Tem medo do escuro?

Beatriz abriu os olhos e tudo era escuridão, até onde a vista podia alcançar. Tudo escuro. E o medo estava lá, observando. Ela estava no escuro, assustada, sozinha e confusa. O que tinha acontecido? E por que tinha a sensação de não ser a primeira vez a estar ali? Tudo parecia tão natural, isso era bem desconcertante. Tudo escuro. Sua mente também estava escura. Mas o medo não era o único a observar, tinha mais alguma coisa. Alguém.

- Oi? Tem alguém aí? Pode me ajudar? Não sei onde estou.

O silêncio

-Olá?

O silêncio

- Por favor.....me ajude....

Aos poucos a figura foi se aproximando, bem lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo. Era um homem. Era o seu pai.

- Pai! Que bom que você está aqui! Eu não faço idéia de onde a gente está, como me encontrou?

Ele permaneceu mudo, e parecia estar carregando alguma coisa nas mãos. Parecia....parecia....um chicote.

- Beatriz, você não devia ter me desobedecido. Você sabe o que acontece quando deixa o papai triste.

- Não...pai...não! Eu cresci! Eu não tenho mais cinco anos! E o senhor morreu! Você se matou a quatorze anos! Isso não está acontecendo, não está!

- Eu só quero que você seja uma boa menina, filha.

- Não! Para! Para! Por favor!

O chicote começou a cortar sua pele, sangue saía por todos os lados, hematomas que antes não estavam ali começaram a ficar nítidos, conseqüências de outras sessões de tortura. Beatriz caiu de joelhos implorando, gritando para que aquilo parasse.

E tudo era escuro.

- Pelo amor de Deus! Chega! Eu não posso agüentar mais isso!

- Beatriz! Beatriz, se acalme, se acalme. Acabou, você está de volta. Agora estamos na clínica psiquiátrica e nada disso está acontecendo.

- Eu estou.....de volta....estou de volta.

A luz tinha voltado, e com ela veio a consciência do que estava acontecendo.

- Lembra-se por que pediu a minha ajuda? Você consegue se lembrar?

- Eu queria.....queria superar o medo do escuro.

- E depois dessa sessão de hipnose você conseguiu perceber por que tem esse trauma?

- Meu pai. A culpa é dele. Ele me batia quando eu era pequena. Eu o odeio tanto por isso.

- Eu imagino que sim. Mas você vai conseguir superar isso com mais algumas sessões. Mas não hoje.

- Por que não? Eu quero voltar lá e dar um soco bem no meio daquela cara barbuda dele. Eu acho que posso fazer isso, já estamos tentando isso há um mês!

- Eu sei que pode, mas hoje você está cansada. Foi um dia exaustivo e acho que agora devia voltar para casa e dormir um pouco.

- Tudo bem então. Eu vou indo. Obrigada Dr. José, não sei o que seria da minha sanidade sem o senhor.

- Não tem de que. Até semana que vem.

- Até.

Beatriz chegou em casa exausta, não admitiria facilmente mas dessa vez tinha sido muito cansativo. Nunca uma regressão tinha sido tão....real. Mas era apenas uma lembrança. Agora ela conseguia se lembrar melhor. Durante três anos seu pai a trancava no porão da chácara onde morava a família e a batia com um chicote. Um dia chegou até mesmo a agredi-la com arame farpado, amarrando suas pernas e a arrastando-a. Foram anos difíceis para ela.

- Mas acabou. Ele morreu e com a terapia eu vou conseguir superar isso.

Ela deitou-se na cama, olhou a parede e ali estava ele.

- Eu só quero que você seja uma boa menina, filha.

E tudo era escuro.

Matheus Barbosa
Enviado por Matheus Barbosa em 17/10/2014
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