dizer. Não podemos confiar totalmente no que diz essa esfera.

- Eu não posso acreditar nisso tudo - se indignou Alberto - É muita fantasia para apenas duas pessoas.

- Alberto - começou Mario - nós também queríamos que fosse apenas fantasia.

Alberto ficou durante vários minutos pensando. Por que aqueles dois homens entraram tão repentinamente na vida dele? Por que estavam inventando aquela história maluca?

- Vamos Alberto – dizia Mario – Não é possível que depois de tudo o que presenciou continue desacreditando em nós.

- Alberto – interveio Carlos – o mais importante no momento é a proteção da menina, e ninguém melhor do que você para fazer isso.

- Gente – Alberto se exaltou – vocês estão malucos! Como vocês podem esperar que eu acredite em tudo o que dizem?

- Alberto – Gabriela se pronunciou – vamos dar uma chance pra eles.

Ele pensou por uns momentos e ponderou. Ele olhou a menina, cada vez que a olhava sua afeição por ela aumentava. Ele se perguntava como podia uma menina que vira a mãe morta continuar tão calma assim? Ele, de uma certa forma, a admirava.

- Qual é a garantia que temos de que vamos ficar seguros? – perguntou Alberto.

- Alberto, entenda que Carlos e eu estamos aqui cumprindo uma missão que pode ser a ultima de nossas vidas – Alberto sentiu que a voz de Mario estremeceu nesse momento – Então, se precisarmos, morreremos para salvar os dois.

Ele sentiu que Mario estava sendo honesto. Alberto achava que não custava dar uma chance aos dois, aliás, ele e a menina já haviam sido salvos por eles duas vezes.

- Certo, certo – disse Alberto – E o que faremos agora?

- Muito obrigado Alberto – disse Mario dando um sincero sorriso.

- Não tenho certeza – disse Carlos – Nosso futuro é incerto.

- Alberto – interveio Mario – é importante que você nos prometa uma coisa.

Alberto olhou desconfiado para os dois.

- O que? – perguntou.

- Se nos acontecer algo, tem que prometer cuidar da menina.

- Mas o que poderia acontecer com vocês? – Alberto sabia que eles estavam escondendo mais algumas informações.

- Isso nem nós sabemos dizer – disse Carlos – Acredite em nós.

Alberto mantinha um olhar crítico sobre os dois. Ele precisava descobrir o que estava acontecendo ali, isso significava a segurança dele e da menina.

- Tudo no seu próprio tempo Alberto – disse Mario.

- A esfera – começou Carlos – vamos entregá-la a eles.

- Mas não podemos! – Alberto se espantou.

- Devemos entregar, ou eles nos seguirão onde formos.

- Deve haver outro jeito – protestou Alberto – vocês mesmo acabaram de dizer que ela é importante.

- E é – disse Mario – porém não mais importante que nossas vidas. Mas já sabemos que informações ela contém. E nós não conseguiremos fugir deles para sempre.

- Onde a deixaremos? – perguntou Mario.

- No lugar onde escondi um objeto há algum tempo atrás – disse Carlos.

- Onde é isso? – indagou Alberto curioso.

- Aqui na chácara.

- E quando foi que vocês esconderam? – indagou Alberto cada vez mais abismado com as revelações.

- Você se lembra do dia em que estava lendo na varanda? – perguntou Carlos.

- Então, foi nesse dia. – Carlos achava graça no espanto de Alberto – Nesse dia eu escondi, e sem me gabar, eu o escondi muito bem.

- Carlos – disse Mario – não podemos perder tempo.

- Sim, vamos lá.

Todos se levantaram e foram para fora da casa. Um dia de um céu límpido e convidativo, pensou Alberto.

- Por ali – apontou Carlos – Não é muito longe.

Andaram cerca de dois quilômetros e pararam em frente a uma imensa árvore.

- É bem aqui – disse Carlos sorridente.

- Aqui? – Alberto mal podia acreditar – Você enterrou alguma coisa aqui?

- Não enterrei exatamente.

Carlos se aproximou da árvore e começou a acariciá-la.

- O que ele está fazendo? – perguntou Alberto – Ficou maluco?

- Calma Alberto, tenha calma – pediu Mario.

- Bom, eu acho que isso não seria achado tão facilmente assim, né? – disse Carlos descontraído.

Inexplicavelmente uma fresta começou a se abrir no tronco da árvore, no local em que Carlos tocava. Ele colocou a mão dentro do buraco e procurou algo. Depois de procurar por alguns segundos ele tirou a mão, estava segurando uma espécie de códice muito bem conservado.

- O que é isso? – perguntou Alberto curioso.

- Aqui está toda a história do seu planeta, desde os primórdios da vida. Não se preocupe, eu sei, parece impossível conter milênios de história em penas um pequeno documento. Você vai entender quando ler isso, mas não será agora, ainda não – Carlos o olhou sério.

- Alberto – disse Mario – prometa que só lerá esse documento depois que Carlos e eu tivermos partido, e prometa que fará de tudo para divulgá-lo de uma forma que convença os leitores do mundo todo. É importante.

- Nossa – Alberto não sabia o que falar – Bom, eu farei o possível, mesmo correndo o risco de ser tachado como mais um pirado.

- Muito obrigado! Sabíamos que podíamos contar com você!

- E onde isso ficará guardado?

- Com você mesmo Alberto – disse Carlos – Não é difícil de se carregar no bolso.

- Tudo bem, agora não tem mais volta, não é?

- Receio que não – disse Mario.

Carlos olhou para todos e se dirigiu a menina.

- Gabriela, acho que agora você já se lembra de bastante coisa, certo?

- Sim – respondeu a menina.

- Muito bem – disse Mario – Carlos, creio que podemos nos desfazer da esfera agora.

- Sim, você tem razão.

E pegando a esfera Carlos a colocou no lugar onde estivera o códice a pouco. O pequeno buraco se fechou e o tronco voltou a ser como era.

- Eles logo chegarão aqui – disse Carlos – devemos partir o quanto antes.

- Mas Carlos – disse Alberto – para onde vamos agora? Vamos fugir por todo o país?

Carlos e Mario se entreolharam por alguns momentos, então Carlos quebrou o silêncio.

- Não, isso não seria justo com vocês – Carlos suspirou pesarosamente – Mario?

- Sim?

- Você ainda tem o endereço daquele seu amigo do México?

- Tenho sim, por quê?

- Bom, nós dois sabemos que Alberto e Gabriela estarão sempre em perigo se continuarem por esses lados.

- Sim, concordo – Mario olhou pesaroso para Alberto e a menina.

- Acho que seu amigo poderia acolhê-los por alguns tempos até tudo isso passar.

- Carlos – disse Mario tentando manter a calma na voz – sim, ele poderia, mas mesmo assim ainda haveria certo risco.

- Mas não como haveria se eles continuassem aqui.

Carlos se virou para Alberto.

- Você concorda em desaparecer por alguns tempos com a menina?

- Carlos – Alberto se exaltou – eu posso ficar e lutar!

- Alberto, você poderia até tentar, mas e a menina?

Mais uma vez Alberto se sentiu encurralado. Realmente a segurança de Gabriela valia mais.

- E como vamos pro México? E como encontraremos esse seu amigo?

- Não se preocupe – disse Mario – ele encontra vocês.

- Ele é uma boa pessoa – disse Carlos – irão gostar dele.

Agora todo o mundo conhecido de Alberto pareceu se tornar um sonho. Ele tinha a impressão de que toda a vida que ele tinha vivido e todos que conhecia estavam dentro de uma bolha, e essa bolha subia, até que sumia com tudo.

- Agora devemos ir – alertou Carlos – Não temos mais tempo a perder. Chegando em casa arrume algumas coisas na mala que logo partiremos.

E todos tomaram o caminho de volta pra casa. Foi uma caminhada silenciosa, em que cada um deles pensava no futuro. O que seria daqui pra frente? Em quem podiam confiar? Como tudo isso ia acabar?

- Vai dar tudo certo - dizia Carlos - vocês verão.

- Eu confio em você - disse a menina sorrindo.

- Que bom - disse ele.

Eles caminharam em meio a floresta densa. Tudo ali parecia intocado. Pássaros cantavam livremente passando uma sensação de leveza aos quatro.

Já haviam caminhado boa parte do percurso quando ouviram um barulho diferente do dos pássaros.

- Eles nos encontraram! - alertou Mario.

- Alberto? - chamou a menina.

- Querida, segure minha mão com força.

Pareciam perdidos na área arborizada, o pânico tomou conta de Alberto e de Gabriela.

- Alberto - Mario chamou - fique com Carlos, vá!

Ele puxou a menina para mais perto e seguiu Carlos que tomava um caminho diferente do de Mario.

- Não podemos deixar ele lá - disse Alberto.

- Ele sabe se cuidar - disse Carlos - Agora siga-me e vamos sair daqui.

- Achei um deles! - exclamou uma voz desconhecida ali perto.

- Meu Deus! - se exaltou Alberto.

Alberto e os outros corriam em ziguezague pela floresta, mas Carlos parecia conhecer muito bem aquele lugar.

- Não! - alguém gritou ao longe.

- Mario! - gritou Alberto parando.

- Calma, se acalme - pediu Carlos - Não é a voz de Mario. Vamos logo, estamos quase chegando.

Ao chegarem no jardim da casa deram de frente com dois carros estacionados. Todos vazios.

- Devem estar todos na floresta - sussurrou Carlos - Vamos rápido.

Atravessaram o gramado e entraram na casa. Estava vazia, porém toda revirada.

- Já estiveram aqui - disse Alberto pesaroso.

- Alberto - começou Carlos - pegue o que lhe for de mais importante e me encontre aqui embaixo, mas não demore.

Ele concordou e desapareceu em um dos quartos.

- Gabriela - chamou Carlos - preste atenção. Se acontecer algo comigo ou com Mario quero que vá com Alberto.

A menina concordou com a cabeça.

- Ele mostrou ser confiável - disse Carlos - e, o mais importante, ele gosta de você.

A menina sorriu, finalmente alguém se importava com ela de verdade. Nesse momento Alberto apareceu com uma pequena mala.

- Pronto? - perguntou Carlos.

- Sim, tudo pronto.

- Certo. Então vamos sair logo daqui.

Os três saíram para a varanda no momento em que um homem saía correndo do meio das árvores em direção a eles. Ele vinha empunhando uma faca quando, de repente, ele caiu após um forte estampido. Logo depois Mario saiu do meio das árvores. Ele mancava.

Alberto achou estar alucinado, o sangue que escorria pela perna de Mario parecia brilhar suavemente.

- Eles me acertaram - disse Mario ao se aproximar - mas eu peguei um deles - e mostrou a arma com que tinha atingido o homem que estava caído morto ali no gramado.

- São muitos - disse Mario cambaleante - a única opção é a fuga.

- Tudo bem - disse Carlos ajudando o amigo - Vamos logo então. Alberto, está com a chave do carro e com o códice?

- Estão aqui.

Enquanto se dirigiam ao carro mais homens apareceram.

- Lá estão eles! - apontou um dos homens.

- Meu Deus - se desesperou Alberto.

- Vamos - disse Carlos - Ligue logo o carro. Entre no carro Gabriela.

Os homens corriam até eles.

- Vão! - gritou Mario - Vá Carlos, eu posso atrasá-los. E não discuta, eles vão precisar mais de você do que eu.

E dando um sorriso de adeus Mario se virou para os homens e empunhou a arma. Carlos se lamentou e entrou no carro.

- Vamos logo - disse Carlos para Alberto.

Ele ligou o carro e saiu derrapando. Podiam ouvir tiros. Quando estavam na ponte ouviram um último tiro.

- Sinto muito Carlos - disse Alberto.

- Ele fez o que devia - disse Carlos derramando uma lágrima.

- Pra onde vamos? - perguntou Alberto.

- Pro aeroporto mais próximo. Gabriela, você está bem?

- Sim - disse ela com a voz embargada.

Alberto olhou pelo retrovisor e viu que a menina chorava em silêncio. Ele decidiu não dizer nada. Achava certo deixar cada um com seus próprios pensamentos naquele momento. Ninguém os seguia. Agora já em uma auto-estrada Alberto diminui a velocidade. E os três seguiram viajem em silêncio.

Após duas horas viajando chegaram à cidade de São Paulo, o movimento era intenso.

- Quanto tempo até chegarmos ao aeroporto? - perguntou Carlos.

- Com esse trânsito, acho que uns quarenta minutos.

- Qual será o próximo vôo para a Cidade do México?

- Tente meu celular - disse Alberto pegando-o no porta-luvas - O número do aeroporto está nesse caderno.

Carlos pegou o celular e discou. Uma atendente com uma voz suave e formal falou.

- Boa tarde - disse Carlos - Por favor, qual o próximo vôo para a Cidade do México?

Gabriela já havia parado de chorar.

- E quantos lugares ainda estão disponíveis? Certo, tudo bem, muito obrigado.

- E então? - perguntou Alberto.

- Sai daqui a uma hora e meia. Ainda tem muitos lugares. Não seria muito prudente reservar passagens e deixar nossos nomes armazenados lá antes de chegarmos.

Depois disso, todos se calaram até chegarem ao aeroporto.

- Vou estacionar perto da entrada. Mas Carlos me diga como embarcaremos Gabriela? Ela não tem documentos.

- Eu cuido disso - disse Carlos dando outro daquele seu sorriso misterioso.

Eles desceram e atravessaram o pátio do estacionamento rapidamente.

- E o dinheiro? - perguntou Alberto.

- Eu tenho, não se preocupe - disse Carlos - Apenas espere perto do portão de desembarque, e fique de olho em Gabriela.

- Certo, pode deixar.

E pegando a mão da menina Alberto foi ao portão. Carlos tomou o rumo dos guichês.

Cinco minutos depois ele voltou sorridente.

- Aqui estão - disse entregando os bilhetes.

- Mas só tem dois - estranhou Alberto.

- Sim - disse Carlos - Vocês partem em dez minutos. Lá no México um amigo estará esperando. Não se preocupem, ele achará vocês.

- Mas Carlos, venha conosco - pediu Alberto.

- Não posso, tenho coisas a fazer por aqui.

Um auto-falante anunciou a última chamada para o vôo de Alberto.

- Está na hora - disse Carlos - Alberto, adorei trabalhar ao seu lado.

- Eu também - disse ele já se encaminhando para a plataforma de embarque.

- Cuidarei para que seus registros sejam apagados dos computadores. Ninguém saberá onde estão.

- Carlos - começou Alberto - nos veremos novamente?

- Espero que sim. Tenho uma leve sensação que sim.

E com um sorriso e um aperto de mão os dois se despediram. Gabriela lhe deu um beijo no rosto e derramou algumas lágrimas.

- Boa sorte - desejou Carlos.

- Pra você também - disse Alberto indo para o embarque - Carlos - ele chamou - era você no porão daquele hospital?

Carlos não disse nada, apenas sorriu.

A menina deu uma última olhada para trás, Carlos já não estava mais ali.

Os dois embarcaram e se sentaram. Uma comissária de bordo perguntou se estava tudo em ordem.

- Sim. Muito obrigado.

- Ótimo - disse a comissária - se precisarem de algo chamem.

- Gabriela - disse ele segurando a mão da menina - vai dar tudo certo.

- Eu sei que vai - disse a menina.

- Ficaremos bem - disse ele.

- Acredito em você - disse ela que se recostou no ombro de Alberto e logo adormeceu.

O avião já estava no ar quando muitas coisas passaram pelos pensamentos de Alberto.

Rumavam para o desconhecido. Mas de uma coisa ele sabia, tinha novamente um motivo para viver. E pensando nisso ele olhou mais uma vez para Gabriela e também adormeceu.

Naquele momento, no sítio de Alberto, um homem falava ao telefone.

- Sim, eles estão indo para o México senhor. O que devo fazer?

Uma pausa.

- Quanto à menina por enquanto nada Mario, aguarde instruções. Muita coisa está em jogo, não podemos nos precipitar. Mas agora você deve achar e prender Carlos.

- Sim senhor - disse Mario desligando o telefone - Homens, temos um alienígena para caçar - disse ele dando um sorriso de prazer.

Guilherme Diniz
Enviado por Guilherme Diniz em 30/01/2007
Código do texto: T363248