A GARRAFA

Guardava aquela garrafa com extremo zelo e sovinice. Dia e noite, a conservava sob o braço direito, de forma tal que uma depressão se criou na axila, semelhante ao contorno da garrafa.

Em pouco tempo passou a chamar a atenção de todos por ali. Questionamentos passaram a fazer parte nas rodinhas de conversas entre as pessoas, fossem elas de qualquer sexo, idade, religião, partido político ou status social.

Para evitar perguntas que vinham de toda parte, inclusive das costureiras fofoqueiras, teve de aprender a costurar seus próprios vestidos com um encaixe sob o braço, para acomodar melhor a garrafa muito bem lacrada e que continha um líquido de cor indefinida.

Alguns diziam que esse líquido mudava de cor, conforme o humor de Tianinha. Assim, quando estava tranquila, diziam que o líquido era de um branco quase transparente. Quando estava chateada, assumia uma cor avermelhada. Quando estava com raiva, o líquido assumia uma cor que viajava entre o roxo e o negro.

Logo, Tianinha passou a ser a pessoa mais conhecida da cidade e, paradoxalmente, a mais evitada.

Morava no final da cidade, limitando seu quintalzinho com a cerca da fazenda do Seu Viriato. Ainda bem que morava ali; assim evitava as incursões de curiosos. Pouco ia no centro da cidade. Saía de casa apenas para fazer coisas estritamente necessárias, como receber a aposentadoria, pagar a farmácia, a energia, a água e fazer compras. De resto, ficava por ali, cuidando da hortinha que a ajudava a complementar a alimentação um tanto quanto regrada.

Laurinho e Júlio combinaram de desvendar o mistério da garrafa de Tianinha. Para tanto, esperariam a ida dela à cidade e entrariam na casinha para ver se descobriam algo.

Chegado o dia, esconderam-se na matinha ao lado da casa, até verem Tianinha passar a caminho da cidade. Agora não poderiam voltar atrás. Pé por pé, encaminharam-se para a porta da casa de Tianinha e destramelaram-na sem muita dificuldade.

No escuro, tatearam em busca de alguma pista. A pouca mobília ajudaria na tarefa, pois poucos seriam os lugares para procurarem a explicação que queriam.

O medo de serem pegos pela velha bruxa era imenso, mas não tinham mais como voltar... não mais! De repente, percebem um vulto adentrando pela porta e se agacharam num canto, na espera de que pudessem se esconder, mas Tianinha acendera a lâmpada que derramou uma luz amarela sobre o pequeno cômodo.

Com um grito mais parecido a um guincho, Tianinha partiu para cima dos dois meninos, com as mãos mais parecidas a garras terríveis.

Os dois saltaram para o lado e chisparam para a cozinha. Tianinha correu atrás e conseguiu agarrar Júlio pela camisa. Laurinho, querendo defender o irmão e a si mesmo, pega um tamborete e arremessa na cabeça de Tianinha que cai com um baque surdo sobre Júlio. Com o terror estampado nos olhos, Júlio se desvencilha do corpo inerte da velha, enquanto Laurinho tira a garrafa de sob seu braço.

Saem correndo pela porta e se escondem no mato até se recuperarem do susto. Adrenalina normalizada, admiram o troféu, com olhos arregalados.

Enfim o objeto mais questionado por toda a cidade estava em suas mãos e Laurinho não se contém de tanto êxtase.

Após aqueles minutos de enlevo, Laurinho e Júlio decidem levar a garrafa para casa. Notaram que o líquido estava totalmente transparente, como água, diferentemente da cor escura que estava quando retiraram a garrafa de Tianinha. Porém, não era hora de se preocuparem com isto: A velha poderia levantar a qualquer momento e aí a coisa ficaria complicada.

Pelo meio do mato, contornam a casinha e seguem em direção à cidade, tomando o cuidado de esconder a garrafa de olhares curiosos.

Os dois irmãos, ao chegarem em casa, foram para o quarto e aí, sim, puderam investigar o objeto com mais tranquilidade.

A garrafa estava absolutamente lacrada. Para despejar o líquido estranho seria necessário cortar o gargalo e Júlio foi até a cozinha apanhar uma faca. Com cuidado e sigilo para que a mãe não percebesse, assim o fez. Abriu a gaveta do armário bem devagar, apanhou a faca, fechou a gaveta com o mesmo zelo e se voltou para se dirigir ao quarto... Sua mãe, Laura, escorada no portal, seguira cada gesto de Júlio.

Daí até relatarem todo o ocorrido, foi um pulo!

Laura repreende os filhos com veemência: não deveriam ter feito isso... e agora?... quem mais sabia do que fizeram... seu pai vai matar vocês... blablablá...

Pega a garrafa das mãos de Laurinho, enfia-se em seu quarto, senta-se na cama e passa a analisar o objeto detalhadamente, até experimentá-lo na axila.

***

Laura teve de aprender a costurar seus próprios vestidos...