Eu sou a face da Culpa

Charles não sabia explicar como nem por que a ideia de dar um fim à vida de James lhe entrara na mente. Mas uma vez que ela estava concebida não havia meio de afastá-la, e a cada dia parecia mais provável e até mesmo agradável que James morresse. As vezes ele se pegava pensando em como matá-lo durante uma festa, outras vezes levava a ideia para o trabalho, chegava até mesmo a sonhar com isso. O problema era como e em que circunstâncias, por que a vontade ele já tinha. E quanta vontade tinha! Ao ficar ao lado de seu amigo quase não podia se controlar, era necessário uma força sobre-humana para não pular sobre o seu pescoço e cortar-lhe a jugular. Gostava de imaginar o sangue saindo, não devagar como os filmes gostam de retratar, mas como uma fonte quente e vermelha. Mas por fim chegou a ocasião que tanto esperava.

- James, não esperava você aqui tão tarde da noite!

- Escute Charles, estou desesperado. Um cara para quem estou devendo uma grana está louco atrás de mim e eu disse que o pagaria até hoje, ele sabe onde moro e acho que poderia ir até a minha casa quebrar meu pescoço. Vou entender se você não quiser que eu fique aqui esta noite, mas se aceitar prometo te pagar a hospedagem.

Charles sorriu de orelha à orelha, mas é claro que apenas por dentro, por fora usava uma máscara de preocupação tão bem feita que ninguém poderia dizer o que ele planejava secretamente.

- Mas é claro, meu amigo. Terei o maior prazer de tê-lo aqui em casa essa noite, e não precisa me pagar nada, dou a hospedagem com a maior boa vontade.

(não vai ter tempo de me pagar de qualquer maneira)

- Grande Charles! Sabia que iria deixar! Fico muito agradecido, mesmo. Não sabe o favor que está me fazendo.

- Venha, vou te mostrar o quarto de hóspede.

(eu desistiria dessa ideia se ela não se mostrasse tão ápita a morrer)

- Ali é a cama e aquela é a porta do banheiro. Vou buscar o seu pijama e então pode ir se trocar, se quiser.

- Muito obrigado mais uma vez, Charles. Poucas pessoas me ajudariam nesse momento.

(eu é que agradeço)

Charles foi até a cozinha, olhou o faqueiro e pegou a maior faca que tinha. Olhou o brilho da luz refletido na lâmina por alguns instantes, perdido em pensamentos. Ainda não sabia como esconder o corpo, mas podia pensar nisso depois. Não podia deixar a presa fugir naquele momento.

- Ei James! Preciso te mostrar uma coisa aqui na cozinha!

- Estou descendo!

(é agora)

-Charles se virou com a faca em punho e com uma força selvagem esfaqueou James três vezes exatamente no ponto sobre o coração. Não houve gritos, nem mesmo gemidos, e o único som foi o do corpo desabando sobre o chão.

Estava acabado.

Ele olhou o sangue que manchava suas roupas e o piso da cozinha, e só então se permitiu um sorriso.

Mas foi um sorriso demorado, de verdadeira satisfação.

- E agora o que eu faço com você, meu amigo?

Não precisava se preocupar com um álibi, James estava devendo dinheiro para um homem que provavelmente queria matá-lo também, a polícia desconfiaria dele primeiro, seja lá quem fosse. Mas precisava dar um jeito no corpo, ou então estaria encrencado.

-Já sei.

Ele arrastou o corpo até o porão, colocando-o dentro de uma caixa, que por sua vez foi posta dentro de outra caixa e então coberta por um lençol. Por garantia empilhou mais algumas outras tranqueiras em cima e empurrou o velho piano para a frente de todas as coisas.

Charles subiu a escada de volta e trancou a porta atrás de si.

Parecia um bom esconderijo para alguém que não podia se mexer.

E agora precisava resolver a questão do sangue. Começou tirando a roupa e jogando na lareira, podia ser que lavasse e ainda assim ficasse alguma mancha. Depois pegou um pano e começou a esfregar o chão. Levou uma boa hora para dar por encerrado o serviço.

(e agora, cama)

Espere.

Ainda havia uma manchinha de sangue no piso.

(eu lembro de ter passado a escova e o pano ali que estranho)

Bom, não custava limpar mais um pouco. Ele esfregou um pouco e logo a mancha saiu, não podia correr o risco de ficar um pedaço sequer de sangue...outra mancha? E dessa vez, que estranho, estava na parede.

(não me lembro de ter respingado na parede)

Ele voltou e começou a limpar a parede, mas dessa vez a mancha era insistente. Mas por fim conseguiu tirá-la, e então notou outra mancha no chão.

(isso é impossível eu deixei esse chão limpo como se fosse um diamante)

Teve que voltar a esfregar, mas dessa vez a mancha se recusava a sair. Teve que parar para descansar por um momento tamanha era a dor em seu braço, e notou mais uma mancha, dessa vez no teto.

E outra na parede.

E mais outra na sua camisa.

(deus do céu o que está acontecendo)

A mancha no chão começou a aumentar de tamanho, o teto começou a pingar sangue, as paredes começaram a escorrer.

Charles olhou para as suas mãos.

Estavam cobertas do horror vermelho.

( não eu lavei a minha mão três vez isso não pode estar acontecendo ISSO É IMPOSSÍVEL!!!)

Mas era possível, muito possível. A prova disso é que estava acontecendo.

Charles disparou pelo corredor, subiu as escadas e se trancou em seu quarto. Não estava com medo, isso era pouco. Estava terrivelmente aterrorizado.

Uma gota de algo quente caiu em sua testa.

Ele levantou os olhos bem devagar para o teto, e ele estava coberto de mais sangue. E não só o teto como também o piso, os móveis, a cama e até mesmo as janelas. O desejo de Charles por sangue quente e derradeiro agora havia se tornado seu pior pesadelo.

Um gosto amargo invadiu a sua boca.

O sangue estava ali também.

(JAMES SEU DESGRAÇADO A CULPA DISSO É SUA)

Mas ele já sabia como resolver a situação.

No dia seguinte os policiais bateram à porta de Charles, queriam fazer umas perguntas sobre o paradeiro de James. Mas haviam chegado tarde demais. Charles estava estendido no tapete da sala, segurando a mesma faca que havia tirado a vida de seu melhor amigo, mas dessa vez tinha apunhalado seu próprio coração.

Não havia uma gota sequer de sangue em toda a casa.

Matheus Barbosa
Enviado por Matheus Barbosa em 22/10/2014
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