Prisão Perpétua

PRISÃO PERPÉTUA

Numa tarde de novembro uma moça vestida de preto caminhava por um lugar até então desconhecido. Seus cabelos eram longos e dourados como os raios do sol; o que contrastava com todo o contexto. Sem rumo, ela perambulou, ainda bastante tonta pela overdose de medicação que tivera horas antes. Tudo em sua mente era confuso e lembranças do passado longínquo se misturavam às terríveis memórias recentes. Sentia incontrolável vontade de chorar. Sentia também que seus pés mal tocavam o chão; era como se flutuasse. A medida que andava, percebia que o local, ainda vazio e silencioso, era aberto e que havia gavetas nas paredes e várias campas no chão, que por sinal estava coberto de folhas secas. O cheiro das velas entrava por suas narinas e as fotografias que ali estavam não eram de um álbum, mas, com certeza, poderiam encher diversos deles. Logo percebeu que se tratava de um cemitério, mas não sabia ao certo porque estava ali. Era um lugar imenso e que lhe trazia certo desconforto. Estar ali a afligia a cada minuto que se passava. Algo um tanto inusitado lhe ocorreu durante sua caminhada. Passando por uma das campas, ela viu um vaso de flores brancas, um rosário e um espelhinho redondo. Tentou, em vão, pegar o espelho; vaidosa que era, entretanto não conseguiu sequer tocá-lo. Para piorar a situação, ao se curvar para ver sua imagem refletida nele, a jovem notou que o objeto refletia tudo, menos isso. Entrou em desespero e se lembrou que o mesmo acontece aos vampiros nos contos de terror que sua vovó lhe contava em tempos de outrora. Começou, assim, a entender o que estava acontecendo. Dali a pouco a jovem que estava ajoelhada sobre o solo seco daquele cemitério foi surpreendida por seus familiares vindo em sua direção. Tentou chamar-lhes a atenção, sem sucesso. Era como se estivesse invisível. Em seus rostos havia um misto de revolta e tristeza. Todos de preto. Alguns levavam o caixão e outros seguravam uma grande coroa de flores com dizeres que fugiam as suas vistas cansadas. Em pouco tempo ela estava gritando no meio daquela multidão como uma louca no meio de uma procissão. Ninguém podia ouvi-la; apenas os mais sensíveis conseguiam sentir levemente sua presença. Ela aproximou-se de si mesma e viu que dormia profundamente, mas não de forma serena. Tinha a boca torta e sua feição era de dor. A carta que escrevera, em sinal de despedida, foi enterrada junto a seu corpo sem vida. Assim que todos se foram, ela continuou ali por um tempo e logo prosseguiu; vagando em direção ao nada, mas presa a tudo.

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 30/08/2014
Código do texto: T4943310
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